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sábado, 10 de outubro de 2020

CARAÇA: Caricaturas do Grandioso Fá - Sonetos Picarescos

CARAÇA é um volume de poemas, porém ninguém se engane: nele, mesmo quando o assunto é amor, há o espeto de uma piada embutido no lirismo, a dizer: "Quem quer o amor, quer o espeto". Maus juízes, maus políticos, maus patrões, maus amigos, maus amores... ahhhh, vocês vão sentir o chicote dessa língua. No formato exclusivo e-book ilustrado, com 262 páginas divididas em 11 partes, o livro se diverte com as pobrezas humanas e explora as riquezas poéticas mas também humorísticas da língua portuguesa, em versos líricos e satíricos, com especial carinho dedicado a maus amigos, políticos e juízes.

E-book ilustrado, exemplares personalizados e numerados, em PDF, para todos os aplicativos e dispositivos. 1 ed. São Paulo: Editora Serra Azul, 2020. R$30,00. Receba em seu e-mail.

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Da frase clara, doce e elegante (à moda Bocage), à barroca, humorada e desbocada (à moda Gregório de Matos), do encanto ao deboche (que os dois praticaram sem poupar o calão), num balanço pendular cheio de riscos não só de linguagem, o leitor é embalado no trapézio da escrita, gozando o friozinho que o despencar do alto das palavras  sem rede de proteção embaixo – dá na barriga.


Ora trapezista, ora ilusionista;  ora palhaço, ora domador na jaula dos leões; ora atirador de facas, ora engolidor de fogo, ora mulher barbada o Grandioso Fá puxa o leitor ao centro desse picadeiro simbólico e o converte em cúmplice de suas 241 caricaturas – uma para cada soneto.


As ilustrações, extraídas a baralhos inclusive de Tarô, sinalizam a vocação farsesca, arlequinal e circense do livro, que não despreza nenhuma palavra do idioma, nem sequer as deformadas, sujas, rotas e andrajosas, como aqueles paupérrimos clowns que tiravam o sustento de improvisos patéticos nas feiras medievais.

A seguir, algumas caricaturas do Grandioso Fá a título de ingresso grátis:









Caraça: Caricaturas do Grandioso Fá - Sonetos Picarescos. E-book ilustrado, exemplares personalizados e numerados, legível em todos os aplicativos e dispositivos, São Paulo, Editora Serra Azul, 2020 - R$30,00.

Grandioso Fá é professor, pesquisador e escritor em diversas editoras. Entre seus títulos estão O atirador de facas e Dois poetas paulistanos (Plêiade); o ciclo de romances urbanos Era uma vez no meu bairroO jovem Mandela e O jovem Malcolm X (Nova Alexandria), O espelho de Machado de Assis em HQ e  A lenda do belo Pecopin da bela Bauldour em HQ, tradução do francês e adaptação do clássico de Victor Hugo (Mercuryo Jovem).

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Todo mundo quer Vinicius só para si

PROJEÇÃO NA PAREDE
Comemoração de 100 ano de Vinícius de Moraes na Editora Nova Alexandria

O Colégio Pioneiro adotou meu livro O jovem Mandela para turmas finais de Ensino Fundamental e inicial do Ensino Médio. A conversa foi muito legal com os alunos. Como nesse livro há incrustações de trechos do poema Mensagem à Poesia, acabei sendo convidado a participar do evento comemorativo dos 100 anos do Poetinha.

Quando eu concluíra o então Segundo Grau, hoje Ensino Médio, cometi uma de minhas maiores ousadias. Sucede que, desde que entrei na escola, ler foi uma atividade mágica, de prazer fruído ora com euforia, ora com concentração, ora com sofreguidão - porém, livros, só  os das bibliotecas públicas, oásis em que me livrei de tanto deserto de humanidade semeado pela metrópole.

A ousadia foi que, comprometendo a renda familiar, entrei em uma livraria do centro da cidade e comprei, de uma só tacada, dois volumes de poesia de Cecília Meireles; Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto; uma antologia de Carlos Drummond de Andrade; e, de Vinicius de Moraes, além da Antologia Poética por ele organizada, os livros Para uma menina com uma flor e Para viver um grande amor. Era o ano de 1982, anotado nas folhas de rosto desses exemplares, que trago até hoje, amarelecidos no papel, mas sempre intactos no coração.

Eu tinha então 19 anos. E quando apanho esses livros, continuo tendo. Esses poetas eu já frequentava em namoros sempre interrompidos pela necessidade de devolver o exemplar à biblioteca circulante. Levá-los em definitivo para casa selou um casamento desejado e sempre adiado pela falta de dinheiro. Minha família não ficou mais pobre por causa dessa ousadia e, passado o sentimento de culpa, vi que tinha feito a coisa certa.

