Este artigo, capítulo de minha tese de doutorado na
Universidade de São Paulo, foi publicado na íntegra no encarte da revista
Princípios, quando dacomemoração
dos 100 anos de nascimento de Jorge Amado. Hoje, a quarta parte.
O camponês banido da terra e tornado retirante, o militar
que se torna revolucionário, a prostituta, o cangaceiro, o fanático religioso,
o capataz a serviço do latifúndio, o fazendeiro, o político corrupto etc. são
agentes sociais entendidos pelo autor como participantes da luta de classes e
concretizados no enunciado na forma de personagens.
O distanciamento progressivo
entre Artur e os trabalhadores da fazenda não é apenas um evento a mover o enredo,
mas uma metáfora da traição de classe, do mesmo modo que a
adesão de Juvêncio ao comunismo é não apenas mais uma solução narrativa, mas
convocação para que o leitor, levado a assumir posição no esquema traçado pelo
narrador, proceda de igual modo.
O sentido das associações e divórcios entre narrador e
personagens é tão declaradamente assumido que até mesmo vísceras das disputas
intestinas do movimento comunista são expostas um tanto gratuita, simplória e memso
sectariamente:

E o são para que o leitor, levado pelo narrador a
associar-se ao ponto de vista de Juvêncio, posicione-se na vida real tal como a
personagem se posicionou na cadeia, ante a rixa entre stalinistas e
trotskistas.
Em Seara vermelha,
tanto quanto a posição ocupada pelo narrador onipotente e onipresente, todo o
projeto literário subjacente reflete esse comunismo de época de que Jorge Amado foi tão partidário.
O personalismo dos grandes retratos do dirigente
partidário máximo pendurados nas paredes dos comitês tem sua contrapartida,
nesse romance, no destaque dado ao narrador sabe-tudo e nas alusões elogiosas a
militantes de destaque, em cujos registros de fala o paternalismo é percebido
indisfarçavelmente.

O dirigismo bastante criticado no comunismo de então é
irmão gêmeo dos procedimentos da efabulação desse romance, que é como aquele
dedo do dirigente a apontar o rumo certo das ações.
A confirmar essa hierarquização rígida dos planos
narrativos, reflexo mais de pensamento cartesiano e hieraquizador do que
dialético, os entes ficcionais funcionam como uma pirâmide de pavimentos, no
topo da qual vai o narrador, seguido logo abaixo pelas personagens
representativas dos revolucionários, sob os quais vão, por sua vez, outros
tantos empilhados, representações dos variados graus de consciência de classe,
do inferior ao superior.