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segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Casa de Bernarda Alba, de García Lorca

A Casa de Bernarda Alba é o único texto em prosa que Federico Garcia Lorca escreveu para teatro. É também uma espécie de canto de cisne do poeta, que pouco depois se tornaria vítima inocente da ditadura franquista que tanto abominou.

Nessa peça, Bernarda Alba exerce um poder tirânico sobre as filhas. Estas, submetidas a uma lógica autoritária voltada a um passado morto e a um moralismo sufocante, são como que cozidas na panela de pressão em que a casa foi transformada pela viuvez, em segundo matrimônio, da matriarca, que decreta um luto de oito anos a todas e aspira a um total controle da vida das filhas:

Pôncia: Como sujaram o chão!

Bernarda: Parece que uma manada de cabras passou por aqui. (Pôncia limpa o chão.) Filha, me dê um leque.

Adela: (Adela lhe dá um leque com flores vermelhas e verdes).

Bernarda: (Arremessando o leque ao chão) É um desse que se dá a uma viúva? Dê-me um leque negro e aprende a respeitar o luto de teu pai.

Martírio: Toma o meu.

Bernarda: E você?

Martírio: Não tenho calor.

Bernarda: Busca outro, pois vai fazer falta. Nos oito anos que durar o luto, não entrará nesta casa a brisa da rua. Faz de conta que tapamos com tijolos as portas e janelas. Foi assim na casa de meu pai e na casa de meu avô. Enquanto isso, comecem a bordar o enxoval. Na arca tenho vinte peças de linho com as quais podem cortar lençóis e mantos. Madalena pode bordá-los.”

Porém, em uma panela de pressão só se pode esperar que tudo se cozinhe mais rápido e a temperaturas superiores.

A mãe, acreditando ter o controle total do que se passa na casa não toma conhecimento do drama amoroso clandestino que se desenrola sob seu nariz, e cujo desfecho se revelará profundamente trágico.

A linguagem expressiva acrescenta carga emocional aos diálogos já bastante carregados de tensões, estas, decorrência direta das imposições da matriarca e de seu papel declarado de miliciana da repressão sexual.

Não apenas pelo valor artístico, político e histórico da peça, mas também pela atualidade do tema de que trata, a sexualidade feminina, o texto merece ser estudado, encenado e debatico na escola.

Com certeza isso suscitará vivo debate e acrescentará vitalidade ao cotidiano escolar que, quanto mais vivo e dinâmico, mais produtivo e cativante – para alunos e professores.

FONTE: Lorca, Federico. A Casa de Bernarda Alba. Trad. Marcus Mota. São Paulo, Ed. UnB; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000.

Seleta em Prosa e Verso, de Ariano Suassuna


Silviano Santiago, organizador

Esta Seleta em Prosa e Verso de Ariano Suassuna reúne textos bastante representativos da obra do autor. Organizada por Silviano Santiago – outro importante escritor, teórico e crítico brasileiro –, que abre o livro com um breve mas significativo artigo sobre a obra do autor, o volume oferece um bom panorama da produção desse que é um dos mais versáteis, inventivos e produtivos autores da literatura brasileira.

A obra está divida em quatro partes: “Teatro”, “Poesia”, “Ficção” e “Depoimento”, no qual o próprio Ariano Suassuna discorre sobre as fontes populares de sua pesquisa estética.

Ariano Suassuna tem uma extensa obra e, portanto, esta seleta é uma amostra que convida o leitor a frequentar as páginas dos livros-fonte. Porém é um convite sedutor, uma vez que os excertos selecionados por Silviano Santiago são, além de representativos, de grande beleza. Vejamos um, a título de exemplo:


“Aqui, morava um Rei, quando eu menino

vestia ouro e castanho no Gibão.
Pedra da sorte sobre o meu Destino,
pulsava, junto ao meu, seu Coração.

Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava, com voz rouca, o Desatino,
o sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu Pai. Desde esse dia
eu me vi como um Cego, sem meu Guia,
que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,
ele a Brasa que impele o Fogo, acesa,
espada de Ouro em Pasto ensanguentado.”