Vinicius, sedutor como lhe é característico, adiantou-se sobre os outros poetas e dominou minha preferência por anos. Ainda mais que eu era tímido e, numa época em que todos os meus amigos estavam namorando e se casando, eu disfarçava essa timidez jogando futebol quatro vezes por semana e me enterrando nos livros o restante do tempo que sobrava do trabalho.

Decorei textos inteiros de Vinicius, a exemplo do Poema de Aniversário, que eu recitava de memória no ônibus superlotado para um amor platônico meu de então:

Porque fizeste anos, Bem-Amada, e a asa do tempo roçou teus cabelos negros, e teus grandes olhos calmos miraram por um momento o inescrutável Norte...
Eu quisera dar-te, ademais dos beijos e das rosas, tudo o que nunca foi dado por um homem à sua Amada, eu que tão pouco te posso ofertar. 
Quisera dar-te, por exemplo, o instante em que nasci, marcado pela fatalidade de tua vinda. Verias, então, em mim, na transparência do meu peito, a sombra de tua forma anterior a ti mesma.

O mistério da poesia e da vida estava todo lá, nos versos articulados que transpiravam angústia, exasperação e tristeza - mas também amor, entrega e verdade. Foi Vinicius de Moraes quem acabou me empurrando para a escrita da poesia e para o violão, que toco canhestramente. Ouvir sair de meus dedos pela primeira vez os acordes de Onde anda você, que as pessoas insistem em chamar de "E por falar em saudade", foi a suprema glória para um jovem, encantado com a beleza de viver os seus menos de vinte anos, em meio à música e à poesia.

Nas viagens de trem para o interior de São Paulo que fazíamos para jogar futebol pelo Instituto Dom Bosco (comandado pelo rigoroso padre Rosalvino - que engolia muito mal derrotas de seu time e gritava da beirada do campo como um Muricy Ramalho mais raivoso), íamos de jeans e camiseta branca cantando Regra Três, Garota de Ipanema, Por que Será e outras do poeta que, morto em 1980, movia nossa geração, que começava a conhecer o amor, e ingressava na juventude por essa porta de beleza por ele aberta.

Imagem inline 1Alternando minha preferência, sempre retorno, após voltas e voltas, ao poeta que engarrafou o melhor amigo do homem e, hilariamente, caricaturou Magalhães Pinto, à banheira, colocando os óculos de aro grosso na base do próprio joelho:

Imagem inline 2
A foto eu conhecia de há muito, porém a particularidade da caricatura marota feita pelo poeta me foi revelada por sua filha, Georgiana, com quem estive recentemente em um evento em São Paulo.

A esse evento, uma feira cultural organizada pelo Colégio Pioneiro, de tradição japonesa, fomos convidados eu (em razão de meu livro O Jovem Mandela ter sido adotado pela  escola), Georgiana e Maria, filhas do poeta (em razão da comemoração do centenário de nascimento de Vinicius). Entre descidas e subidas de escadarias para participar de atividades com jovens e crianças, fomos trocando ideias e sentimentos; ela, de filha; eu, de leitor antigo da obra de seu pai. A informação óbvia sobre a brincadeira de Vinicius me foi transmitida num desses degraus pelos quais nos cansamos de subir e descer.

Num deles é que também revelei a Georgina o contrabando que fizera em O Jovem Mandela: num dos capítulos, aproveitando a deixa de o próprio herói da luta contra o apartheid ter-se declarado em sua autobiografia um romântico - no que diz respeito às relações amorosas -, incrustei na fala de seu personagem a transcriação de um trecho de Mensagem à Poesia, de Vinicius, talvez um dos mais belos poemas contra a guerra escritos em língua portuguesa.

Prof. Jeosafá, Georgiana e Maria de Moraes nos 100 anos de Vinícius - Colégio Pioneiro.
 Perguntei a Georgiana se era fácil ser filha de Vinicius de Moraes, ao que ela respondeu, entre risos: "Nada que mais de trinta anos de psicoterapia não dê algum jeito". Na verdade, continuou, mais ou menos nessas palavras: "Dividir o pai com todo mundo não foi e ainda não é fácil - afinal, toda filha quer o pai todo pra si". Disse isso e encaminhou-se para ouvir o coral da escola cantar Garota de Ipanema em japonês, numa homenagem emocionante. Depois, subiu ao palco, com sua irmã, Maria, para acompanhar as crianças e os jovens no restante da canção, agora em português, embalada também nas vozes da plateia.

A propósito, a plateia, além do coro, também queria Vinicius só para si.

