segunda-feira, 12 de abril de 2010

Fahrenheit 451, de Ray Bradbury

Trad. Cid Knipel

Fahrenheit 451 (Trad. Cid Knipel. São Paulo, Ed. Globo, 2003), de Ray Bradbury já nasceu clássico. Adaptado para o cinema por François Truffaut, trata de um futuro não muito distante, quando os livros (metáforas do saber), proibidos, serão incendiados junto com seus leitores. Nesse futuro sombrio as televisões ocuparão paredes inteiras das residências e exercerão uma ditadura midiática cujo peso, nestes ano de 2015, conhecemos muito bem.

O livro é uma contundente alegoria contra regimes autoritários, para os quais nada pode haver de mais perigoso do que certos tipos de livros – e nada mais conveniente e eficaz do que a uniformização do pensamento humano. O que está em questão, aqui, é menos a ficção científica e mais a denúncia contra a manipulação das consciências, contra a censura e contra todos os totalitarismos, particularmente os que impedem o livre exercício do pensamento.

O livro, na edição em questão, conta ao início com uma breve biografia do autor e com um esclarecedor prefácio de Manuel da Costa Pinto. Ao final, escritos pelo próprio autor, dois contundentes textos alertam o leitor para práticas nocivas de censura que, apoiadas em senso comum ou em preconceitos, resultam no mau hábito de se amputar textos literários destinados à escola.

Na história cheia de simbolismos e alegorias, um bombeiro – numa época em que eles só são úteis para pôr fogo em livros – vê a fé em sua profissão paulatinamente ruir. A amizade com uma jovem vizinha, participante de uma comunidade clandestina de leitores, acrescenta dúvidas a sua insegurança acerca da ordem incendiária vigente.

Num mundo em que a ordem totalitária impera e as televisões exercem um poder esmagador, só resta a clandestinidade e a marginalidade àqueles que não se encaixam nos padrões impostos a ferro e a fogo. Forçados a viver num mundo sem livros, os leitores mais radicais passam a se refugiar em áreas excluídas da urbe e a decorar obras inteiras, de modo a que o patrimônio intelectual seja preservado ao máximo, enquanto cada um viver.

Diz um personagem, após uma hecatombe nuclear que, durando um segundo, faz toda a cidade opressora desaparecer do mapa:

“Agora, vamos subir o rio (...). E nos concentrar num só pensamento: não somos importantes, não somos nada. Algum dia, a carga que estamos carregando [os livros que decoraram inteiros, como fossem bibliotecas vivas e ambulantes] conosco poderá ajudar alguém. Mas, mesmo quando tínhamos os livros às mãos, muito tempo atrás, não usávamos o que tirávamos deles. Continuávamos a insultar os mortos. Continuávamos a cuspir nos túmulos de todos os infelizes que morreram antes de nós. Durante a próxima semana iremos encontrar muitas pessoas solitárias, tal como no próximo mês e no próximo ano. E quando perguntarem o que estamos fazendo, poderemos dizer: estamos nos lembrando”.

Lembrar-se no caso, não da catástrofe nuclear, mas de cada palavra, cada vírgula do texto que, proibido em versão impressa, foi decorado, como o fazem os atores de teatro.


Em certo sentido, o autor deste clássico, de Crônicas Marcianas e Algo Sinistro Vem por Aí nem sabia que estava inventando, em 1953, antes mesmo da internet, uma versão muito mais sofisticada do que o e-book: o human-book, destinado a reconstituir por meio de sua memória o patrimônio humano destruído pela estandartização – catástrofe só possível em razão de uma humanidade que não resistiu a ela e a preferiu à liberdade.

Comparar o romance com o filme de François Truffaut é inevitável, até porque, embora ambos sejam primorosos, há enormes diferenças entre um e outro.

FONTE: Bardbury, Ray. Fahrenheit 451. Trad. Cid Knipel. São Paulo, Ed. Globo, 2003.

A Hora da Estrela, Clarice Lispector


A Hora da Estrela é uma das mais importantes obras de Clarice Lispector. A contundência da escrita, aqui, remove camadas superficiais da realidade para desvelar a situação de emparedamento da personagem principal frente a barreiras sociais de dificílima transposição. A temática social e a linguagem elaborada de forma requintada resultam em um texto paradigmático da literatura contemporânea brasileira.