A linguagem de Suassuna, seja no teatro, seja na poesia, seja na ficção, tem um indisfarçável arranjo poético que encanta enquanto conta. As sagas do sertão e de personagens populares estão representadas não apenas em enredos cheios de símbolos e alegorias, mas com igual ênfase em linguagem sofisticada, cujo ritmo e música suscitam, pelo embalo da audição, imagens e vestígios de passados míticos e místicos, afundados no tempo, que evocam aventuras e heroísmos da Idade Média, tão presentes na tradição popular no Nordeste.

O Auto da Compadecida, talvez a obra mais conhecida do autor, adaptado por Guel Arraes, com um elenco de grande gabarito (Fernanda Montenegro, Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Maurício Gonçalves, Lima Duarte, Rogério Cardoso, Virginia Cavendish, Paulo Goulart, Antônio Morais, Denise Fraga, Diogo Vilela, Luís Melo, Bruno Garcia, Marco Nanini, Aramis Trindade entre outros de igual prestígio e relevância) foi sucesso nas telas do cinema e é sucesso até hoje nas telas da televisão.

Assistir ao filme é uma boa pedida para a realização de trabalhos em sala de aula que ousem enfrentar a rotina e incorporar a interpretação oral ou a montagem cênica, ainda que seja somente de trechos escolhidos – o que não é atividade de menor importância.

Porém a primeira filmagem é de 1969, na qual o próprio Suassuna participou na elaboração do roteiro:



A Compadecida é um filme brasileiro de 1969, do gênero comédia, dirigido por George Jonas e roteiro de Ariano Suassuna e George Jonas, baseado na premiada peça de Ariano Suassuna, A Compadecida. Foi gravado em Brejo da Madre de Deus, em Pernambuco. Fonte: Wikipedia.

Os textos presentes nesta antologia têm vocação oral e cênica e, com certeza, os estudantes teriam um contato mais amplo e aprofundado com eles se tivessem a oportunidades de experimentá-los oral e coletivamente, a partir de técnicas teatrais e de leitura expressiva. 

FONTE: Suassuna, Ariano. Seleta em Prosa e Verso. Org. Silviano Santiago. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 2007.

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto


Morte e Vida Severina é a mais conhecida obra de João Cabral de Melo Neto e, embora esta edição receba o título dessa importante obra, ela reúne na verdade além do texto do poema dramático: um prefácio bastante elucidativo e orientador ("Arte de ver e de dizer", de Bráulio Tavares); as obras: O Rio (poemas, 1953), Paisagem com Figuras (poemas, 1954-1955), Morte e Vida Severina (teatro/auto de natal, 1954-1955), Uma Faca Só Lâmina (poemas, 1955); e os apêndices: “Cronologia”, “Bibliografia do Autor”, “Bibliografia Selecionada sobre o Autor”, “Índice de “Títulos e “Índice de Primeiros Versos”, para facilitar a consulta.

Na obra que dá título ao volume, Severino, em sua jornada rumo ao litoral de Pernambuco em busca de melhores condições de vida, se apresenta ao leitor e o põe em contato com a linguagem nordestina e com a paisagem humana e social devastada pela miséria.

Sua atitude frente aos percalços é de enfrentamento, e as falas que se alternam em versos rimados e em ritmo hipnótico incitam no leitor o desejo de acompanhar a jornada, na qual vida e morte, resistência e injustiça social se imbricam num só labirinto de linguagem e de experiências humanas:

“– A quem estais carregando,
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede?
– A um defunto de nada,
Irmão das almas,
que há muitas horas viaja
a sua morada.
– E sabeis quem era ele,
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama
ou se chamava?
– Severino Lavrador,
Irmão das almas,
Severino Lavrador,
mas já não lavra.
(...)
– E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
– Até que não foi morrida,
irmão das almas,
essa foi morte matada,
numa emboscada.”

Em 1965, o poema foi musicado por Chico Buarque de Hollanda, então estudante universitário, sem o consentimento prévio do autor – segundo depoimento do próprio músico. Porém, o autor curvou-se à repercussão da peça que, musicada passou a ser encenada por todo o país, por grupos profissionais e estudantis, anos após ano.

Informações sobre o poema e sobre a peça musicada podem ser encontradas em abundância na internet. Estudar esse material e encenar a peça na escola constitui um verdadeiro banho de imersão na cultura, no teatro e na melhor poesia de língua portuguesa. Quem topa, levanta a mão.

