
E também não é casual a ordem cronológica adotada para
representar os eventos. À medida que a leitura avança pelas páginas, o leitor
vai sendo conduzido sem tropeços pelo narrador pela rede de eventos até
entregá-lo, são e salvo, à porta do comitê do PCB ao final do volume.
Durante essa aventura simbólica o leitor assiste às injustiças contra os
inocentes, à penúria dos retirantes, aos insucessos e trapaças dos inimigos de
classe, aos desvarios do cangaço e do messianismo, à violência contra os
revolucionários etc.
E toda essa via crucis
a que o leitorassiste tem a
função de ensiná-lo que o acúmulo de quantidade resulta em salto de qualidade, noutras
palavras, que quantidades dessas experiências dolorosas levam irremediavelmente
à luta de emancipação (o salto de qualidade), nos moldes dos versos de Castro
Alves que servem de epígrafe inicial do livro:
Cai, orvalho do sangue do escravo,
Cai, orvalho na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz...
(Amado,
Jorge. Seara vermelha. 46 ed. Rio de Janeiro, Record, p. 274).
Assim,tanto a estrutura hierarquizada dos planos narrativos– e no interior de cada um
deles as personagens – quanto a ordem
cronológica linear contam em favor dos revolucionários: de baixo para cima da
pirâmide de entes narrativos vai-se em direção à consciência revolucionária,
cujo representante máximo é o próprio narrador; e do início ao fim do romance,
em avanços cronológicos, vai-se em direção da revolução democrático-burguesa,
cujo representante concreto no enredo é Neném, elo entre o enredo e uma da
epígrafes iniciais do livro, assinada por Luís Carlos Prestes:
... está no latifúndio, na má distribuição da propriedade
territorial, no monopólio da terra, a causa fundamental do atraso, da miséria e
da ignorância do nosso povo.
Seara vermelha
centra seu enredo numa família de flagelados da seca, expulsa da terra e forçada a
cruzar a caatinga a pé . A família sofre baixas na travessia, se desmembra, mas
não se extingue e atinge seu objetivo:
O trem resfolegava. A máquina começou a andar, vagarosa
ainda. Aumentou a velocidade, Gregório saltara. Jucundina levantou-se então,
afastou a mão de Jerônimo que a segurava, jogou-se para a janela. Jerônimo
levantou-se também para obrigá-la a sentar-se. Mas em vez de fazê-lo
debruçou-se sobre ela a tempo de ver ainda, no canto da estação, de vestido
vermelho, a figura de Marta acenando com a mão. O trem apitava na curva. (Idem.
O trem-14, p. 190).
Embora linear , o enredo assume forma de espiral quando
Neném, ao final do romance, num tempo ficcional posterior, retorna à caatinga
para realizar sua pregação revolucionária e para dar início a uma nova história, situada além do desfecho do
romance.
* * *
Seara Vermelha, o filme (1964), por Rubens Ewald Filho:
Adaptação de um livro um pouco esquecido, sobre família que
tem que se mudar para cidade grande e sua destruição. Embora este filme não
seja reprisado, nem esteja disponível, nunca consegue esquecer desta adaptação
do italiano Alberto D´Aversa (1920-69), importante professor e diretor de
teatro. Nem da cena final nunca vista: quando a heroína enojada (Esther
Mellinger) jogava uma cusparada bem na lente da câmera. Com Sadi Cabral,
Fregolente, Margarida Cardoso.