domingo, 6 de abril de 2014

CRÔNICA —José Wilker, um caso especial de coragem

Morávamos em treze numa digna casa de madeira na então distante vila Ede, periferia de São Paulo, sem asfalto, sem água encanada e com esgoto correndo por valetas infectas que iam dar no córrego Maria Paula, e que hoje corre por sob as ruas asfaltadas, ainda recebendo o dejeto das casas, pois nem o estado nem a prefeitura se dignaram a resolver a "questã".

Mas a "questã" não é essa. A "questã" é a primeira vez a que assisti a José Wilker.

Foi no início da década de 1970, e eu tinha ou 7 ou 8 anos de idade [na verdade, como se verá ao final deste artigo, o ano é 1974, e eu contava então com 10 anos de idade]. A imprecisão se deve à distância no tempo e à minha pouca idade de então, que era regida não por anos, mas pelo sol e pela lua, pelas brincadeiras no quintal cheio de árvores e pelos bichos de criação que zanzavam o dia pelo terreiro. Além da pouca idade, eu era mirrado, magro e irritadiço, por causa de uma dor de garganta crônica que não me deixava comer nada, e que só sarou lá pela adolescência, quando enfim cresci de repente e cheguei ao 1,70m de hoje.

A televisão, comprada por meu pai em suaves prestações na falida rede lojas Pirâni, que foi para as cucuias no incêndio do edifício Andraus, no centro de São Paulo, era uma novidade: uma Philco 29 polegadas em preto e branco, com uma lâmina de vidro para proteger o telespectador da radiação.

Reunidos em torno da telinha num quarto que até a hora de dormir era sala de televisão coletiva, inclusive com presença de filhos de vizinhos  e às vezes os próprios pais, quando o capítulo da novela era crucial , ríamos e chorávamos com nossos heróis, às vezes tão parecidos com a gente, como no caso de Irmãos Coragem.

Nunca esqueci de quando Wilker passou a existir para mim. Foi num caso especial em que um jovem professor, em sérios problemas financeiros, divide uma casa pobre com a esposa grávida. Sua pobreza era a nossa, sua mulher era nossa mãe, que saía de uma gravidez para entrar noutra, até completar os onze em que nos tornamos.

Nossa torcida era toda para que ele tivesse sucesso, pois, nesse caso, nós, cujo único caminho apontado por seu João e dona Maria para sairmos da vida difícil era o do estudo, poderíamos ter também.

Não precisa dizer o quanto ele sofre, sem dinheiro, avançada a gravidez da jovem companheira, com os sucessivos "nãos" que recebe pela cara. E, a cada "não", ele e sua jovem esposa mais se parecem com nossos pais  e nós, com aquela criança prestes a entrar no mundo pela porta da miséria.

O enredo é simples, e não me recordo nem do nome, nem de detalhes importantes do caso especial exibido pela Globo. Pela pouca idade, nem se me ocorria a importância de guardar o nome do diretor (pela linguagem, temática e profundo humanismo, arrisco que foi Vianinha, se não Dias Gomes  ou ainda Janet Clair).

Depois de muitas frustrações, o personagem interpretado por José Wilker acaba se inscrevendo num concurso público de docência, não sei se para o hoje Ensino Básico ou para o Superior, arrisco que foi para o Superior, pois se forma uma banca feroz que sabatina duramente o candidato [na verdade, trata-se do exame de Mestrado, em 2024 graças às maravilhas da Internet].

Antes da sabatina, o personagem, a esposa grávida, vive uma trajetória de dificuldades econômicas e de muitas tentativas de emprego frustradas, muito em função de  sua escolha pessoal: dedicara-se apaixonadamente ao estudo de um tema específico:  a vida e a história de Pedro Ivo, herói da Revolução Praieira (1848-50), em Pernambuco. O fato é que ele se prepara como um louco para esse exame, porém, apresenta-se arrasado à sabatina, pois, afinal das contas, a única coisa de que entende é Pedro Ivo e sua revolução libertária.