FONTE: Melo Neto, João Cabral de. Morte e Vida Severina. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2007.

O Santo Inquérito, de Dias Gomes


Branca Dias é uma bela jovem, respeitadora da família, sincera em sua fé em Deus e será queimada na fogueira em 1750, por ordem do Tribunal da Santa Inquisição, a partir da acusação formulada pelo Padre Bernardo que, salvo de afogamento pela jovem, tem sua fé abalada pela libido que a mesma jovem lhe desperta.

A ingenuidade da jovem em relação aos sentimentos do padre e sua ignorância acerca das origens judaicas da família a levarão, como uma borboleta indefesa, à teia de aranha em que se entrecruzam o recalque sexual do padre Bernardo e os interesses da Igreja, naquele período profundamente ligados ao do Estado.

Nada que disser livrará a jovem da teia mortífera em que se enredou por distração quando salvou o padre do afogamento. Ao contrário disso, cada frase por ela emitida em sua defesa será interpretada pelo “homem” Bernardo como em menoscabo de sua atração – por isso convertida em ciúme tormentoso – e pelo “padre” Bernardo como manifestação herética:

Padre: você me estendeu a mão uma vez e me salvou a vida; agora é a minha vez de retribuir com o mesmo gesto.

Branca: Mas eu não estou em perigo, padre.

Padre: Toda criatura humana está em permanente perigo, Branca. Lembre-se de que Deus nos fez de matéria frágil e deformável. Ele nos moldou em argila, a mesma argila de que são feitos os cântaros, que sempre um dia se partem.

Branca (Ri): Tenho um cântaro que meus avós trouxeram de Portugal. Durou três gerações e até hoje não se partiu.

Padre: Naturalmente porque sempre teve mãos cuidadosas a lidar com ele e a protegê-lo. Queria que você me permitisse protegê-la também, defendê-la também, porque é uma criatura tão frágil e tão preciosa como esse cântaro.

Branca: Eu lhe agradeço. Mas não acho que mereça tantos cuidados de sua parte. Sou uma criatura pequenina e fraca, sim, mas não me sinto cercada de perigos e tentações.

Padre: A segurança com que você diz isso já é, em si, um perigo. Prova que você ignora as tentações que a cercam.”

A peça leva para as luzes do palco três dramas humanos muito atuais, a pretexto de um evento ocorrido no século XVIII: o do homem que, privado do amor e do sexo pela religião, torce por meio da retórica os fatos para seus próprios interesses; o da estigmatização e da perseguição de uma fé religiosa por outra associada ao Estado; e o da violência extrema contra a mulher.

Diante do leitor do texto ou do expectador da peça, o drama de Branca Dias evolui como uma procissão de pesadelo: a jovem é boa e generosa, defende-se com sinceridade, mas caminha celeremente para a fogueira, que vai sendo armada e alimentada pela mágoa pessoal de um homem, cujo sentimento ferido aciona cordões do poder, e pela hipocrisia do Tribunal da Inquisição, que necessita de fogueiras esporádicas para justificar sua existência.

Se o texto da peça possibilita o estabelecimento de ricas relações entre literatura, história e política, a montagem dela na escola permite que se vislumbre em cena três importantes temas sociais, bastante em voga nos dias de hoje: a sexualidade humana, a intolerância religiosa e o papel da mulher na família, na sociedade e no mundo do trabalho.

Outra atividade interessantíssima seria comparar o texto e a eventual montagem dessa peça com outra do mesmo autor: O Pagador de Promessas. Quais pontos de contato há entre elas? Quais diferenças? Que temas abordam e que dramas põem em cena?

Após realizar trabalhos de leitura e cênico com esse texto de Dias Gomes, seria interessante observar o comportamento dos estudantes e seu interesse nos estudos.

FONTE: Gomes, Dias. O Santo Inquérito. 26 ed. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 2009.

O Pagador de Promessas, de Dias Gomes


Escrita em 1959, O Pagador de Promessas, tão logo encenada, recebeu ampla acolhida do público e da crítica teatral, que identificou nela uma obra-prima de Dias Gomes e do teatro brasileiro.

