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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O jovem Mandela: entrevista à Galileu

Entrevista a Murilo Roncolato, da revista Galileu, em 26 de junho de 2013.

1) Você fez um livro romance baseado na juventude de Nelson Mandela. Fale mais sobre ele, você se baseou em pesquisa histórica para fazê-lo?

 O Jovem Mandela tem aspectos biográficos, históricos e literários, uma vez que é uma biografia na forma de romance. Durante minha pesquisa de doutorado em Letras, defendido em 2002, na USP, e concentrado em literaturas africanas em língua portuguesa, fiz uma ampla e profunda pesquisa sobre os processos revolucionários e de independência na África, que estão ligados complexamente. Na ocasião estudei, não só por força da pesquisa, mas também por opção pessoal, o papel de muitos líderes africanos, entre os quais Léopold Senghor, Patrice Lumumba, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Samora Machel e Nelson Mandela, que, na verdade, encantou minha geração.

Defendido o doutorado, continuei minhas leituras sobre a África pelo amor que dedico a nossas raízes de matrizes africanas e à literatura que vem de lá (o recente prêmio Camões ao moçambicano Mia Couto é um reconhecimento justo e até tardio).

A editora Nova Alexandria havia proposto o projeto de uma biografia romanceada a outros autores. Felizmente para mim, a editora gostou mais do meu, que envolve pesquisa bibliográfica nos campos da história e da literatura, num texto em que ficção e realidade se articulam no corpo do próprio texto literário, apoiado por hipertextos remissivos de natureza histórica.


Para escrever, retomei anotações e arquivos da época de meu doutorado, e mergulhei no que de mais atual se publicou no Brasil sobre Mandela (o que é pouquíssimo!) e sobre a África. Em razão da escassez, pesquisei também bibliografia em inglês e francês. O essencial empregado para a redação do romance consta no capítulo Bibliografia, do volume.

Ao escrever o romance, convoquei, além de depoimentos do próprio Nelson Mandela, testemunhos de outros homens que enfrentaram situações igualmente dramáticas. Assim, comparem no texto sombras de Graciano Ramos, de Memórias do Cárcere, e laivos de Dostoiévski, de Recordações da Casa dos Mortos, mas também, como uma espécie de marca d’água, de palimpsesto, personagens literários  tais como monsieur Mersault, o condenado de O Estrangeiro, de Camus; o poeta triste da Garoa do Meu São Paulo, de Mário de Andrade, o poeta lírico de Mensagem à Poesia, de Vinicius de Moraes entre outros.

Em sua autobiografia Longa Caminhada até a Liberdade Mandela se diz, do ponto de vista emocional, romântico. Assim, os lapsos de sua história não declarada, eu preenchi com as tintas da melhor literatura. Que tem lido, tem gostado de enxergar Mandela pela lente de clássicos da literatura mundial e brasileira. Acho que acertei a mão, porque, você sabe, ao aproximar realidade e ficção, os riscos são sempre grandes.

2) Qual fato da vida de Mandela você julga mais importante?


Não há dúvida de que comandar as negociações delicadíssimas pelo fim do apartheid de dentro da prisão é o momento mais dramático e, ao mesmo tempo, mais sublime de sua vida. Costurar no ninho do inimigo o fim do próprio ninho, tendo ainda que reconquistar a confiança da direção do CNA, fazendo vazar homeopaticamente para os companheiros, de dentro da prisão, os movimentos que vinha executando, foi algo realmente genial. É lógico que, após ser libertado, o período que se seguiu foi também de ápices sucedendo ápices. Neutralizar na ocasião a influência de Mangosuthu Buthelezi, do partido zulu Inkhata, que comandava massacres contra manifestações pacíficas do CNA, e derrotar as forças mais renitentes do regime do apartheid até a realização das eleições livres, compreende um período dramático e glorioso, mas todo ele iniciado pelas negociações secretas que Mandela comandou da prisão. Mas isso sou eu quem digo. Quem sabe se o momento mais glorioso não tenha sido a saída da prisão, cujas imagens históricas atravessarão os séculos? Ou quem sabe não é de seu sorriso no dia 27 de abril de 1994, quando depositou o voto na urna e declarou à imprensa mundial, ao 76 anos de idade: “Votei pela primeira vez na vida”? Ou quem sabe não foi o nascimento de seus filhos, uma vez que ele sempre foi muito apegado à família? Não sou ninguém para dizer qual terá sido o fato mais importante de sua vida. Para nós, os que amamos a igualdade e a justiça social, o fato mais importante é ele ter nascido, a 18 de julho, dia eleito pela ONU como Dia Internacional Nelson Mandela pela Liberdade, Justiça e Democracia.