A cena decisiva do caso especial é quando uma banca de doutores de aparência terrível recebe o candidato para realizar a chamada oral. Nós   no quarto convertido em arquibancada de arena em que se jogam cristãos aos leões, uns acomodados na larga cama de molas de meus pais, outros em cadeiras capengas, outros pelo chão  estávamos sentados na verdade na cadeira ocupada por um José Wilker de olhos abatidos pelo sono dos estudos e pelas olheiras dos perdedores.

O olhar severo dos doutores da banca, posicionados em patamar superior, fulminavam o coitado do José, que naquele momento era todo o Brasil pobre, trabalhador, mal nutrido e cheio de amarga esperança. Anos mais tarde, embrenhando-me por nossa história, identifiquei aquela cena com fotos de julgamentos de presos políticos. Quem escreveu e dirigiu aquele caso especial era muito inteligente, teve muita coragem e contou com a burrice da censura, ainda bem.

Na cena decisiva, o clímax é quando o presidente da banca sorteia o ponto para sabatinar o candidato, o temível assunto sobre o qual o torturado José Wilker terá de discorrer com exatidão, se quiser conquistar o sonhado emprego que abrirá uma janela de respiro para o sufoco família, a dele e a nossa.

Não me lembro se após essa cena há mais alguma coisa de importante, mas é ela que está nos meus olhos até hoje: o presidente da banca anunciando o ponto e a câmera indo em close para o rosto sonado e infeliz do José, que arregala uns olhos marotos, felizes de assustar, e dá uma gargalhada que deixa a banca atônita e nós, empoleirados pelo quarto, em extremo êxtase: o ponto sorteado era... PEDRO IVO.

Na minha memória, o caso especial acaba aí, os membros da banca se entreolhando confusos, mas alegres, despidos mesmo da severidade, e com o rosto jovem e fresco de Wilker congelado numa belíssima gargalhada que, no entanto, nos fez chorar.

PS. Um leitor, Carlos Cleto, em 21 de março de 2020, nos comentários, informou o ano (1974) e o nome do Caso Especial da Globo: Enquanto a cegonha não vem. Conferi e ele está certo, Renata Sorrah contracena com Wilker, o roteiro é de Vianninha e a direção, de Daniel Filho.

Enquanto a cegonha não vem, informa o blog Estranho Encontro, "deu origem no ano seguinte ao longa-metragem O Casal (1975) [dirigido também por Daniel Filho, teve mais de 1 milhão de espectadores]. Do 'casal' televisivo, José Wilker foi mantido como protagonista. A mocinha grávida, que na TV foi Renata Sorrah, no filme passou para Sônia Braga. Estreando no Rio em 11 de Setembro de 1975, “O Casal” pegou La Braga na crista da onda, por conta da novela “Gabriela”, que estreara em abril daquele distante ano.

Jeosafá Fernandez Gonçalves é Doutor em Letras pela USP e Pós-Doutor em História pela mesma Universidade. Escritor e professor, lecionou para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados. Foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo.  Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais Carolina Maria de Jesus: uma biografia romanceada, O jovem Mandela, O jovem Malcolm X (Editora Nova Alexandria); O espelho de Machado de Assis em HQ, A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo (Mercuryo Jovem).










quinta-feira, 3 de abril de 2014

Cláudio: um amigo, poeta e samurai


Esta manhã eu tive um sonho maravilhoso, em preto e branco. O preto, em suaves nuanças foscas, o branco, em desvanecentes laivos de água. O preto e o branco desse sonho eram uma onda graciosa, cuja linha de contorno ameaçava partir-se no topo, mas que, em movimento ágil, na queda, recuperava, sem desfazer, a forma de circunferência e, num looping perfeito, após recompor-se em meio à brancura esfumaçada central nebulosa, na extremidade inferior reassumia a forma perfeita de circunferência, retornando com leveza ao topo da figura geométrica, ponto em que se projetava para frente, originando, espiraladamente, uma nova circunferência.