Texto elaborado para a Revista Princípios.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O dia da criação, de Vinicius de Moraes


Nasce, em meio a forte temporal, na madrugada de 19 de outubro , no antigo nº 114 (casa já demolida) da rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico, ao lado da chácara de seu avô materno, Antônio Burlamaqui dos Santos Cruz. São seus pais d. Lydia Cruz de Moraes e Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, este, sobrinho do poeta, cronista e folclorista Mello Moraes Filho e neto do historiador Alexandre José de Mello Moraes. FONTE: http://www.viniciusdemoraes.com.br

Esta semana uma amiga, que tive o prazer de conhecer em uma de minhas infindáveis peregrinações à Meca da literatura, a professora Ademilde Souza, Coordenadora de Ensino de Suzano, na Grande São Paulo, chamou minha atenção para a expressão “Overture do Fiat”, no poema “O dia da criação”, de Vinicius da Moraes.

Poderia ter conversado com ela sobre esse particular por e-mail, como fizemos outras vezes, porém isso significaria desprezar a chance de abordar em público o poeta que embalou minha adolescência e juventude.

De maneira que esta conversa, em sendo privada, pode ser acompanhada, sem o menor receio de censura, pela leitora ou pelo leitor que não seja Ademilde.

Viu, Ademilde, então, como eu ia dizendo, né, em que pese a expressão fruto da discórdia ter sido enfatizada pelo poeta em itálico no poema, ela não pode ser compreendida isoladamente, muito embora os dois termos que a compõem tenham sentidos próprios inequívocos.

O termo “Overture”, do inglês, remete diretamente à música, mais especificamente à música sinfônica, dita clássica, que por tradição tem um movimento de abertura. O segundo termo da expressão, “Fiat”, remete à Bíblia, especificamente ao livro Gênese, 1, 27, que, aliás, serve de epígrafe ao poema: “Fiat lux”. Deus disse: faça-se a luz, e a luz se fez e por aí vai.

Vou falar mais baixo, que em sendo esta conversa pública, pode haver quem se incomode.

Então, Adê, como dizia, o poeta eleva Deus à condição de regente de orquestra sinfônica. Alguns dirão que isso seria rebaixar Deus ou representar um deus rebaixado, nesse caso, o Diabo. Como não desejo atiçar ódios religiosos nem cair em tentação de polêmicas santas ou diabólicas, vou falando baixo, quem não gostou, finja que não ouviu, que é isso comportamento civilizado que demonstra grande elegância de quem o pratica.

Pois bem, essa orquestra sideral ao invés de produzir som, produz luz. Convenhamos, é uma bela imagem, seja qual for o regente. A expressão em destaque está na estrofe a seguir, que lhe serve de placenta, estou eu agora a escorregar para o vocabulário sedicioso da reprodução humana:

"Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens,
                                                                            ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Overture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado"

A “Overture do Fiat” corresponde ao momento exato em que Deus separou as trevas da luz, ou, na metáfora sinfônica, o som do silêncio. O motor da vida, posto em movimento, segundo o poeta, na estrofe acima, foi muito bem até o sexto dia, quando o Regente Supremo decidiu abandonar o Andante, partir para o Allegro Vivace e fazer o homem e a mulher.

É evidente se tratar de um largo abraço da ironia, dado por quem já se afasta das Escrituras, sim, pois esse poema pertence à segunda parte da Antologia Poética, organizada pelo próprio Vinicius:

“Não obstante certas disparidades, determinadas pela necessidade de demarcar bem as duas tendências referidas [na Antologia], impôs-se o critério cronológico para uma impressão verídica do que foi a luta mantida pelo A.[Autor] contra si mesmo no sentido de uma libertação , hoje alcançada, dos preconceitos e enjoamentos de sua classe e do seu meio, os quais tanto, e tão inutilmente, lhe angustiaram a formação.”

Será que estamos incomodando alguém com nossa conversa em que só eu falo, Adê? Bom, depois você comenta o quanto quiser, mas sempre sem perturbar o próximo, que em estando ele ou Ele próximo demais, pode estar a ouvir o que não queira, e em estando longe, pode estar a ouvir tudo enviezadamente e colher interpretações excessivamente livres para um assunto em si já propenso a todo tipo de interpretações mais ou menos eréticas, e quem ouviu “eróticas” ouviu mal, embora o Gênese trate exatamente disso, e ninguém veja mal em disso tratar. Ai que este parágrafo me saiu a lusitano.

Voltando ao Brasil do Vinicius, Adê, Deus não fez a luz, ele ordenou que a luz se fizesse por conta própria. Disse eu “voltando ao Brasil” e disse mal, porque não há garantia que esse portentoso evento se tenha dado por aqui, mas isso não é objeto deste artigo.

Segundo o poeta:

"Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
[...]
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia."

Veja, Adê, que desagradável pode ser conversar sobre poesia em público: já um mal educado me cutucou com o cotovelo achando que as palavras sarcásticas há pouco ditas são minhas... quem dera, são do grande poeta, que não está aqui para levar cotoveladas de gente fanática e ruim de verso e mais ainda de riso.