3) Por que Mandela teve uma adolescência radical e adquiriu um posicionamento mais pacífico depois de sair da prisão?


 Na vida de Mandela passa a história da África do Sul e do mundo do século XX. O CNA foi fundado em 1912 sob inspiração de Mahtama Ghandi e seu princípio de não-violência. Porém, contraditoriamente, quando a humanidade se livrava do nazismo, a África do Sul enveredou pelo apartheid, de inspiração abertamente nazista. Como a solução final preconizada por Hitler não tinha mais condições reais de ser implementada, a saída encontrada pelos racistas do Partido Nacional Purificado, de Daniel Malan, guindado ao poder em 1948, foi o estabelecimento de uma enxurrada de leis para “convivência em separado”, o chamado apatheid. Nesse cenário novo, assistido com um sorriso condescendente de EUA, Inglaterra e França, principalmente, mesmo manifestações pacíficas foram reprimidas com brutalidade. A deportação em massa de populações negras, com o máximo de violência, a qualquer hora do dia dou da noite, para a savana sem as mínimas infraestrutura urbana, o assassinato sob tortura de comunistas, democratas, militantes políticos e até neutros, levaram o CNA a mudar de postura. Nessa situação é que Nelson Mandela, fundador e líder da Liga da Juventude do CNA, recebe autorização do mesmo CNA para criar o MK, sigla de Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação), nome criado pelo próprio Nelson Mandela para designar o braço armado do Congresso, qual foi comandante até ser preso.

Assim, não se trata de ter sido radical antes e pacífico depois, mas de, no curso da luta contra o apartheid, decidir a melhor estratégia de alcançar o objetivo final assumido pelo CNA: conquistar uma nação não pluri ou multirracial, mas uma nação NÃO RACIAL.

Ouça a entrevista  no Opera Mundi clicando aqui.
O posicionamento pelas vias pacíficas foi combinado com o não abandono das armas, ou seja, o abandono das armas esteve condicionado, nas negociações por ele empreendidas, ao compromisso do regime de realizar eleições livres. Uma vez isso feito, o apartheid estaria liquidado, pois a imensa maioria negra indo às urnas tinha a arma de que o regime não dispunha: votos.

4) Por fim, a África do Sul e o mundo tem o que a aprender com Mandela e, sem ele, o país sul-africano tende a manter sua situação equilibrada e liberal?

Dizer o que a África do Sul virá a ser e um exercício de futurologia ao qual não me arrisco. Porém, se esse país e o mundo se debruçarem sobre os eventos que encontram na vida e na figura de Nelson Mandela ponto de convergência, muitas lições serão extraídas. Uma delas, com certeza, é a de que nenhum sistema econômico e político se mantêm com base na exclusão social de muitos para benefícios de poucos.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Um Mandela muito particular

Assista a entrevista à Opera Mundi sobre o legado de Mandela

O personagem que o leitor tem diante de si em O jovem Nelson Mandela é muito particular. Isto porque, na trilha dos acontecimentos extraordinários que envolveram a derrota final do apartheid na África do Sul e que repercutiram pelo mundo todo ao final do século XX, em sua voz ecoam vozes de poetas e de escritores, além de angústias de outros personagens mergulhados em dramas semelhantes. Assim, o leitor descobrirá, no Capítulo 3, intitulado “Luz para cegar”, que a luz a agredir os detentos da pedreira de calcário da ilha de Robben é irmã daquela reverberação torturante que ofende os olhos do sentenciado à pena de morte de O estrangeiro, de Albert Camus.

 Na voz do protagonista deste O jovem Mandela, reflexões sobre os impasses gerados pela luta contra o apartheid acolhem versos da “Canção amiga”, de Carlos Drummond de Andrade, no Capítulo 7, denominado “Universidade Mandela, uma aula”. A título de ilustração sobre a aventura dos portugueses pelo Cabo da Boa Esperança, hoje Cidade do Cabo, África do Sul, no Capítulo 8, “Universidade Mandela, outra aula”, o poema famoso “Mar portuguez”, de Fernando Pessoa, funciona como um marco da passagem de Bartolomeu Dias, em 1488, por esse ponto extremo sul do continente.