Com certeza, só me recordo desse sonho porque estava prestes a acordar. Por sorte, no momento em que o sonho terminou, eu despertei - pois às vezes despertamos e perdemos o final do sonho para sempre. Para não esquecê-lo, fui até a saca respirar o ar da manhã que se iniciava, ainda a tempo de me despedir de minha companheira e meu filho, que partiam para a escola, ela para dar aulas, ele para recebê-las de outros professores. Na verdade, meu despertar coincidiu com ela beijando-me a testa em despedida para o trabalho, como faz todas as manhãs. Da sacada acenando, com o sonho impresso nos olhos e no espírito, decidi que precisava registrá-lo em uma crônica, antes que ele se desfizesse inteiramente no curso dos dias e no reino da desmemória.

Não é a primeira vez que algo assim me ocorre. Quando me dediquei mais intensamente à poesia, não era raro sonhar com palavras ou mesmo pequenos poemas inteiros, escritos no papel já em sonho. Quando me doutorei, sonhei com parágrafos frequentemente. Isso sem falar em soluções exatas de problemas literários levantados durante a produção da tese.

Em meu romance Zona Sul, após longa pesquisa e finalizada a fase de planejamento, tive uma certa dificuldade de iniciar a escrita. Como tinha outros afazeres profissionais, posterguei o início da redação, mas fiquei incomodado com essa dificuldade. Certa manhã, mais ou menos no mesmo horário do que ocorreu hoje, tive um sonho estranho. Despertei-me em seguida. Minha companheira se preparava para sair ao trabalho, então contei-lhe o sonho, enquanto ela tomava seu café. Ao final da narrativa deu-me um estalo: era o capítulo inicial do romance, que inclui um cenário cujo pano de fundo é o atormentado Jardim das Delícias, de Hieronymus Bosh. Redigi o rascunho e fiquei uma semana a registrar com minúcia o sonho que tinha início, meio e fim.

Hoje, um mestre japonês da poesia - cuja presença no sonho é apenas uma voz e duas mãos que seguram uma gravura - me explica a íntima ligação entre a poesia e a arte samurai. Essas mãos são brancas e os punhos de seu quimono são preto-fosco.

Ele me diz que a concentração de linguagem da arte da poesia só encontra comparação na concentração necessária à arte samurai. Ele está ao meu lado, por isso no sonho só lhe são visíveis as mãos que seguram a gravura e os punhos largos de seu quimono escuro.

A descrição no parágrafo inicial desta crônica é a do desenho impresso nessa gravura. Para explicar-me o significado dela, ele solicita que outro mestre nas duas artes execute movimentos de arte samurai com sua espada. O mestre solicitado tem a parte de cima do quimono, branca, amarrada com um largo cordão preto; a parte debaixo, preta e esvoaçante. O mestre samurai nos cumprimenta como a tradição manda, afasta-se um tanto. Agora, o cenário é de neblina, tal como o da gravura. Ele, estático, ergue sua espada, executa três giros com ela, para-a em movimento de ataque. Súbito, usando a ponta da espada como eixo central, dá um impulso vertiginoso para a frente e para cima, atira ambas as pernas par o alto, gira no eixo da ponta da espada, o que resulta em uma circunferência perfeita. Ao tocar o chão, mal se-lhe veem os pés: novo impulso, nova circunferência; e ainda outro e outra.

Ao final dessa sequência impressionante de três circunferências sucessivas articuladas por sucessivos loopings, o que resulta é o mesmo desenho impresso na gravura. O mestre solicitado acolhe a espada em ambos os braços formando um ninho e, como estivesse com uma criança no colo, cumprimenta-nos cerimonialmente, e desaparece na neblina branca, primeiro a parte inferior de seu corpo, depois, o busto. Essa imagem desvanecente de busto é uma belíssima fotografia preto e branco em sfumato de um jovem samurai.

O mestre poeta então explica, apontando com o dedo a gravura: no início da sequência espiral da gravura, há um ideograma japonês. Suas partes se desfazem da esquerda para a direita, assumem forma de linha. A linha forma três circunferências a partir de três sucessivos loopings. A a linha, ao formar a terceira circunferência, a partir do topo, se desfaz e se transforma no mesmo ideograma inicial. O mestre diz que eu não vejo, nem ele, mas no centro de cada circunferência, está o ideograma girando vertiginosamente, tão vertiginosamente que nem se pode saber quantos giros deu para se tornar invisível aos olhos - tal como fizera o mestre samurai ao realizar a demonstração com sua espada inicialmente reluzente, depois, também invisível.