Agora, que o poeta está a afirmar ser o Maestro um mal regente, ah, isso sou eu quem digo, pois a lógica elementar permite, pelo elementar mecanismo dedutivo: tivera Ele acertado o movimento final, o Allegro Vivace – não o inicial, o Fiat, pois este, Andante, acertou em cheio – não haveria necessidade dos Dez Mandamentos, insinuados no versos da estrofe aí de cima.

Bem, Adê, levei outra cotovelada, já não pelo que disse o poeta, mas agora pelo que disse eu. Não sei se contribui com suas dúvidas, que, espero, só tenham aumentado com este meu artigo, santo em ironia e dolorido nas costelas, às quais talvez uma falte, a não ser que Adão não seja mesmo mãe de Eva, do que sempre desconfiei por princípio filosófico cético, que se bem não faz, nunca soube que mal fizesse. De todo modo, não sou a pessoa mais bem informada do mundo.

FONTE: Vinicius de Moraes. Antologia Poética. Companhia das Letras, 2009.





segunda-feira, 12 de abril de 2010

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto


Morte e Vida Severina é a mais conhecida obra de João Cabral de Melo Neto e, embora esta edição receba o título dessa importante obra, ela reúne na verdade além do texto do poema dramático: um prefácio bastante elucidativo e orientador ("Arte de ver e de dizer", de Bráulio Tavares); as obras: O Rio (poemas, 1953), Paisagem com Figuras (poemas, 1954-1955), Morte e Vida Severina (teatro/auto de natal, 1954-1955), Uma Faca Só Lâmina (poemas, 1955); e os apêndices: “Cronologia”, “Bibliografia do Autor”, “Bibliografia Selecionada sobre o Autor”, “Índice de “Títulos e “Índice de Primeiros Versos”, para facilitar a consulta.

Na obra que dá título ao volume, Severino, em sua jornada rumo ao litoral de Pernambuco em busca de melhores condições de vida, se apresenta ao leitor e o põe em contato com a linguagem nordestina e com a paisagem humana e social devastada pela miséria.

Sua atitude frente aos percalços é de enfrentamento, e as falas que se alternam em versos rimados e em ritmo hipnótico incitam no leitor o desejo de acompanhar a jornada, na qual vida e morte, resistência e injustiça social se imbricam num só labirinto de linguagem e de experiências humanas:

“– A quem estais carregando,
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede?
– A um defunto de nada,
Irmão das almas,
que há muitas horas viaja
a sua morada.
– E sabeis quem era ele,
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama
ou se chamava?
– Severino Lavrador,
Irmão das almas,
Severino Lavrador,
mas já não lavra.
(...)
– E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
– Até que não foi morrida,
irmão das almas,
essa foi morte matada,
numa emboscada.”

Em 1965, o poema foi musicado por Chico Buarque de Hollanda, então estudante universitário, sem o consentimento prévio do autor – segundo depoimento do próprio músico. Porém, o autor curvou-se à repercussão da peça que, musicada passou a ser encenada por todo o país, por grupos profissionais e estudantis, anos após ano.

Informações sobre o poema e sobre a peça musicada podem ser encontradas em abundância na internet. Estudar esse material e encenar a peça na escola constitui um verdadeiro banho de imersão na cultura, no teatro e na melhor poesia de língua portuguesa. Quem topa, levanta a mão.

FONTE: Melo Neto, João Cabral de. Morte e Vida Severina. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2007.

Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século

Italo Moriconi, organizador

Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século é uma antologia de poemas brasileiros do século XX em que comparecem os mais representativos poetas do período.

Embora o termo “melhores” necessite ser relativizado, porque estabelece um juízo muito questionável de hierarquia entre poemas de um mesmo autor e entre escritores, a seleção é inegavelmente representativa e oferece ao leitor um boa amostragem da poesia brasileira no século XX .

Na Introdução, o organizador esclarece os critérios que adotou para a seleção e disposição dos textos no volume, bem como o esforço de pesquisa realizado. Nessa introdução o leitor tem notícia de quão complexos são os caminhos e de quantos riscos envolvem aquele que se dispõe a organizar uma antologia, da difícil articulação entre a história da literatura e a crítica, passando pelo domínio da produção individual de cada autor, até os insondáveis mecanismos do sucesso literário, que enredam leitores e escritores nas teias insondáveis do mercado editorial.

Dividida em quatro partes, esta antologia segue critério cronológico e agrupa os textos a partir de linhas de força consideradas relevantes pelo organizador. Assim, “Primeira Parte – Abaixo os Puristas” é dedica à geração modernista de 1922 e à produção que girou em torno dessa estética profundamente criativa e iconoclasta.

A “Segunda Parte – Educação Sentimental” reúne textos que, a rigor, correspondem à chamada Geração de 30 na poesia. A presença de autores identificados com períodos anteriores deve-se ao fato de que o texto selecionado ajusta-se à identidade dessa fase da produção poética brasileira.