Quando a questão é pesar o drama do indivíduo instado a abrir mão do convívio familiar para enfrentar a luta contra o regime de segregação racial, no Capítulo 9, “Por quanto tempo pode ser prolongada a juventude”, versos de “Mensagem à poesia”, de Vinicius de Moraes, surgem na forma de prosa sutilmente modulada. No Capítulo 10, “Uma Johannesburg estranha demais”, uma cidade enevoada ecoa os “timbres tristes de martírios” do Livro azul, de Mário de Andrade. E em “Um homem não é uma ilha”, o Capítulo 11, a referência a Robinson Crusoé, de Daniel Defoe é direta.

Além dessas incrustações de fácil observação, ecos do Dostoiévski de Recordações da casa dos mortos (publicado pela Nova Alexandria) e do Graciliano Ramos de Memórias do cárcere podem ser rastreados por todo o texto, na forma de discurso indireto livre e de registro de fluxo de consciência, empregados tão magistralmente por ambos.

Assim, este O jovem Mandela que o leitor tem em mãos é ao mesmo tempo ficção e história, informação e condensação artística de expectativas, sonhos, frustrações e júbilo. Sua espinha dorsal é, sem dúvida, o personagem real de mesmo nome, mas este recebe a contribuição de outras vozes inventadas, representativas de dramas humanos igualmente verdadeiros.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

AMANDLA! NGAWETHU! (O poder! Tá com a gente!)

DAQUI A CINCO MIL ANOS um pai contará para seu filho dormir a lenda de um herói. Essa lenda dirá de um menino do Transkei, que calçou o primeiro par de sapatos quando ingressou um tanto tardiamente na escola, que viu e viveu os piores tormentos da vida humana, mas que, a despeito de todas as previsões funestas, liderou seu povo a uma vitória definitiva sobre as mais abomináveis formas de opressão e humilhação do homem sobre o próprio homem. Essa lenda que atravessará os milênios futuros terá um nome: NELSON ROLIHLAHLA MANDELA.


Num momento em que pelo Brasil se espalham manifestações nas quais se misturam anseios legítimos da população historicamente oprimida com palavras de ordem francamente racistas, autoritárias, suprematistas e intolerantes, e num momento em que o guerreiro Madiba, herói de Soweto, herói da África, herói da humanidade, parece querer dar paz a seu corpo já alquebrado por tantas lutas coletivas e pessoais, sempre é bom convocar sua força, que permanecerá em todos os democratas e revolucionários do mundo pelos séculos a afora.


A pobreza no sertão da África do Sul, as condições aviltantes dos trabalhadores nas minas de diamantes mais profundas do mundo, a miséria nas favelas de Johanesburgo, a opressão das populações negras e de origem indiana, concretizada no sistema de apartheid, levaram bem cedo o jovem Nelson Rolihlahla Mandela a escolher entre o conforto de uma vida alienada e os riscos da luta contra o regime de segregação racial.


Fundador da Liga da Juventude do Congresso Nacional Africano (CNA), Nelson Mandela tornou-se o principal líder do mesmo CNA, e um dos mais significativos protagonistas da história humana contemporânea. Sua vida se confunde com  a própria luta pela democracia e pela liberdade e, embora o território principal de suas ações tenha sido sua África do Sul mergulhada em um dos sistemas políticos mais abomináveis conhecidos, o apartheid, a indignação contra a injustiça de que foi vítima e  os reflexos de sua vitória definitiva sobre o regime de segregação racial  ecoaram, e ecoam ainda, por todo o mundo.

Da infância de pés descalços no sertão africano, no início do século XX, à presidência da república, conquistada na primeira eleição verdadeiramente livre em seu país, ao fim do mesmo século, Mandela seguiu um roteiro de aprendizagem, persistência e esperança que lhe deu forças para suportar sucessivas perdas de amigos, assassinados sob tortura ou em confrontos com o apartheid; de familiares, com os quais sempre manteve fortes laços de afeto; além de uma sentença de prisão perpétua absurdamente injusta, a partir de um julgamento de exceção,  forjado nos mínimos detalhes para eliminar do caminho  os opositores do regime racista.

