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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O jovem Mandela: entrevista à Galileu

Entrevista a Murilo Roncolato, da revista Galileu, em 26 de junho de 2013.

1) Você fez um livro romance baseado na juventude de Nelson Mandela. Fale mais sobre ele, você se baseou em pesquisa histórica para fazê-lo?

 O Jovem Mandela tem aspectos biográficos, históricos e literários, uma vez que é uma biografia na forma de romance. Durante minha pesquisa de doutorado em Letras, defendido em 2002, na USP, e concentrado em literaturas africanas em língua portuguesa, fiz uma ampla e profunda pesquisa sobre os processos revolucionários e de independência na África, que estão ligados complexamente. Na ocasião estudei, não só por força da pesquisa, mas também por opção pessoal, o papel de muitos líderes africanos, entre os quais Léopold Senghor, Patrice Lumumba, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Samora Machel e Nelson Mandela, que, na verdade, encantou minha geração.

Defendido o doutorado, continuei minhas leituras sobre a África pelo amor que dedico a nossas raízes de matrizes africanas e à literatura que vem de lá (o recente prêmio Camões ao moçambicano Mia Couto é um reconhecimento justo e até tardio).

A editora Nova Alexandria havia proposto o projeto de uma biografia romanceada a outros autores. Felizmente para mim, a editora gostou mais do meu, que envolve pesquisa bibliográfica nos campos da história e da literatura, num texto em que ficção e realidade se articulam no corpo do próprio texto literário, apoiado por hipertextos remissivos de natureza histórica.


Para escrever, retomei anotações e arquivos da época de meu doutorado, e mergulhei no que de mais atual se publicou no Brasil sobre Mandela (o que é pouquíssimo!) e sobre a África. Em razão da escassez, pesquisei também bibliografia em inglês e francês. O essencial empregado para a redação do romance consta no capítulo Bibliografia, do volume.

Ao escrever o romance, convoquei, além de depoimentos do próprio Nelson Mandela, testemunhos de outros homens que enfrentaram situações igualmente dramáticas. Assim, comparem no texto sombras de Graciano Ramos, de Memórias do Cárcere, e laivos de Dostoiévski, de Recordações da Casa dos Mortos, mas também, como uma espécie de marca d’água, de palimpsesto, personagens literários  tais como monsieur Mersault, o condenado de O Estrangeiro, de Camus; o poeta triste da Garoa do Meu São Paulo, de Mário de Andrade, o poeta lírico de Mensagem à Poesia, de Vinicius de Moraes entre outros.

Em sua autobiografia Longa Caminhada até a Liberdade Mandela se diz, do ponto de vista emocional, romântico. Assim, os lapsos de sua história não declarada, eu preenchi com as tintas da melhor literatura. Que tem lido, tem gostado de enxergar Mandela pela lente de clássicos da literatura mundial e brasileira. Acho que acertei a mão, porque, você sabe, ao aproximar realidade e ficção, os riscos são sempre grandes.

2) Qual fato da vida de Mandela você julga mais importante?


Não há dúvida de que comandar as negociações delicadíssimas pelo fim do apartheid de dentro da prisão é o momento mais dramático e, ao mesmo tempo, mais sublime de sua vida. Costurar no ninho do inimigo o fim do próprio ninho, tendo ainda que reconquistar a confiança da direção do CNA, fazendo vazar homeopaticamente para os companheiros, de dentro da prisão, os movimentos que vinha executando, foi algo realmente genial. É lógico que, após ser libertado, o período que se seguiu foi também de ápices sucedendo ápices. Neutralizar na ocasião a influência de Mangosuthu Buthelezi, do partido zulu Inkhata, que comandava massacres contra manifestações pacíficas do CNA, e derrotar as forças mais renitentes do regime do apartheid até a realização das eleições livres, compreende um período dramático e glorioso, mas todo ele iniciado pelas negociações secretas que Mandela comandou da prisão. Mas isso sou eu quem digo. Quem sabe se o momento mais glorioso não tenha sido a saída da prisão, cujas imagens históricas atravessarão os séculos? Ou quem sabe não é de seu sorriso no dia 27 de abril de 1994, quando depositou o voto na urna e declarou à imprensa mundial, ao 76 anos de idade: “Votei pela primeira vez na vida”? Ou quem sabe não foi o nascimento de seus filhos, uma vez que ele sempre foi muito apegado à família? Não sou ninguém para dizer qual terá sido o fato mais importante de sua vida. Para nós, os que amamos a igualdade e a justiça social, o fato mais importante é ele ter nascido, a 18 de julho, dia eleito pela ONU como Dia Internacional Nelson Mandela pela Liberdade, Justiça e Democracia.