Do mestre a explicar a gravura não vi mais que as mão e os punhos do quimono, mas sua voz era serena e entorpecente. Se a face de quem me deu essa lição de poesia ficou oculta, o mesmo não ocorre com a do outro, o mestre samurai. Vi nitidamente o busto que se esfumaçou: era nada menos que o do poeta e meu amigo Cláudio Daniel. Cláudio, esta crônica eu fiz para você, porque o sonho se fez sozinho - e não me coube mais do que o pálido registro escrito, que recolheu muito menos do que sonhei.

É nessa hora que invejo meus amigos Claudinei Roberto, Mazé Leite e João Pinheiro - artistas plásticos os primeiros, ilustrador e quadrinhista o último. Eles podem, ao acordar, converter em imagens visuais as imagens de seus sonhos. Eu, afundado em letras, não.



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O jovem Mandela: entrevista à Galileu

Entrevista a Murilo Roncolato, da revista Galileu, em 26 de junho de 2013.

1) Você fez um livro romance baseado na juventude de Nelson Mandela. Fale mais sobre ele, você se baseou em pesquisa histórica para fazê-lo?

 O Jovem Mandela tem aspectos biográficos, históricos e literários, uma vez que é uma biografia na forma de romance. Durante minha pesquisa de doutorado em Letras, defendido em 2002, na USP, e concentrado em literaturas africanas em língua portuguesa, fiz uma ampla e profunda pesquisa sobre os processos revolucionários e de independência na África, que estão ligados complexamente. Na ocasião estudei, não só por força da pesquisa, mas também por opção pessoal, o papel de muitos líderes africanos, entre os quais Léopold Senghor, Patrice Lumumba, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Samora Machel e Nelson Mandela, que, na verdade, encantou minha geração.

Defendido o doutorado, continuei minhas leituras sobre a África pelo amor que dedico a nossas raízes de matrizes africanas e à literatura que vem de lá (o recente prêmio Camões ao moçambicano Mia Couto é um reconhecimento justo e até tardio).

A editora Nova Alexandria havia proposto o projeto de uma biografia romanceada a outros autores. Felizmente para mim, a editora gostou mais do meu, que envolve pesquisa bibliográfica nos campos da história e da literatura, num texto em que ficção e realidade se articulam no corpo do próprio texto literário, apoiado por hipertextos remissivos de natureza histórica.


Para escrever, retomei anotações e arquivos da época de meu doutorado, e mergulhei no que de mais atual se publicou no Brasil sobre Mandela (o que é pouquíssimo!) e sobre a África. Em razão da escassez, pesquisei também bibliografia em inglês e francês. O essencial empregado para a redação do romance consta no capítulo Bibliografia, do volume.

Ao escrever o romance, convoquei, além de depoimentos do próprio Nelson Mandela, testemunhos de outros homens que enfrentaram situações igualmente dramáticas. Assim, comparem no texto sombras de Graciano Ramos, de Memórias do Cárcere, e laivos de Dostoiévski, de Recordações da Casa dos Mortos, mas também, como uma espécie de marca d’água, de palimpsesto, personagens literários  tais como monsieur Mersault, o condenado de O Estrangeiro, de Camus; o poeta triste da Garoa do Meu São Paulo, de Mário de Andrade, o poeta lírico de Mensagem à Poesia, de Vinicius de Moraes entre outros.

Em sua autobiografia Longa Caminhada até a Liberdade Mandela se diz, do ponto de vista emocional, romântico. Assim, os lapsos de sua história não declarada, eu preenchi com as tintas da melhor literatura. Que tem lido, tem gostado de enxergar Mandela pela lente de clássicos da literatura mundial e brasileira. Acho que acertei a mão, porque, você sabe, ao aproximar realidade e ficção, os riscos são sempre grandes.

2) Qual fato da vida de Mandela você julga mais importante?