No interior da prisão da ilha de Robben, em que cumpriu a maior parte dos 27 anos em que esteve encarcerado, Madiba, como também é conhecido entre os amigos e parentes, organizou o que ficou conhecido como Universidade Mandela.

Essa iniciativa de educação geral e de formação política reuniu, anos a fio, em debates, palestras e verdadeiras aulas, com currículo estabelecido pelos próprios participantes, até mesmo os guardas do presídio. Muitos jovens condenados à ilha de Robben, após cumprirem a pena, voltaram para a luta antiapartheid mais bem preparados do que quando nela ingressaram. O amor de Mandela pela juventude está estampado em seu sorriso – que, quando se abre, o torna um menino novamente, um legítimo representante da “juventude do mundo”, expressão muito empregada por sua geração de “lutadores da liberdade”, como, com justiça, também se autodenominavam.

Torço com o coração apertado para que os jovens que agora tomam as ruas do país reflitam e se mirem na vida e na luta desse eterno jovem, que sacrificou tudo e a quem roubaram nada menos que 27 anos de vida, convertida em doação também para os jovens do Black Consciouness, de Steve Bico, quando estiveram presos com ele em na ilha de Hobben.


Se virarem as costas para esse verdadeiro gigante do humanismo e da luta pela justiça social, terão virado as costas para a própria história. Como sabemos, quem nega o passado, anda às cegas. Não posso esconder que, nestes dias de junho de 2013, os protestos sem rumo padecem dessa ignorância.


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Neste livro, Jeosafá Fernandez Gonçalves, Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, com especialização nas relações  Brasil-África, constrói um enredo ficcional em que literatura e realidade se articulam para dar corpo às angústias e às ações de um dos mais importantes personagens da história contemporânea mundial. A partir de cuidadosa pesquisa bibliográfica, o autor traça neste O jovem Mandela os passos decisivos da formação do homem e do líder que derrotou de maneira insofismável o apartheid.

Ao mesmo tempo em que retrata o homem (empregando para esse retrato, como um palimpsesto, o registro de outros que passaram por experiências análogas ),  o autor oferece ao leitor os fatos históricos, uns dramáticos e mesmo trágicos, outros gloriosos, que serviram de placenta a uma epopeia em si plena de grandeza – e que ecoará certamente pelos séculos afora.

O autor é escritor de obras de ficção, poesia, teóricas e didáticas voltadas para temas de língua portuguesa e literatura. Bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo, doutorou-se também nessa área, na mesma USP, em 2002. Sua pesquisa de Doutorado voltou-se para as relações entre Brasil e África, o que impôs o estudo de vasta bibliografia sobre os movimentos de independência nesse continente e sobre os principais líderes africanos do século XX, entre os quais, Nelson Mandela.


Concentrando suas atividades nas fronteiras entre literatura e realidade, o autor tem desenvolvido nos últimos anos projetos em que pesquisas bibliográficas, documentais e de campo servem de fontes para a produção ficcional, a exemplo deste O jovem Mandela e do ciclo de romances urbanos sobre a cidade de São Paulo ERA UMA VEZ NO MEU BAIRRO, que põe em cena aspectos sociais e históricos das cinco grandes regiões de São Paulo: Zonas Norte, Leste, Sul, Oeste e Centro.

Artigos n'O Estado de S. Paulo
Um romancista da cidade: Na ficção, uma viagem por São Paulo.
120 anos do viaduto do Chá: Pequena chama pequena demais.

quinta-feira, 28 de março de 2013

O jovem Mandela

DAQUI A CINCO MIL ANOS um pai contará para seu filho dormir a lenda de um herói. Essa lenda dirá de um menino do Transkei, que calçou o primeiro par de sapatos quando ingressou um tanto tardiamente na escola, que viu e viveu os piores tormentos da vida humana, mas que, a despeito de todas as previsões funestas, liderou seu povo em uma saga épica e o conduziu uma vitória gloriosa sobre as mais abomináveis formas de opressão e humilhação do homem sobre o próprio homem. Essa lenda que atravessará os milênios futuros terá um nome: NELSON RALIHLAHLA MANDELA.