3) Por que Mandela teve uma adolescência radical e adquiriu um posicionamento mais pacífico depois de sair da prisão?


 Na vida de Mandela passa a história da África do Sul e do mundo do século XX. O CNA foi fundado em 1912 sob inspiração de Mahtama Ghandi e seu princípio de não-violência. Porém, contraditoriamente, quando a humanidade se livrava do nazismo, a África do Sul enveredou pelo apartheid, de inspiração abertamente nazista. Como a solução final preconizada por Hitler não tinha mais condições reais de ser implementada, a saída encontrada pelos racistas do Partido Nacional Purificado, de Daniel Malan, guindado ao poder em 1948, foi o estabelecimento de uma enxurrada de leis para “convivência em separado”, o chamado apatheid. Nesse cenário novo, assistido com um sorriso condescendente de EUA, Inglaterra e França, principalmente, mesmo manifestações pacíficas foram reprimidas com brutalidade. A deportação em massa de populações negras, com o máximo de violência, a qualquer hora do dia dou da noite, para a savana sem as mínimas infraestrutura urbana, o assassinato sob tortura de comunistas, democratas, militantes políticos e até neutros, levaram o CNA a mudar de postura. Nessa situação é que Nelson Mandela, fundador e líder da Liga da Juventude do CNA, recebe autorização do mesmo CNA para criar o MK, sigla de Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação), nome criado pelo próprio Nelson Mandela para designar o braço armado do Congresso, qual foi comandante até ser preso.

Assim, não se trata de ter sido radical antes e pacífico depois, mas de, no curso da luta contra o apartheid, decidir a melhor estratégia de alcançar o objetivo final assumido pelo CNA: conquistar uma nação não pluri ou multirracial, mas uma nação NÃO RACIAL.

Ouça a entrevista  no Opera Mundi clicando aqui.
O posicionamento pelas vias pacíficas foi combinado com o não abandono das armas, ou seja, o abandono das armas esteve condicionado, nas negociações por ele empreendidas, ao compromisso do regime de realizar eleições livres. Uma vez isso feito, o apartheid estaria liquidado, pois a imensa maioria negra indo às urnas tinha a arma de que o regime não dispunha: votos.

4) Por fim, a África do Sul e o mundo tem o que a aprender com Mandela e, sem ele, o país sul-africano tende a manter sua situação equilibrada e liberal?

Dizer o que a África do Sul virá a ser e um exercício de futurologia ao qual não me arrisco. Porém, se esse país e o mundo se debruçarem sobre os eventos que encontram na vida e na figura de Nelson Mandela ponto de convergência, muitas lições serão extraídas. Uma delas, com certeza, é a de que nenhum sistema econômico e político se mantêm com base na exclusão social de muitos para benefícios de poucos.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Um Mandela muito particular

Assista a entrevista à Opera Mundi sobre o legado de Mandela

O personagem que o leitor tem diante de si em O jovem Nelson Mandela é muito particular. Isto porque, na trilha dos acontecimentos extraordinários que envolveram a derrota final do apartheid na África do Sul e que repercutiram pelo mundo todo ao final do século XX, em sua voz ecoam vozes de poetas e de escritores, além de angústias de outros personagens mergulhados em dramas semelhantes. Assim, o leitor descobrirá, no Capítulo 3, intitulado “Luz para cegar”, que a luz a agredir os detentos da pedreira de calcário da ilha de Robben é irmã daquela reverberação torturante que ofende os olhos do sentenciado à pena de morte de O estrangeiro, de Albert Camus.

 Na voz do protagonista deste O jovem Mandela, reflexões sobre os impasses gerados pela luta contra o apartheid acolhem versos da “Canção amiga”, de Carlos Drummond de Andrade, no Capítulo 7, denominado “Universidade Mandela, uma aula”. A título de ilustração sobre a aventura dos portugueses pelo Cabo da Boa Esperança, hoje Cidade do Cabo, África do Sul, no Capítulo 8, “Universidade Mandela, outra aula”, o poema famoso “Mar portuguez”, de Fernando Pessoa, funciona como um marco da passagem de Bartolomeu Dias, em 1488, por esse ponto extremo sul do continente.

