segunda-feira, 12 de abril de 2010

Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen

Trad. Gabor Aranyi

Nora incorre em um deslize ético: falsifica a assinatura do pai, em vias de falecer, para obter o empréstimo que salvará a vida do marido, Torvald Helmer. Esse deslize, desculpável em face do amor e das circunstâncias, uma vez exposto, revelará a teia de relações hipócritas em que ela está envolvida.

Porém, diferente do que a literatura do fim do século XIX frequentemente apresenta como solução ao tédio da mulher insatisfeita no casamento, o adultério, nesta peça, o desencanto da protagonista faz com que as escamas lhe caiam dos olhos e se converta em lucidez frente às convenções machistas, que condenam a mulher à função de escrava do lar ou, na melhor das hipóteses, ornamento mimoso de sala de estar – caso de Nora.

A atitude de Nora em face das relações que aniquilaram seus sonhos, sua individualidade e sua identidade pessoal valeu à peça censura por parte dos conservadores de época, que viram nela um sério risco a instituições tais como: o casamento indissolúvel, a família patriarcal e a moral burguesa, tão afeitos às aparências:

“Helmer: Mas você é minha mulher; como é agora e como o que quer que venha a ser.

Nora: Ouça, Torvald. Quando uma mulher deixa a casa de seu marido, como eu estou fazendo agora, a leis – segundo ouço dizer – absolvem o marido de qualquer obrigação para com ela. De qualquer modo, eu o deixo livre de agora em diante. Inteira liberdade de parte a parte. Olha, aqui está o seu anel: devolva o meu.

Nesta edição, a tradução de Gabor Aranyi situa o texto em um nível de linguagem que a um só tempo confere grande fluidez e verossimilhança aos diálogos. Nela os diálogos, situados na privacidade do lar pequeno-burguês ou em situações informais de interlocução, oferecem-se ao leitor sem artificialismos retóricos voltados a dificultar gratuitamente a linguagem ou a conferir-lhe uma erudição que os críticos não apontam no texto original, e fazer sem concessões a populismos linguísticos que, no afã de “facilitar” a leitura, terminam por corromper a própria obra.

A leitura coletiva dramática desse texto e, mais ainda, a montagem dessa peça na escola têm como facilitadores o reduzido número de personagem, a exiguidade dos ambientes em que o drama se desenrola, a temática muitíssimo atual e os diálogos primorosos, por meio dos quais a consciência de Nora vai sendo despertada para a possibilidade de alteração radical de seu destino, ainda que a custa da decepção e da dor.

FONTE: Ibsen, Herik. Casa de Bonecas. Trad. Gabor Aranyi. São Paulo, Ed. Vereda, 2007.

A Casa de Bernarda Alba, de García Lorca

A Casa de Bernarda Alba é o único texto em prosa que Federico Garcia Lorca escreveu para teatro. É também uma espécie de canto de cisne do poeta, que pouco depois se tornaria vítima inocente da ditadura franquista que tanto abominou.

Nessa peça, Bernarda Alba exerce um poder tirânico sobre as filhas. Estas, submetidas a uma lógica autoritária voltada a um passado morto e a um moralismo sufocante, são como que cozidas na panela de pressão em que a casa foi transformada pela viuvez, em segundo matrimônio, da matriarca, que decreta um luto de oito anos a todas e aspira a um total controle da vida das filhas:

Pôncia: Como sujaram o chão!

Bernarda: Parece que uma manada de cabras passou por aqui. (Pôncia limpa o chão.) Filha, me dê um leque.

Adela: (Adela lhe dá um leque com flores vermelhas e verdes).

Bernarda: (Arremessando o leque ao chão) É um desse que se dá a uma viúva? Dê-me um leque negro e aprende a respeitar o luto de teu pai.

Martírio: Toma o meu.

Bernarda: E você?

Martírio: Não tenho calor.

Bernarda: Busca outro, pois vai fazer falta. Nos oito anos que durar o luto, não entrará nesta casa a brisa da rua. Faz de conta que tapamos com tijolos as portas e janelas. Foi assim na casa de meu pai e na casa de meu avô. Enquanto isso, comecem a bordar o enxoval. Na arca tenho vinte peças de linho com as quais podem cortar lençóis e mantos. Madalena pode bordá-los.”

Porém, em uma panela de pressão só se pode esperar que tudo se cozinhe mais rápido e a temperaturas superiores.