No texto dessa peça, personagens, enredo, cenas e diálogos articulam-se de forma enxuta, como se fossem engrenagens de um preciso relógio que, impulsionado pela linguagem popular, tratada com plasticidade e sem concessões ao populismo, empurra Zé do Burro para seu destino trágico.
O próprio dramaturgo, na “Nota do Autor”, constante desta edição, afirma:

“O homem, no sistema capitalista, é um ser em luta contra uma engrenagem social que promove a sua desintegração, ao mesmo tempo que aparenta e declara agir em defesa de sua liberdade individual. Para adaptar-se a essa engrenagem, o indivíduo concede levianamente, ou abdica por completo de si mesmo. O Pagador de Promessas é a estória de um homem que não quis conceder – e foi destruído.”

Ambientada na Bahia, o enredo da peça flagra, já na primeira cena, Zé do Burro e Rosa, sua mulher, diante da igreja em Salvador, na qual pretende pagar a promessa feita a Santa Bárbara em intenção de seu burro Nicolau, que se livrou da morte quando da queda de uma árvore.

O conflito colocará em campos opostos a forma ingênua, popular e sincrética da religiosidade de Zé do Burro e uma forma de religião institucionalizada, comprometida com as elites até as entranhas e eivada de preconceitos:

: Seu vigário me desculpe, mas eu tentei de tudo. Preto Zeferino é rezador afamado na minha zona: sarna de cachorro, bicheira de animal, peste de gado, tudo isso ele cura com duas rezas e três rabiscos no chão. Todo mundo diz. E eu mesmo, uma vez, estava com uma dor de cabeça danada, que não havia meio de passar. Chamei Preto Zeferino, ele disse que eu estava com o Sol dentro da cabeça. Botou uma toalha na minha testa, derramou uma garrafa d’água, rezou uma oração, o Sol saiu e eu fiquei bom.
: Do demo, não senhor.

Padre: Você fez mal, meu filho. Essas rezas são orações do demo.

Padre: Do demo, sim. Você não soube distinguir o bem do mal. Todo homem é assim. Vive atrás do milagre em vez de viver atrás de Deus. E não sabe se caminha para o céu ou para o inferno.

: Para o Inferno? Como pode ser, padre, se a oração fala em Deus? (Recita) “Deus fez o sol, Deus fez a Luz, Deus fez toda a claridade do Universo grandioso. Com sua Graça eu te benzo, te curo. Vai-te, Sol, da cabeça desta criatura para as ondas do Mar Sagrado, com os santos poderes do Padre, do Filho e do Espírito Santo”. Depois rezou um padre-nosso e a dor de cabeça sumiu no mesmo instante.






Padre: Não é para curar, é para tentar. E você caiu em tentação.”

A adaptação da peça para o cinema, realizada por Anselmo Duarte e estrelada por Leonardo Villar e Glória Menezes, teve estrondoso sucesso junto ao público no Brasil e ampla repercussão internacional após a conquista da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1962.

Um desafio encantador para a escola seria, após ler o texto e assistir ao filme, encenar essa peça, integralmente ou na forma de adaptações, nas quais os alunos, a partir de sua própria experiência e criatividade, poderiam participar ativamente.

Com certeza, um professor, uma turma e uma escola que se envolvessem num trabalho como esse nunca mais seriam os mesmos.

FONTE: Gomes, Dias. O Pagador de Promessas. 50 ed. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 2009.
: Como feiticeiro, se a reza é pra curar?
Padre: Meu filho, esse homem era um feiticeiro.
Sacristão: Incrível!

Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri


Para falar sobre a peça, no “Prefácio” ao texto de Eles Não Usam Black-Tie, Delmiro Gonçalves dá voz ao próprio Gianfrancesco Garnieri :

“Aliás, habituado ao teatro, desde criança, quando acompanhava meus pais, não perdendo uma ópera das temporadas líricas, acostumei-me a tratá-lo como coisa doméstica, sem muita cerimônia. O gosto pelo teatro existia. Podia fazer ou não fazer teatro, pouco importava. Parecia-me que quando quisesse eu poderia fazer teatro, assim, à toa, como coisa natural.
Escrever peças de teatro foi a mesma coisa, assim à toa, sem querer. Escrevi Eles Não Usam Black-Tie rapidamente. Levantava-me à noite para escrever. E divertia-me muito com os personagens que surgiam, principalmente com Chiquinho. Fui o primeiro a chorar com o final do terceiro ato. E minha admiração por Romana foi sempre imensa.”