Não há dúvida de que comandar as negociações delicadíssimas pelo fim do apartheid de dentro da prisão é o momento mais dramático e, ao mesmo tempo, mais sublime de sua vida. Costurar no ninho do inimigo o fim do próprio ninho, tendo ainda que reconquistar a confiança da direção do CNA, fazendo vazar homeopaticamente para os companheiros, de dentro da prisão, os movimentos que vinha executando, foi algo realmente genial. É lógico que, após ser libertado, o período que se seguiu foi também de ápices sucedendo ápices. Neutralizar na ocasião a influência de Mangosuthu Buthelezi, do partido zulu Inkhata, que comandava massacres contra manifestações pacíficas do CNA, e derrotar as forças mais renitentes do regime do apartheid até a realização das eleições livres, compreende um período dramático e glorioso, mas todo ele iniciado pelas negociações secretas que Mandela comandou da prisão. Mas isso sou eu quem digo. Quem sabe se o momento mais glorioso não tenha sido a saída da prisão, cujas imagens históricas atravessarão os séculos? Ou quem sabe não é de seu sorriso no dia 27 de abril de 1994, quando depositou o voto na urna e declarou à imprensa mundial, ao 76 anos de idade: “Votei pela primeira vez na vida”? Ou quem sabe não foi o nascimento de seus filhos, uma vez que ele sempre foi muito apegado à família? Não sou ninguém para dizer qual terá sido o fato mais importante de sua vida. Para nós, os que amamos a igualdade e a justiça social, o fato mais importante é ele ter nascido, a 18 de julho, dia eleito pela ONU como Dia Internacional Nelson Mandela pela Liberdade, Justiça e Democracia.

3) Por que Mandela teve uma adolescência radical e adquiriu um posicionamento mais pacífico depois de sair da prisão?


 Na vida de Mandela passa a história da África do Sul e do mundo do século XX. O CNA foi fundado em 1912 sob inspiração de Mahtama Ghandi e seu princípio de não-violência. Porém, contraditoriamente, quando a humanidade se livrava do nazismo, a África do Sul enveredou pelo apartheid, de inspiração abertamente nazista. Como a solução final preconizada por Hitler não tinha mais condições reais de ser implementada, a saída encontrada pelos racistas do Partido Nacional Purificado, de Daniel Malan, guindado ao poder em 1948, foi o estabelecimento de uma enxurrada de leis para “convivência em separado”, o chamado apatheid. Nesse cenário novo, assistido com um sorriso condescendente de EUA, Inglaterra e França, principalmente, mesmo manifestações pacíficas foram reprimidas com brutalidade. A deportação em massa de populações negras, com o máximo de violência, a qualquer hora do dia dou da noite, para a savana sem as mínimas infraestrutura urbana, o assassinato sob tortura de comunistas, democratas, militantes políticos e até neutros, levaram o CNA a mudar de postura. Nessa situação é que Nelson Mandela, fundador e líder da Liga da Juventude do CNA, recebe autorização do mesmo CNA para criar o MK, sigla de Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação), nome criado pelo próprio Nelson Mandela para designar o braço armado do Congresso, qual foi comandante até ser preso.

Assim, não se trata de ter sido radical antes e pacífico depois, mas de, no curso da luta contra o apartheid, decidir a melhor estratégia de alcançar o objetivo final assumido pelo CNA: conquistar uma nação não pluri ou multirracial, mas uma nação NÃO RACIAL.

Ouça a entrevista  no Opera Mundi clicando aqui.
O posicionamento pelas vias pacíficas foi combinado com o não abandono das armas, ou seja, o abandono das armas esteve condicionado, nas negociações por ele empreendidas, ao compromisso do regime de realizar eleições livres. Uma vez isso feito, o apartheid estaria liquidado, pois a imensa maioria negra indo às urnas tinha a arma de que o regime não dispunha: votos.

4) Por fim, a África do Sul e o mundo tem o que a aprender com Mandela e, sem ele, o país sul-africano tende a manter sua situação equilibrada e liberal?

Dizer o que a África do Sul virá a ser e um exercício de futurologia ao qual não me arrisco. Porém, se esse país e o mundo se debruçarem sobre os eventos que encontram na vida e na figura de Nelson Mandela ponto de convergência, muitas lições serão extraídas. Uma delas, com certeza, é a de que nenhum sistema econômico e político se mantêm com base na exclusão social de muitos para benefícios de poucos.