A mãe, acreditando ter o controle total do que se passa na casa não toma conhecimento do drama amoroso clandestino que se desenrola sob seu nariz, e cujo desfecho se revelará profundamente trágico.

A linguagem expressiva acrescenta carga emocional aos diálogos já bastante carregados de tensões, estas, decorrência direta das imposições da matriarca e de seu papel declarado de miliciana da repressão sexual.

Não apenas pelo valor artístico, político e histórico da peça, mas também pela atualidade do tema de que trata, a sexualidade feminina, o texto merece ser estudado, encenado e debatico na escola.

Com certeza isso suscitará vivo debate e acrescentará vitalidade ao cotidiano escolar que, quanto mais vivo e dinâmico, mais produtivo e cativante – para alunos e professores.

FONTE: Lorca, Federico. A Casa de Bernarda Alba. Trad. Marcus Mota. São Paulo, Ed. UnB; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000.

Seleta em Prosa e Verso, de Ariano Suassuna


Silviano Santiago, organizador

Esta Seleta em Prosa e Verso de Ariano Suassuna reúne textos bastante representativos da obra do autor. Organizada por Silviano Santiago – outro importante escritor, teórico e crítico brasileiro –, que abre o livro com um breve mas significativo artigo sobre a obra do autor, o volume oferece um bom panorama da produção desse que é um dos mais versáteis, inventivos e produtivos autores da literatura brasileira.

A obra está divida em quatro partes: “Teatro”, “Poesia”, “Ficção” e “Depoimento”, no qual o próprio Ariano Suassuna discorre sobre as fontes populares de sua pesquisa estética.

Ariano Suassuna tem uma extensa obra e, portanto, esta seleta é uma amostra que convida o leitor a frequentar as páginas dos livros-fonte. Porém é um convite sedutor, uma vez que os excertos selecionados por Silviano Santiago são, além de representativos, de grande beleza. Vejamos um, a título de exemplo:


“Aqui, morava um Rei, quando eu menino

vestia ouro e castanho no Gibão.
Pedra da sorte sobre o meu Destino,
pulsava, junto ao meu, seu Coração.

Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava, com voz rouca, o Desatino,
o sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu Pai. Desde esse dia
eu me vi como um Cego, sem meu Guia,
que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,
ele a Brasa que impele o Fogo, acesa,
espada de Ouro em Pasto ensanguentado.”


A linguagem de Suassuna, seja no teatro, seja na poesia, seja na ficção, tem um indisfarçável arranjo poético que encanta enquanto conta. As sagas do sertão e de personagens populares estão representadas não apenas em enredos cheios de símbolos e alegorias, mas com igual ênfase em linguagem sofisticada, cujo ritmo e música suscitam, pelo embalo da audição, imagens e vestígios de passados míticos e místicos, afundados no tempo, que evocam aventuras e heroísmos da Idade Média, tão presentes na tradição popular no Nordeste.

O Auto da Compadecida, talvez a obra mais conhecida do autor, adaptado por Guel Arraes, com um elenco de grande gabarito (Fernanda Montenegro, Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Maurício Gonçalves, Lima Duarte, Rogério Cardoso, Virginia Cavendish, Paulo Goulart, Antônio Morais, Denise Fraga, Diogo Vilela, Luís Melo, Bruno Garcia, Marco Nanini, Aramis Trindade entre outros de igual prestígio e relevância) foi sucesso nas telas do cinema e é sucesso até hoje nas telas da televisão.

Assistir ao filme é uma boa pedida para a realização de trabalhos em sala de aula que ousem enfrentar a rotina e incorporar a interpretação oral ou a montagem cênica, ainda que seja somente de trechos escolhidos – o que não é atividade de menor importância.

Porém a primeira filmagem é de 1969, na qual o próprio Suassuna participou na elaboração do roteiro:



A Compadecida é um filme brasileiro de 1969, do gênero comédia, dirigido por George Jonas e roteiro de Ariano Suassuna e George Jonas, baseado na premiada peça de Ariano Suassuna, A Compadecida. Foi gravado em Brejo da Madre de Deus, em Pernambuco. Fonte: Wikipedia.

Os textos presentes nesta antologia têm vocação oral e cênica e, com certeza, os estudantes teriam um contato mais amplo e aprofundado com eles se tivessem a oportunidades de experimentá-los oral e coletivamente, a partir de técnicas teatrais e de leitura expressiva. 

FONTE: Suassuna, Ariano. Seleta em Prosa e Verso. Org. Silviano Santiago. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 2007.