Escrita em 1955, quando o autor tinha apenas vinte e um anos de idade, essa peça, saudada desde o início como um marco do nosso teatro, põe frente a frente os valores gestados no interior de uma família proletária.

Impulsionados por uma greve operária num momento de ascensão de lutas populares, pai e filho se veem em campos opostos em razão da perspectiva de cada um. Porém, o papel conservador no conflito é desempenhado, como seria de se esperar, não pelo pai, mas pelo filho, cuja índole individualista o associa a uma perspectiva ideológica e política contrária à de sua família e de seus companheiros de trabalho.

Décio de Almeida Prado, ao abordar a peça – o texto também consta do Prefácio desta edição – chama a atenção para o humanismo idealista do pai e para a fantasia de ascensão social do filho, ambos, ao fim das contas, mergulhados em graus variados de ilusão. Mas alerta também para o papel central da mãe, Romana, cujo realismo lhe dá força, e à família, para enfrentar e vencer diariamente as provações da dura vida proletária.

Enquanto o pai, em seu engajamento político, encara a greve de um ponto de vista idealizado e moral (como deveriam ser as coisa e como não são), o filho, envolvido em indecisões pessoais – que no ambiente social se apresentam como vacilações de caráter –, considera o conflito na fábrica um risco em potencial a seus projetos.

Em meio às duas posturas, Romana, a mãe, fala – e age, pois se trata de teatro – com realismo ao marido:

Romana – Saiu o aumento?

Otávio – Que aumento! Sem greve não sai aumento!

Romana (reprendendo-o) – Otávio!...”

E fala com ironia ao filho, iludido por uma ilusória chance no cinema:

Romana – Minha filha, deixa esse Tirone Pover aí e me ajuda a levar esses pratos lá pra fora. O pessoal está chegando.

Otávio – Caçoa, caçoa que não te dou entrada de graça!”

A adaptação dessa peça para o cinema, realizada por Leon Hirszman, tornou-se um grande sucesso. Aproveitando as experiências de ascensão da luta por liberdades políticas no Brasil ao final da ditadura militar, o cineasta transpôs o conflito para a segunda metade década de 1970.

O elenco repleto de talentosos atores, do qual participa inclusive o próprio Gianfrancesco Guarnieri, no papel do pai, Otávio, conta com Fernanda Montenegro (Romana, a mãe), Bete Mendes (Maria, a noiva de Tião), Carlos Alberto Riccelli (Tião), Milton Gonçalves (Bráuli) entre outros.

No longa-metragem, com canções de Chico Buarque de Hollanda e Adoniran Barbosa, Tião e sua namorada, grávida, decidem casar-se, em meio a uma greve metalúrgica em São Paulo. Tião, a pretexto do casamento, fura a greve e entra em confronto com o pai, um velho militante que enfrentou a cadeia durante o regime militar.

Nesta feliz adaptação, o conflito representado na peça de Guarnieri ganha as telas e atinge o grande público. Embora as referências históricas tenham sido alteradas, as qualidades que conferiram ao drama teatral perenidade se preservam no filme. E com isso estabeleceu-se em relação à obra um paradoxo típico dos nossos tempos audiovisuais: toda uma nova geração passou a conhecer a obra pela adaptação cinematográfica, sem jamais ter tido acesso ao drama teatral.

Por isso, mais do que ler o texto da peça e assistir ao filme para compará-los, encenar uma peça como Eles não usam Black-Tie na escola ou montar em classe cenas dela extraídas é muito importante, pois permite o contato do estudante com um clássico de nosso teatro, por meio do qual se pode empreender um mergulho em profundidade na história do Brasil e nos dilemas de uma sociedade que, oscilando entre longos períodos de ditaduras e breves soluços de vida democrática, vive seu mais longo período de estabilidade política.

FONTE: Guarnieri, Gianfrancesco. Eles Não Usam Black-Tie. 21 ed. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 2009.