Todo aquele que busca auxílio a um psicanalista o faz premido por uma necessidade incontornável — às vezes e com frequência como último recurso — para superação de sofrimentos interiores em face dos quais se sente impotente e muitas vezes devastado. Isso ocorre porque os conflitos internos de menor complexidade o indivíduo enfrenta por seus próprios meios, só se dando conta da urgência de ajuda especializada quando se convence, quase sempre de maneira tardia, de que não recuperará seu equilíbrio emocional sem essa ajuda.
Porém, o psicanalista, consciente de seu próprio limite,
dado pelo ponto de análise em que ele mesmo se encontra junto a outro
psicanalista, é livre par aceitar a demanda, ou orientar o paciente a outro
colega em melhores condições, uma vez que o processo de transferência
analisando-analisado é posto em risco se o analista se depara com conflitos situados
além de seu próprio ponto de análise.
Isso ocorre porque o método psicanalista, ao buscar a busca
pela palavra, põe um sujeito em interação franca com outro, um com uma demanda,
outro com uma técnica, ambos envolvidos num mesmo processo cujo fim é a
resolução dos conflitos internos do demandante, mas cujo meio é propiciado pelo
demandado, que pode se sentir inteiramente apto para liderar o processo de
análise, mas que também está livre para, em dado momento, reencaminhar o
demandante a outro profissional.
A entrevista preliminar, sob esse ponto de vista, é
essencial, pois permite ao analista tanto realizar um diagnóstico tão preciso
quanto possível, quanto avaliar seu próprio papel em face da demanda solicitada
e do próprio demandante.
Uma vez aceita a demanda, o processo psicanalítico põe em
movimento não apenas os elementos apresentados pelo demandante, os quais
inevitavelmente são apenas resíduos, vestígios, fragmentos dos conflitos que
atormentam sua psique.
Se o elemento aparentemente detonador do sofrimento que
levou o demandante ao consultório se afigura a ele claro e inequívoco — tal
como uma perda de ente querido, uma separação dolorosa e inexorável, uma frustração
avassaladora —, a partir dessa declaração voluntária e livre, estimulando a
livre associação do próprio paciente, o analista trabalha com esse elemento no
mesmo nível de importância que os demais que forem surgindo a partir da fala do
próprio analisando, pois o demandante pode estar certo, parcialmente certo ou
simplesmente equivocado com relação à causa de seu sofrimento.
Num processo contínuo de transferência e
contratransferência, analista e analisando, ajustando sempre o idioma comum, aprofundam
a busca na psique das causas do sofrimento — que sempre são mais complexas do
que se afiguram na superfície da consciência. E, ainda que a intuição do
analista esteja correta, a técnica psicanalítica exige que ele ajude o
analisando a construir por si mesmo o caminho de sua cura, porque, nesse
sentido, a cura é exatamente essa construção íntima, essa estrutura psíquica que
jamais poderá ser alcançada do exterior, sendo, antes, fruto da elaboração do
próprio analisando.
A reconquista do equilíbrio emocional, da saúde psíquica,
assim, não é resultado de uma ação exclusiva, dirigida a um único ponto da
psique em que por ventura, aparentemente, um trauma se apresente, mas é um
processo integral de transformação do sujeito, em que as causas dos sofrimento
são buscadas ao mesmo tempo em que mecanismos de autoconhecimento são ativados
e estimulados para a reconfiguração da psique, reconfiguração que, caso bem-sucedida,
dá ensejo a uma psique saudável não porque uma “cicatriz” simbólica passa a
ocupar o lugar de um trauma, mas porque o trauma, descoberto, analisado,
elaborado e superado pelo próprio indivíduo, por mecanismo internos desenvolvidos
por ele mesmo, deixa de produzir seus efeitos perturbadores na psique.
Em certo sentido, talvez um dos principais objetivos do
método psicanalítico seja auxiliar o analisando a reconstituir seu Ego, que,
por alguma razão que o método busca elucidar, perdeu força em face do Id, do
Superego — ou de ambos.
Forçado a servir a dois senhores — Id e Superego —, o Ego,
tendo de se haver ainda com as demandas do mundo real, pode se fragilizar em
algum momento da vida — e, inevitavelmente, em algum momento se fragilizará,
mesmo, uma vez que, como a vida externa, a vida psíquica é dinâmica e está
sujeita a impactos imprevisíveis, muitos deles negativos e alguns, mesmo,
devastadores.
Ao longo de seu tempo de vida, o indivíduo está sujeito a frustrações
e perdas extremamente dolorosas — e quanto mais tempo viver, mais estará
exposto a essas experiências. Será inevitável que em algum momento sua saúde
psíquica seja afetada, particularmente nos tempos conturbados em que vivemos,
de conflitos de toda espécie e dimensões, que envolvem o conjunto da sociedade
e têm impacto direto no indivíduo, o tempo todo pressionado pelas instabilidades
econômicas e políticas, pelo fantasma do desemprego ou do insucesso
profissional, pela insegurança em relação ao amanhã ou ainda pelas crises
conjugais e familiares.
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