terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Transtorno de Ansiedade Generalizada


O Transtorno de Ansiedade Generalizada é considerado uma das principais afecções psíquicas de nossos conturbados tempos atuais, muitas vezes associado a formas depressão e fobias, o que dificulta em alguma medida o diagnóstico.

Os estudos demonstram que esse transtorno está relacionado diretamente às enormes pressões a que o indivíduo está sujeito desde os mais tenros anos de idade. A socialização das crianças já na primeira infância, o que em si é um fator positivo, as implicam desde cedo a relações de massa que, se por um lado implicam em ganhos em termos de escolarização e desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais e afetivas, por outro, as expõem ao estresse cotidiano — e por longas horas. A gritaria ensurdecedora no horário do intervalo reflete bem esse ambiente que em algumas oportunidades torna-se verdadeiramente tóxico.

Principalmente nas redes públicas, berçários, creches e pré-escolas superlotados, a falta de pessoal, a rotina esvaziada de sentido e o improviso compõem um ambiente de conflitos em que fatalmente algumas crianças desenvolverão sintomas de ansiedade — ou ainda outras afecções ainda mais preocupantes.

Porém, esse meio “carregado de eletricidade” não é privilégio de crianças em início da fase de escolarização. A Educação Básica, até o final do Ensino Médio, seja em escolas públicas, seja em escolas privadas, funcionam como receptáculos de uma grande quantidade de crianças, adolescente e jovens que carregam para esse ambiente as tensões geradas no interior da família, no âmbito de seus grupos, nos veículos do transporte público, nas ruas e avenidas em que o tráfego e os congestionamentos são enlouquecedores. Sob esse aspecto, a escola, desavisada, prepara uma geração de indivíduos ansiosos por ingressar o quanto antes no mundo ansioso, turbulento e conflituoso dos adultos.

Com relação à população adulta, homens e mulheres, já tendo realizado seu estágio de ansiedade na escola básica, encaram a luta pelo emprego, pelo Ensino Superior, pela qualificação profissional — junto com o medo do desemprego, do fracasso profissional, das desventura do amor, de constituir uma família (ou de perdê-la em processos dolorosos de separação).

Além da legítima carga emocional e de responsabilidades que cada um carrega em seu coração, ou sua alma, ou sua psique, derivada da condição de cada qual neste mundo hipercompetitivo, há inda uma outra, ainda mais intensa, fruto da revolução tecnológica. Na palma da mão de praticamente todo habitante de grandes e pequenas cidades, o celular sequestra toda a vida emocional de seu usuário, subordinando seus interesses aos dos veiculadores de conteúdo, que usam e abusam das mais elaboradas estratégias para intensificar ao extremo esse sequestro.

Sequestrado por perfis famosos das redes sociais (os assim chamados “influencers”), no Instagram, YouTube, Facebook, Tik Tok, Whatsapp, Telegram e outros, o indivíduo passa a ser bombardeado com assuntos que não lhe dizem respeito, posts e anúncios hiperssexualizados, questões graves da política, da economia, da saúde, dos costumes etc. cuja solução estão completamente fora de seu alcance — acrescidos daquelas de sua estrita competência cuja solução , tantas vezes, também lhes escapa.

É desse modo que nossa sociedade atual adoece em massa, mas cujos sintomas comparecem de forma mais visível no nível micro, do indivíduo, tornado uma verdadeira pilha de nervos — para empregar uma expressão já fora de uso —, que sofre agudamente seja dentro de seu carro, em face do semáforo vermelho que demora 2 minutos para abrir; seja à frente da porta de seu apartamento, vasculhando a bolsa ou os bolsos em busca da chave que insiste em se esconder; seja  digitando uma mensagem no celular, com o corretor automático corrigindo errado seu texto.

A pressão por todos os lados faz com que haja dificuldade em se admitir que a fronteira da normalidade já foi cruzada há tempo, uma vez que todos alteram a voz ao mínimo conflito, empregam palavras descorteses a qualquer propósito, invadem o espaço alheio sem cerimônia, atropelam “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, “com licença”, “por gentileza”, “obrigado”, “como está?” para ir direto ao assunto, esgotá-lo com o máximo de rapidez para voltar ao celular.

A prevalência no tempo dessa conduta hiperacelerada confunde-se também com traço de personalidade ou caráter. Assim, os sintomas se agravam ao longo do tempo, convertendo-se em aparente norma, quando na realidade é manifestação de descontrole emocional e psíquico, que só será notado e, talvez, levado a sério, quando danos graves ou irreparáveis tenham vitimado casamentos, afetos entre pais e filhos, relações de amizade e carreiras profissionais tão desejadas e promissoras.

Na fase aguda, os riscos físicos são iminentes: tensão muscular, palpitação, sudorese, cefaleia frequente, disfunções sexuais, disfunção gastrointestinal. Porém, particularmente a população masculina, tradicionalmente avessa à medicina preventiva, só busca ajuda em face de outros sintomas: perda de memória, insônia, dificuldade de concentração, irritabilidade, inquietação.

Na busca de se livrar do sofrimento causado pelo transtorno, o afetado por ele canaliza suas energias para alvos específicos, que pode ser o sexo, a bebida, as drogas ilícitas, os “rachas” de moto ou automóvel, o abuso de exercícios em academias etc.

Quando se dá conta ou é convencido de que necessita de tratamento, a difícil recuperação do indivíduo ocorre, pois é reversível, em meio a perdas muitas vezes irrecuperáveis, na esfera de relações afetivas e sociais caríssimas, entre as quais o casamento, a paternidade, o emprego, as amizades, o grupo social.

Em situações agudas, o tratamento psicanalítico convoca o auxílio do psiquiátrico, ao menos até o indivíduo recuperar-se o suficiente para retomar o controle de suas próprias emoções — a exemplo de casos de insônia prolongada, de sensação recorrente de vertigem ou de pensamentos obsessivos que abrem caminho ou já estão no âmbito da depressão severa.

Quantos relacionamentos tiveram fim, particularmente nos últimos três anos, com a pandemia de Covid-19, e o confinamento dela advindo, pelo estresse de um período em que a vida em comum converteu-se em uma panela de pressão? Quando dos atritos, conflitos e rompimentos de afetos se devem ao Transtorno de Ansiedade Geral, confundido com traço de caráter ou personalidade. Quantas das pessoas descartadas de relações profissionais, sociais ou amorosas o foram por terem se tornado “insuportáveis”, quando na verdade estavam apenas doentes?

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