Quando a questão é pesar o drama do indivíduo instado a abrir mão do convívio familiar para enfrentar a luta contra o regime de segregação racial, no Capítulo 9, “Por quanto tempo pode ser prolongada a juventude”, versos de “Mensagem à poesia”, de Vinicius de Moraes, surgem na forma de prosa sutilmente modulada. No Capítulo 10, “Uma Johannesburg estranha demais”, uma cidade enevoada ecoa os “timbres tristes de martírios” do Livro azul, de Mário de Andrade. E em “Um homem não é uma ilha”, o Capítulo 11, a referência a Robinson Crusoé, de Daniel Defoe é direta.

Além dessas incrustações de fácil observação, ecos do Dostoiévski de Recordações da casa dos mortos (publicado pela Nova Alexandria) e do Graciliano Ramos de Memórias do cárcere podem ser rastreados por todo o texto, na forma de discurso indireto livre e de registro de fluxo de consciência, empregados tão magistralmente por ambos.

Assim, este O jovem Mandela que o leitor tem em mãos é ao mesmo tempo ficção e história, informação e condensação artística de expectativas, sonhos, frustrações e júbilo. Sua espinha dorsal é, sem dúvida, o personagem real de mesmo nome, mas este recebe a contribuição de outras vozes inventadas, representativas de dramas humanos igualmente verdadeiros.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O Jovem Mandela: Jardineiros e suas searas




DAQUI A CINCO MIL ANOS um pai contará para seu filho dormir a lenda de um herói. Essa lenda dirá de um menino do Transkei, que calçou o primeiro par de sapatos quando ingressou um tanto tardiamente na escola, que viu e viveu os piores tormentos da vida humana, mas que, a despeito de todas as previsões funestas, liderou seu povo em uma saga épica e o conduziu uma vitória gloriosa sobre as mais abomináveis formas de opressão e humilhação do homem sobre o próprio homem. Essa lenda que atravessará os milênios futuros terá um nome: NELSON ROLIHLAHLA MANDELA.

Jardineiros e suas searas

Comparações são sempre imprescindíveis na vida, caso contrário não saberíamos discernir entre o justo e o injusto, o correto e o incorreto, o bom e o ruim. Já analogias são perigosas, porém, guardando-se os devidos cuidados, podem ser úteis.

Quando entrei na universidade, em Fort Hare, parte de minhas atribuições era cuidar de jardim. Outros considerariam essa atividade um tanto sem graça, não eu, que vivi minha infância descalço, a observar a beleza de colinas, árvores, arbustos, gramíneas, e os insetos e animais que se beneficiavam da vegetação.

Naturalmente, quando menino, de pé no chão e pedra nas mãos para dar em passarinho, minha preocupação essencial era trepar nas árvores e sentir, lá do alto, a brisa fresca ou o mormaço quente a subir do chão empoeirado. E também observar o azulado das montanhas ou a linha perfeita do horizonte.

Na universidade, se tratava de aproveitar a quietude das plantas para pensar sobre o curso, sobre a vida e sobre o porquê de haver tantos pobres e tão poucos ricos sobre a face da terra. Uma ou outra vez levei uma ferroada de abelha enquanto pensava, mas, muitas vezes, meus pensamentos me ferroaram muito mais.

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Era verdadeiramente interessante observar como algumas flores eram abundantes e exuberantes, mas de vida breve, enquanto outras eram modestas em número, tímidas na beleza, mas duradouras. No início tinha pena das duas: das primeiras, pela brevidade; e das segundas, pela falta de maiores atrativos.

Porém, observei que alguns passarinhos e insetos polinizadores frequentavam apenas um dos tipos de flores, enquanto outros, apenas o outro. Também observei que a simples mudança de lugar de um vaso pode injetar novas energias numa planta ou arruiná-la de uma vez.

E não apenas o grau de incidência de sol era determinante de sucessos ou insucessos, mas também a exposição ao vento. Algumas plantas suportavam excelentemente correntes contínuas de vento, outras, em pouco tempo murchavam e perdiam as folhas, se expostas a elas.
Confesso que estraguei algumas plantas ao realizar poda errada ou, simplesmente, por temor, não realizar poda nenhuma. Embora um jardim pareça uma realidade uniforme, não é. Cada planta tem sua própria forma de ser e de viver. Uma poda mais cuidadosa é exigida por uma, enquanto outra, de tempos em tempos, necessita de uma poda radical para que novos ramos verdes e sadios surjam.