A “Terceira Parte – O Cânone Brasileiro” tem como núcleo o que se convencionou chamar de Geração de 45. O autor engloba nesse período a produção que vai até a década de 1960, e não deixa de surpreender que essa parte seja encerrada com trecho do Poema Sujo, de Ferreira Gullar, escrito em 1975 e publicado somente no ano seguinte.

A “Quarta Parte – Fragmentos de um Discurso Vertiginoso” corresponde à produção poética brasileira a partir da década de 1960, com suas dissensões, agrupamentos e polêmicas.
Além da oportunidade de ler belíssimos textos, o leitor tem a oportunidade de comparar a organização da antologia com os critérios adotados pelo organizador.

Se tivesse que escolher poemas para escrever em seu caderno ou para guardar em seu arquivo digital, como o leitor procederia? Que critérios adotaria? Que autores ou poemas ficariam de fora? Quais seriam selecionados e de que maneira seriam organizados?

FONTE: Moriconi, Italo. Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001.


LANÇAMENTO
Era uma vez no meu Bairro
ZONA NORTE – Nova Edição
ZONA LESTE – Inédito
Dia 18 de outubro de 2011
19:30h
Livraria do Espaço Unibanco de Cinema da Rua Augusta
SÃO PAULO - SP

Antologia Poética, de Vinicius de Moraes

A poesia profundamente sensível e humanista de Vinicius de Moraes encontra-se representada com dignidade nesta edição de bolso que chega às mãos do leitor com uma bonita foto do autor na capa e com páginas em papel Pólen.

Esta Antologia Poética de Vinicius de Moraes em formato de bolso se baseia na mesma publicada também pela mesma editora em 1990, a qual deriva da seleção realizada pelo próprio autor em 1967 para a editora Jose Olympio. Reúne um amplo panorama da produção do poeta até a data.

Os poemas podem ser lidos em ordem aleatória, sem qualquer contraindicação, porém, se o leitor optar pela leitura linear, observará – uma vez que a organização da obra é cronológica – não uma evolução linear e harmônica no tempo, mas uma trajetória fortemente marcada por dramas individuais e coletivos que, ao afetar a sensibilidade do poeta, implicaram em radical ruptura, com significativas alterações nos planos temático e de linguagem.

Ao longo dessa obra, o poeta se vai desprendendo de um idealismo inicial (em que a morte, a culpa, a dor individual ocupam o centro ideológico dos poemas, elaborados no tecido de uma linguagem soturna e algo complexa) até atingir, ao final da obra, em linguagem direta e clara, a temática social e participante.

Coerente com a “Advertência” que faz a título de prefácio, o autor organizou a coletânea de forma a que o leitor observe sua luta com e pela linguagem, concomitantemente com sua luta em busca de compreender melhor o indivíduo e seus conflitos e o mundo dividido em classes – e suas guerras.

Embora o autor demonstre clara preferência pela produção mais recente, o leitor não se deve deixar iludir com as palavras dessa “Advertência”, pois se o autor desprezasse de fato os poemas reunidos no que chama de primeira parte, simplesmente não os teria publicado na Antologia.

Em que pese a evidente mudança de perspectiva entre os poemas da primeira e os da segunda parte dessa obra, o lirismo, a sensibilidade, o humanismo, a experiência filtrada pela subjetividade, o trabalho refinado com as palavras, verdadeiro virtuosismo de linguagem, são observáveis em ambos.

A título de ilustração, vejamos dois trechos de poemas, um da primeira parte:

“Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside neste mundo.

Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados – sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!”
(“Elegia desesperada”)

E outro da segunda parte da obra:

“Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar,que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento
Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.”

(“Mensagem à Poesia”)

Assim, o leitor não deve levar à risca as palavras da “Advertência”, pois há poemas belíssimos em ambas as partes da obra.

Tirará maior prazer o leitor, aliás, se comparar os poemas da primeira com os da segunda parte, atividade que terá como resultado, sem dúvida, o reconhecimento de que – a despeito da revolução ideológica sofrida e assumida pelo autor – se está, inequivocamente, diante de um mesmo íntegro, fraterno, humano, apaixonado e genial Vinicius de Moraes.

FONTE: Moraes, Vinicius de. Antologia Poética. São Paulo, Ed. Cia. Das Letras, 2009.

Nova Antologia Poética, de Mário Quintana

Esta Nova Antologia Poética de Mário Quintana, comemorativa de seu centenário (1906-2006), reúne poemas representativos da obra do poeta cuja importância vai sendo crescentemente conhecida pelo público mais amplo e reconhecida pela crítica especializada.