O livro articula num só enredo Macabea, retirante alagoana que, como tantas, busca sorte e felicidade na cidade grande, Rio de janeiro, e o fictício escritor Rodrigo S. M, encarregado de narrar essa saga que não dará em leite e mel, mas em desacertos e amarguras.

Coadjuvante em sua própria história, Macabea só terá protagonismo no momento de sua morte, quando será atropelada por um automóvel importado, cujo motorista guarda semelhança com a descrição de seu “príncipe encantado”, feita pela cartomante a quem consultou.

A linguagem tendendo para dialeto regional, registra, em que pese a evidente crítica social, as esperanças ingênuas de uma personagem que será ludibriada pelo oportunismo (representado pelo namorado que a troca por outra de maiores posses); espezinhada pela insensibilidade (de uma cidade que dá as costas às suas dificuldades) e destruída pela frieza humana (representada pela máquina que a destroça ironicamente).

Adaptado para o cinema por Suzana Amaral em 1985, essa história incômoda não cessa de ver seu público crescer. A ingenuidade da rústica Macabea em oposição à falta de escrúpulos da sofisticada cidade expõe com eloquência o choque de valores não só culturais, mas também morais e humanos, aos quais a autora quis, sem dúvida aludir.

Ler e discutir o romance e compará-lo com o filme configura duplo prazer estético, uma vez que a adaptação de Suzana Amaral é de excelente realização e conta com um elenco bastante competente, no qual se contam: José Dumont, Tamara Taxman, Fernanda Montenegro, Denoy de Oliveira entre outros.

FONTE: Lispector, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 1998.

De Moto pela América do Sul, Che Guevara



Che Guevara
Trad. Diego Ambrosini

Este Diário de Viagem, de Che Guevara, é o registro da mesma aventura que ensejou o filme de Walter Salles Diários de motocicleta. Trata-se do diário em que o revolucionário latino americano registrou sua aventura pela América do Sul, em 1952, da Argentina à Venezuela, com o amigo Alberto Granado sobre sua motocicleta Norton 500, La Poderosa, assim por ele chamada.

O gênero “livro de viagem” é bastante apreciado pelos mais diversos leitores, das mais diversas classes sociais e dotados das mais diversas experiências de leitura. Numa época em que países europeus lançavam-se às conquistas pelos mais distantes rincões da terra, esse gênero vicejou por inundar a imaginação dos leitores com paisagens exóticas, descrições fantásticas e aventuras recheadas de imaginação.

Do século XIV ao século XIX – quando romances de viagens e aventuras predominaram no Romantismo – é abundante a produção nesse gênero. A partir do século XX, no entanto, com o evento do cinema (a rivalizar com todos os outros meios e gêneros em termos de possibilidade de extasiar os sentidos a partir das imagens) e com a possibilidade de registro sonoro em navios e expedições (o que dispensa a nota escrita), o livro de viagem perdeu um pouco do espaço que tinha, todavia ainda hoje abastece muita literatura, da melhor qualidade, produzida pelo mundo.

O Diário de Viagem de Che Guevara interessa por apresentar ao leitor um pouco das impressões desse revolucionário que sonhou a América Latina como uma só unidade. Quanto desse seu sonho já não está presente nessas páginas de sua mais tenra juventude?

Não está em questão aqui os acertos e erros do homem, mas as expectativas que, quando jovem, ele nutriu em relação a um continente em grande parte florestal, mas já com uma história sofrida e com marcas de profundas contradições econômicas e sociais – nas quais pontua inequivocamente a injustiça e quase sempre a lei do mais forte.

Uma atividade proveitosa a ser explorada é a comparação entre o Diário e o filme de Walter Salles.

FONTE: Guevara, Ernesto Che. De Moto Pela América do Sul – Diário de Viagem. Trad. Diego Ambrosini. São Paulo, Ed. Sá, 2001.


LANÇAMENTO
Era uma vez no meu Bairro
ZONA NORTE – Nova Edição
ZONA LESTE – Inédito
Dia 18 de outubro de 2011
19:30h
Livraria do Espaço Unibanco de Cinema da Rua Augusta
SÃO PAULO - SP