As particularidades chegam mesmo a minúcias inimagináveis para um iniciante, como era o meu caso. Em algumas ocasiões, doido para terminar rápido o trabalho e ir me divertir com os amigos, me precipitava no trato de alguns exemplares. Uma vez me surpreendi com o desenvolvimento insatisfatório de um tipo de trepadeira, e passei a observá-la com maior atenção. Ela lançava ramos até vigorosos para todos os lados, mas estes não chegavam a lugar algum.

Intrigado, quando um desses ramos avançava sobre o caminho, procurei, com o máximo cuidado, enredá-lo em uma haste que fixei no chão. Tudo ia bem, até que toquei na ponta do ramo. Apesar de a parte de baixo ser flexível, mesmo elástica e firme, a ponta era extremamente frágil e quebradiça. Então, me dei conta de que, toda vez que procurava ajeitar aleatoriamente o emaranhado de ramos, eu mesmo partia suas pontas e condenava a planta ao nanismo. Depois disso, procurei orientar para a posição adequada cada ramo individualmente, tocando apenas em suas partes mais firmes, inferiores. Demorou um pouco, mas a planta vicejou. A verdade é que, até aquele momento, a praga daquela planta era o seu jardineiro afobado.

Tratar cada planta como um indivíduo do jardim foi uma descoberta muito significativa. Enquanto algumas exigem cuidados diários, para outras esses cuidados diários se tornam um estorvo. Algumas aceitam ser manipuladas, outras, principalmente nas regiões de brotos, o simples calor humano ou toque das pontas dos dedos as condena à morte. É mesmo curioso, mas essas mesmas plantas que rejeitam o contato humano, por mais afeto que se imprima nele, aceitam bem ser manipuladas com hastes de metal ou de bambu.

E há eventos com as quais temos simplesmente que nos conformar: algumas plantas crescem rapidamente, tornam-se altas e frondosas, enquanto outras crescem lentamente, nunca atingem grandes alturas e seus galhos são, embora elegantes, finos como taquaras.

Some-se a isso que é necessário sempre contar com as ervas daninhas, que devem ser eternamente removidas, pois sempre voltam, seja por um pedaço de raiz ter permanecido oculto na terra, seja pela ação do vento, que não cessa de semeá-las.

Porém, há ainda, é preciso reconhecer os limites de nossa condição, as perdas, algumas inevitáveis e extremamente dolorosas. 

Quando uma planta é acometida por uma doença de difícil detecção, e cujo tratamento é tardio ou ineficaz, ela fatalmente fenecerá. Se foi bonita e frondosa, se foi frágil e elegante, dela ficará apenas a lembrança e, eventualmente, as sementes ou mudas que gerou. Nesse caso, o carinho para com as sementes e as mudas deve ser redobrado, para que o patrimônio da espécie não sofra risco de extinção e, pelo contrário, resulte em novos frutos e sementes.

Nossa luta por um mundo mais justo se parece muito com um jardim, em que os jardineiros são aqueles que pugnam por transformações verdadeiras, aqueles que os republicanos espanhóis, em sua luta contra o fascismo, chamavam “juventude do mundo”.

Mas isso é uma analogia, uma licença poética, que requer o máximo de cuidado e atenção da parte de quem a recebe, pois o mundo dos dias atuais não é exatamente um jardim para todos e, embora revolucionários sejam uma espécie de jardineiros, sua seara é de esperanças e sonhos, que não são nada se não brotarem do povo, se não estiverem enraizados no povo, e se não florescerem e frutificarem para o povo.