O humor de Mário Quintana, inteligente no sentido e sutil na linguagem, é sempre a primeira mensagem a chegar ao leitor. Com palavras aparentemente despretensiosas, o poeta urde em exíguos espaços de poemas curtos verdadeiras máximas filosófico-irônicas, como neste “Poeminho do Contra”:

Todos esses que aí estãoAtravancando meu caminho,Eles passarão...Eu passarinho!”

Porém, nem só de humor é feito Quintana. Sua poesia é de grande diversidade. Se sua forma de abordar temas insalubres prefere, por vezes mas nem sempre, a tirada irônica ou mesmo sarcástica, na abordagem do sentimento de amor, por exemplo, sua abordagem é suave, avessa à pieguice e de um lirismo muito particular, senão profundamente comovente:

"Canção do amor imprevisto

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender nada,
[numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!”


Os poemas de Quintana têm sempre um susto ou um estranhamento embutido. Se nos poemas curtos essa sensação atordoa o leitor de chofre, como um boneco de mola que salta da caixinha de surpresas, nos poemas mais extensos essa sensação vai sendo preparada com requintes de mágico ilusionista, de modo a que o leitor, ao atingir o ponto final do texto, veja surgir diante de si, como em passe de mágica, uma imagem inusitada.

Não por acaso, entre seus livros mais famosos estão O Aprendiz de Feiticeiro, Espelho Mágico e Baú de Espantos. Mário Quintana explora as possibilidades lúdicas e mágicas das palavras e seus efeitos encantatórios, hipnóticos e mesmo oníricos:

“Noturno

Nem tudo está
Mudando:
Durante o sono
O passado
Em cada esquina põe um daqueles antigos lampiões
E os autos, minha filha, esses ainda nem forma inventados...
Só essa velha carruagem rodando rodando.
Sobre as pedras irregulares do calçamento.”

Comparar os poemas curtos com os poemas mais extensos de Quintana presentes nesta Antologia é buscar compreender um poeta que abordou temas comuns ao homem do século XX por meio de uma linguagem incomum.

FONTE: Quintana, Mário. Nova Antologia Poética. 12 ed. São Paulo, Ed. Globo, 2007.

Antologia Poética, de Manuel Bandeira

Antologia Poética é uma reconhecida obra de Manuel Bandeira. Organizada pelo próprio autor em 1961, reúne, a seu critério, poemas representativos dos livros: A Cinza das Horas, Carnaval, O Ritmo Dissoluto, Libertinagem, Estrela da Manhã, Lira dos Cinquent'anos, Belo Belo, Opus 10, Estrela da Tarde, Poemas Traduzidos e Mafuá do Malungo.

Poeta de cultura erudita, tradutor de inúmeras obras para o português e crítico de arte, Bandeira foi acolhendo em sua linguagem poética uma simplicidade tão meticulosamente estudada que seus poemas falam com igual impacto a públicos diversos.

Seja o leitor iniciante, seja o leitor experimentado, ambos encantam-se com seus poemas; quer o leitor ocasional, quer o leitor contumaz de suas obras, ambos se comovem com seus inesperados arranjos poéticos que, sob a aparência de brincadeira, destilam a crítica, como no poema “Os sapos”:

“Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi à guerra!”
- “Não foi! – “Foi!” – Não foi!”
;

Seu lirismo veste-se de inocência com feitio melancólico e pleno de ambiguidades, como no outro poema “Porquinho-da-índia”:

“Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!

Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”

A linguagem direta e simples empregada pelo poeta não deve iludir o leitor quanto à natureza enigmática de seus poemas. A voz do sapo, no primeiro, é uma crítica ácida cujo endereço cabe ao leitor desvelar, tanto quanto não é, no segundo, despretensiosa a observação do verso final – ilustrativa de uma sensação de frustração que se estende no tempo.

Descobrir o que há por sob a linguagem aparentemente franca de Manuel Bandeira é um exercício prazeroso, uma vez que essa “franqueza” dá “dicas” de muitas ambiguidades que, exploradas, revelam surpreendentes sentidos subjacentes.

É lógico que esse exercício fica mais rico se o leitor mais experiente recorrer à fortuna crítica da obra do poeta, porém, não há dúvida que os dois poemas em destaque, por exemplo, poderiam ser oferecidos a uma criança que, estimulada por perguntas bem feitas, teria muito a dizer sobre esses “sapos” e sobre esse bichinho de estimação que não dá bola a quem tanto o ama...

FONTE: Bandeira, Manuel. Antologia Poética. 12 ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 2001.

Antologia Poética, de Cecília Meireles

Esta Antologia Poética de Cecília Meireles, organizada em primeira edição em 1963, um ano antes da morte da autora, é uma de suas obras de maior circulação. Reúne poemas dos livros Viagem, Vaga Música, Mar Absoluto, Elegia 1933-1937, Retrato Natural, Amor de Leonoreta, Doze Noturnos da Holanda, O Aeronauta, Romanceiro da Inconfidência, Pequeno Oratório de Santa Clara, Canções, Metal Rosicler, Poemas Escritos na Índia – e alguns poemas inéditos à altura da publicação da primeira edição.

No momento em que os poetas brasileiros reuniam-se em grupos mais ou menos incendiários e ou desafiavam a linguagem culta, ou realizavam experiências inusitadas de linguagem, ou partiam sarcasticamente para a blague, Cecília Meireles trilhou um caminho próprio, muitíssimo pessoal, e cultivou uma poesia em linguagem culta que não encontra similar nas literaturas de língua portuguesa.
O vocabulário sutil e requintado, a sintaxe exata do ponto de vista erudito, e o ritmo delicado de seus poemas sintonizam seus poemas em um ponto privilegiado da língua portuguesa em que Brasil e Portugal se aproximam sem animosidades e com grande afinidade.

Assim, seu lirismo sensível e transatlântico, acolhido com igual reverência no Brasil e em Portugal, dá voz não apenas a um modo particularmente feminino de ver o mundo, mas a uma forma de pensar poeticamente a vida dos indivíduos, tão cheia de desencontros sentimentais, sociais e históricos.

Em seus poemas têm lugar, com igual relevo, o desencanto amoroso:

“O pensamento é triste: o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.”

E a revolta contra a injustiça:

“Já se ouve cantar o negro,
chora neblina, a alvorada.
Pedra miúda não vale:
liberdade é pedra grada...
(A terra toda mexida,
a água toda virada...
Deus do céu, como é possível
penar tanto e não ter nada!)."

O contato com a poesia de Cecília Meireles confere ao leitor a oportunidade de experimentar sutilezas de pensamento, de sentimento e de linguagem. Cada poema é face de um mesmo prisma, a refletir matizes ou a decompor em cores essenciais a luz de um mesmo facho: a língua portuguesa renovada em sua tradição.

A estima da poesia de Cecília Meireles entre seus contemporâneos é tal que vários deles lhe dedicaram belos poemas, entre os quais Vinicius de Moraes, Mário Quintana e Manuel Bandeira – mas não foram os únicos.

Que tal descobrir “quem” disse “o que” sobre Cecília? A internet é uma ferramenta providencial para isso: é só digitar o nome da poeta e de outro escritor em um site buscador e uma lista surgirá para consulta.

Agora, localizado o texto na internet, o melhor a fazer é ir à fonte bibliográfica em que ele se encontra: o livro. Ele é essencial e tem algumas vantagens sobre a web: se cair das mãos, não se destrói em mil pedaços e não depende de energia elétrica nem de bateria para funcionar – ou melhor, só necessita uma bateria: o coração do leitor.

FONTE: Meireles, Cecília. Antologia Poética. 3 ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 2001.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Poesia na Escola, do Jeosafá




Dia 1o. de dezembro a Editora Biruta lançará uma coleção minha sobre a presença da poesia na escola (três volumes). Vai ser na Livraria da Vila, em São Paulo, na r. Fradique Coutinho, 915, a partir da 19,30h. Haverá debate sobre os assassinatos contra a poesia na escola e sobre as possibilidades de nessa mesma escola a poesia brotar, crescer dar flores e frutos. Depois do debate, o tradicional vinho, a tradicional conversa fiada da boa e autógrafos. A seguir, um trecho do texto que introduz um dos volumes.

Vamos iniciar nossa jornada pelas terras arrasadas da poesia com uma pergunta: por que ela, ao menos no Brasil, ocupa espaços cada vez mais reduzidos nas estantes das livrarias? Essa pergunta simples e direta só pode ter uma resposta igualmente simples e direta: porque a poesia tem cada vez menos leitores, obviamente. A pergunta é descabida? Não. A resposta é descabelada? Igualmente não.

A pergunta parte de uma constatação tão óbvia que a mais ligeira passada de olhos pelas estantes de qualquer livraria do Brasil basta para confirmar. Quer ver? Então vamos lá: direto à livraria do seu bairro. Bem, é quase certo que seu bairro não tem uma única livraria sequer. Então, está bem, então direto ao centro comercial mais próximo. Porém é quase certo que uma livraria, livraria mesmo, não exista. Talvez uma papelaria que venda livros, eventualmente uma banca de jornal... Então vamos fazer o seguinte: direto ao shopping center mais próximo, ainda que ele fique longe do bairro e mesmo fora do município, ou direto a uma rodoviária ou aeroporto... Satisfeita a curiosidade?

Se não é fácil encontrar sequer uma livraria, que dizer então da situação da poesia, cuja situação, exposta pela pergunta logo acima, é tão desalentadora quanto verdadeira?