(Capitulo 13 d'OJovem Mandela)


NOTAS

1) Duas das atividades mais apreciadas por Nelson Mandela eram a jardinagem e a horticultura. Quando estudante cuidou do jardim de um dos professores de Fort Hare, como uma de suas atribuições extraclasse. Tão logo lhe foi permitido, cultivou na ilha de Robben hortaliças e tomates, que inclusive chegaram a abastecer modestamente a cozinha da penitenciária. Sem nunca perder oportunidade para extrair lições de tudo na vida, Mandela aproveitou essa sua inclinação para refletir sobre o movimento de luta contra o apartheid. Em sua autobiografia ele observou: “De certa forma, eu via a horta como uma metáfora para certos aspectos de minha vida. Um líder também deve cuidar de sua horta; ele também planta sementes, e então observa, cultiva e colhe o resultado. A exemplo do jardineiro, um líder deve se responsabilizar pelo que cultiva; ele deve ocupar-se com seu trabalho, tentar repelir os inimigos, preservar o que pode ser preservado e eliminar o que não pode prosperar” (Mandela, 2012, p. 597-598)

2) Em março 1980 o jornal Johannesburg Sunday Post estampa em primeira página o slogan da campanha internacional LIBERTEM MANDELA! Idealizada por Oliver Tambo e pelo CNA, agora uma força poderosa e irresistível, a campanha personaliza no prisioneiro 466 da ilha de Robben todo o esforço pela libertação dos presos políticos da África do Sul e pelo fim do apartheid. A partir desse momento, a história se acelera também dentro da penitenciária: a estratégia de aniquilação dos líderes da luta pela liberdade fracassou. A semente da liberdade, plantada com cuidado por todo o país, inclusive dentro das prisões, e regada amorosamente pelo sacrifício de milhões de africanos ao longo dos anos, tornou-se uma árvore frondosa, que começa a dar uma exuberante florada, cujos frutos eclodirão em abundância a partir do final dessa década.

3) Leia também: África do Sul faz festa para comemorar os 95 anos de Mandela.

4) Leia no formato youblisher clicando aqui.



Jeosafá, professor, foi da equipe do 1o, ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo. É escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, lançou em 2013 O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);  em maio de 2015, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora; no mesmo ano publicou A lenda do belo Pecopin da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo, pela editora Mercuryo Jovem. Leciona atualmente para o a Educação Básica e para o Ensino Superior privados.








quinta-feira, 18 de abril de 2013

AMANDLA! NGAWETHU! (O poder! Tá com a gente!)

DAQUI A CINCO MIL ANOS um pai contará para seu filho dormir a lenda de um herói. Essa lenda dirá de um menino do Transkei, que calçou o primeiro par de sapatos quando ingressou um tanto tardiamente na escola, que viu e viveu os piores tormentos da vida humana, mas que, a despeito de todas as previsões funestas, liderou seu povo a uma vitória definitiva sobre as mais abomináveis formas de opressão e humilhação do homem sobre o próprio homem. Essa lenda que atravessará os milênios futuros terá um nome: NELSON ROLIHLAHLA MANDELA.


Num momento em que pelo Brasil se espalham manifestações nas quais se misturam anseios legítimos da população historicamente oprimida com palavras de ordem francamente racistas, autoritárias, suprematistas e intolerantes, e num momento em que o guerreiro Madiba, herói de Soweto, herói da África, herói da humanidade, parece querer dar paz a seu corpo já alquebrado por tantas lutas coletivas e pessoais, sempre é bom convocar sua força, que permanecerá em todos os democratas e revolucionários do mundo pelos séculos a afora.


A pobreza no sertão da África do Sul, as condições aviltantes dos trabalhadores nas minas de diamantes mais profundas do mundo, a miséria nas favelas de Johanesburgo, a opressão das populações negras e de origem indiana, concretizada no sistema de apartheid, levaram bem cedo o jovem Nelson Rolihlahla Mandela a escolher entre o conforto de uma vida alienada e os riscos da luta contra o regime de segregação racial.


Fundador da Liga da Juventude do Congresso Nacional Africano (CNA), Nelson Mandela tornou-se o principal líder do mesmo CNA, e um dos mais significativos protagonistas da história humana contemporânea. Sua vida se confunde com  a própria luta pela democracia e pela liberdade e, embora o território principal de suas ações tenha sido sua África do Sul mergulhada em um dos sistemas políticos mais abomináveis conhecidos, o apartheid, a indignação contra a injustiça de que foi vítima e  os reflexos de sua vitória definitiva sobre o regime de segregação racial  ecoaram, e ecoam ainda, por todo o mundo.

Da infância de pés descalços no sertão africano, no início do século XX, à presidência da república, conquistada na primeira eleição verdadeiramente livre em seu país, ao fim do mesmo século, Mandela seguiu um roteiro de aprendizagem, persistência e esperança que lhe deu forças para suportar sucessivas perdas de amigos, assassinados sob tortura ou em confrontos com o apartheid; de familiares, com os quais sempre manteve fortes laços de afeto; além de uma sentença de prisão perpétua absurdamente injusta, a partir de um julgamento de exceção,  forjado nos mínimos detalhes para eliminar do caminho  os opositores do regime racista.