Por que tão pouca gente se interessa por ela? A coitada está num miserê tal que, se morresse, seu enterro seria exatamente igual ao daqueles pobres andarilhos que tombam exangues pelas ruas das grandes cidades ou pelas beiradas das rodovias deste país imenso: uma viatura, sem maiores alardes, para não chamar a atenção dos transeuntes, apanharia o corpo serenado e mal coberto pelos andrajos úmidos da noite, e o levaria para o lugar nenhum. Ninguém para olhar a cena. Ninguém para ficar com os olhos úmidos e um ponto de exclamação, ou de interrogação, espetado no alto da cabeça, a observar o carro sumir na distância, com sua carga frágil, na poeira ou no mormaço deformante do asfalto.

Exagero? Quantos livros de poemas você tem em sua biblioteca? Aliás, você tem uma biblioteca em sua casa? Ao menos umas poucas estantes de livros?

Sejam quais forem as respostas a essas inquietantes perguntas, a pertinência delas é já um problemão não acha? E essa pertinência se deve a outra constatação óbvia: as pessoas, no Brasil, cultivam exiguamente o hábito da leitura, do que decorre o pouco interesse em ajeitar os livros no espaço muitas vezes apertado da residência. Daí, esses incômodos objetos acabam sendo deslocados de um canto a outro até encontrarem uma caixa de papelão perfeita, no interior da qual serão depositados e esquecidos até criarem bolor e não prestarem para mais nada.

Então é melhor deixar as coisas do jeito que estão, senão podem piorar, não é mesmo? Não, não é. Assim como as histórias não morrem nos livros que mofaram por descuido, as pessoas podem ser mobilizadas para que atribuam valor ao que muitas vezes, por falta de alerta, de insistência ou de jeito, ficou latente, mas não extinto: o prazer de ler.

Então vamos recapitular: livros de poesia faltam nas livrarias porque faltam leitores para elas. Esses leitores são os mesmos que reservam pouco espaço em suas casas, e em suas vidas, para a leitura. Nesse caso, a carência de leitores de poesia só pode ser entendida como uma, no âmbito de um conjunto de carências ainda mais amplas.

Porém, o assunto aqui não é o das carências mais amplas. O assunto aqui é o da carência talvez mais aguda da literatura. Há a penúria do teatro... Mas a penúria do teatro não é nada perto da penúria da poesia. Não é preciso nem estabelecer concorrência entre os dois para saber quem é mais pobre, mais sem posses, mais jogado à beira do caminho. Então, não vamos perder tempo com comparações equívocas entres irmãos deserdados, um a dormir sob pontes e outro a dormir sob marquises de prédios arruinados.

O conto e a crônica, quem não sabe que as editoras publicam muitíssimo mais do que a poesia? O romance então... esse é barão, perto dos outros, muito embora seja assassinado todos os dias nas escolas do país por "leituras" obrigatórias que, a pretexto de educar por meio de provas atávicas e de trabalhos desprovidos de bom senso, só não causam mais danos ao prazer de ler porque simplesmente o extinguem no nascedouro – o coração do estudante.

Mas uma coisa tem de se admitir: não há uma única pessoa no país que não fique com pena da situação da coitada poesia.

A situação da poesia é mesmo de comover um coração de pedra, de congelar o sangue nas veias, de arrasar nervos de aço e outras metáforas e hipérboles descabeladas mais.

E se Júlio Verne achou ter feito uma alegoria definitiva da situação da poesia, em seu Paris no Século XX, ao enviar seu personagem-poeta ao final do romance a um passeio desolador no cemitério, é porque sequer imaginou os efeitos que poderia ter extraído do romance caso situasse suas lúgubres previsões no Brasil de inícios do século XXI.

Com o que disse até aqui com a necessária dose de exagero de linguagem, espero ter convencido essa decisiva pessoa chamada "você" da necessidade de irmos todos para o front em defesa das barricadas da poesia. Então, como bárbaros, como um exército de brancaleones, vamos tomar de assalto as estantes de livrarias e bibliotecas, empurrando para fora de nossas fronteiras os livros de outros gêneros. Não se pode ter piedade neste momento.

Livros de auto-ajuda, vocês têm suas razões ou desrazões de ser, mas, com o perdão do mau jeito, cheguem para lá; livros de culinária, vocês são deliciosos, mas as hordas da poesia vão invadir estas prateleiras: se mandem para o andar debaixo ou de cima; obras de economia-política, de física nuclear, de vida e obra de grandes artistas do cinema, vocês são totalmente demais, porém: batam em retirada, que os volumes de Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Cecília Meireles, Florbela Espanca, Haroldo de Campos, Leminski e novos poetas, entre outros, enlouqueceram e, como vikings, partem em desabalada correria para retomar o espaço perdido.

Como já disseram outros, noutros termos, a propósito de outras causas consideradas justas, queimando atrás de si as pontes de retirada, lancemos nosso grito de guerra: Avante, companheiros:

 

Hasta la victoria siempre!