No interior da prisão da ilha de Robben, em que cumpriu a maior parte dos 27 anos em que esteve encarcerado, Madiba, como também é conhecido entre os amigos e parentes, organizou o que ficou conhecido como Universidade Mandela.

Essa iniciativa de educação geral e de formação política reuniu, anos a fio, em debates, palestras e verdadeiras aulas, com currículo estabelecido pelos próprios participantes, até mesmo os guardas do presídio. Muitos jovens condenados à ilha de Robben, após cumprirem a pena, voltaram para a luta antiapartheid mais bem preparados do que quando nela ingressaram. O amor de Mandela pela juventude está estampado em seu sorriso – que, quando se abre, o torna um menino novamente, um legítimo representante da “juventude do mundo”, expressão muito empregada por sua geração de “lutadores da liberdade”, como, com justiça, também se autodenominavam.

Torço com o coração apertado para que os jovens que agora tomam as ruas do país reflitam e se mirem na vida e na luta desse eterno jovem, que sacrificou tudo e a quem roubaram nada menos que 27 anos de vida, convertida em doação também para os jovens do Black Consciouness, de Steve Bico, quando estiveram presos com ele em na ilha de Hobben.


Se virarem as costas para esse verdadeiro gigante do humanismo e da luta pela justiça social, terão virado as costas para a própria história. Como sabemos, quem nega o passado, anda às cegas. Não posso esconder que, nestes dias de junho de 2013, os protestos sem rumo padecem dessa ignorância.


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Neste livro, Jeosafá Fernandez Gonçalves, Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, com especialização nas relações  Brasil-África, constrói um enredo ficcional em que literatura e realidade se articulam para dar corpo às angústias e às ações de um dos mais importantes personagens da história contemporânea mundial. A partir de cuidadosa pesquisa bibliográfica, o autor traça neste O jovem Mandela os passos decisivos da formação do homem e do líder que derrotou de maneira insofismável o apartheid.

Ao mesmo tempo em que retrata o homem (empregando para esse retrato, como um palimpsesto, o registro de outros que passaram por experiências análogas ),  o autor oferece ao leitor os fatos históricos, uns dramáticos e mesmo trágicos, outros gloriosos, que serviram de placenta a uma epopeia em si plena de grandeza – e que ecoará certamente pelos séculos afora.

O autor é escritor de obras de ficção, poesia, teóricas e didáticas voltadas para temas de língua portuguesa e literatura. Bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo, doutorou-se também nessa área, na mesma USP, em 2002. Sua pesquisa de Doutorado voltou-se para as relações entre Brasil e África, o que impôs o estudo de vasta bibliografia sobre os movimentos de independência nesse continente e sobre os principais líderes africanos do século XX, entre os quais, Nelson Mandela.


Concentrando suas atividades nas fronteiras entre literatura e realidade, o autor tem desenvolvido nos últimos anos projetos em que pesquisas bibliográficas, documentais e de campo servem de fontes para a produção ficcional, a exemplo deste O jovem Mandela e do ciclo de romances urbanos sobre a cidade de São Paulo ERA UMA VEZ NO MEU BAIRRO, que põe em cena aspectos sociais e históricos das cinco grandes regiões de São Paulo: Zonas Norte, Leste, Sul, Oeste e Centro.

Artigos n'O Estado de S. Paulo
Um romancista da cidade: Na ficção, uma viagem por São Paulo.
120 anos do viaduto do Chá: Pequena chama pequena demais.

quinta-feira, 28 de março de 2013

O jovem Mandela

DAQUI A CINCO MIL ANOS um pai contará para seu filho dormir a lenda de um herói. Essa lenda dirá de um menino do Transkei, que calçou o primeiro par de sapatos quando ingressou um tanto tardiamente na escola, que viu e viveu os piores tormentos da vida humana, mas que, a despeito de todas as previsões funestas, liderou seu povo em uma saga épica e o conduziu uma vitória gloriosa sobre as mais abomináveis formas de opressão e humilhação do homem sobre o próprio homem. Essa lenda que atravessará os milênios futuros terá um nome: NELSON RALIHLAHLA MANDELA.