segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Hora da Estrela, Clarice Lispector


A Hora da Estrela é uma das mais importantes obras de Clarice Lispector. A contundência da escrita, aqui, remove camadas superficiais da realidade para desvelar a situação de emparedamento da personagem principal frente a barreiras sociais de dificílima transposição. A temática social e a linguagem elaborada de forma requintada resultam em um texto paradigmático da literatura contemporânea brasileira.

O livro articula num só enredo Macabea, retirante alagoana que, como tantas, busca sorte e felicidade na cidade grande, Rio de janeiro, e o fictício escritor Rodrigo S. M, encarregado de narrar essa saga que não dará em leite e mel, mas em desacertos e amarguras.

Coadjuvante em sua própria história, Macabea só terá protagonismo no momento de sua morte, quando será atropelada por um automóvel importado, cujo motorista guarda semelhança com a descrição de seu “príncipe encantado”, feita pela cartomante a quem consultou.

A linguagem tendendo para dialeto regional, registra, em que pese a evidente crítica social, as esperanças ingênuas de uma personagem que será ludibriada pelo oportunismo (representado pelo namorado que a troca por outra de maiores posses); espezinhada pela insensibilidade (de uma cidade que dá as costas às suas dificuldades) e destruída pela frieza humana (representada pela máquina que a destroça ironicamente).

Adaptado para o cinema por Suzana Amaral em 1985, essa história incômoda não cessa de ver seu público crescer. A ingenuidade da rústica Macabea em oposição à falta de escrúpulos da sofisticada cidade expõe com eloquência o choque de valores não só culturais, mas também morais e humanos, aos quais a autora quis, sem dúvida aludir.

Ler e discutir o romance e compará-lo com o filme configura duplo prazer estético, uma vez que a adaptação de Suzana Amaral é de excelente realização e conta com um elenco bastante competente, no qual se contam: José Dumont, Tamara Taxman, Fernanda Montenegro, Denoy de Oliveira entre outros.

FONTE: Lispector, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 1998.

De Moto pela América do Sul, Che Guevara



Che Guevara
Trad. Diego Ambrosini

Este Diário de Viagem, de Che Guevara, é o registro da mesma aventura que ensejou o filme de Walter Salles Diários de motocicleta. Trata-se do diário em que o revolucionário latino americano registrou sua aventura pela América do Sul, em 1952, da Argentina à Venezuela, com o amigo Alberto Granado sobre sua motocicleta Norton 500, La Poderosa, assim por ele chamada.

O gênero “livro de viagem” é bastante apreciado pelos mais diversos leitores, das mais diversas classes sociais e dotados das mais diversas experiências de leitura. Numa época em que países europeus lançavam-se às conquistas pelos mais distantes rincões da terra, esse gênero vicejou por inundar a imaginação dos leitores com paisagens exóticas, descrições fantásticas e aventuras recheadas de imaginação.

Do século XIV ao século XIX – quando romances de viagens e aventuras predominaram no Romantismo – é abundante a produção nesse gênero. A partir do século XX, no entanto, com o evento do cinema (a rivalizar com todos os outros meios e gêneros em termos de possibilidade de extasiar os sentidos a partir das imagens) e com a possibilidade de registro sonoro em navios e expedições (o que dispensa a nota escrita), o livro de viagem perdeu um pouco do espaço que tinha, todavia ainda hoje abastece muita literatura, da melhor qualidade, produzida pelo mundo.

O Diário de Viagem de Che Guevara interessa por apresentar ao leitor um pouco das impressões desse revolucionário que sonhou a América Latina como uma só unidade. Quanto desse seu sonho já não está presente nessas páginas de sua mais tenra juventude?

Não está em questão aqui os acertos e erros do homem, mas as expectativas que, quando jovem, ele nutriu em relação a um continente em grande parte florestal, mas já com uma história sofrida e com marcas de profundas contradições econômicas e sociais – nas quais pontua inequivocamente a injustiça e quase sempre a lei do mais forte.

Uma atividade proveitosa a ser explorada é a comparação entre o Diário e o filme de Walter Salles.

FONTE: Guevara, Ernesto Che. De Moto Pela América do Sul – Diário de Viagem. Trad. Diego Ambrosini. São Paulo, Ed. Sá, 2001.


LANÇAMENTO
Era uma vez no meu Bairro
ZONA NORTE – Nova Edição
ZONA LESTE – Inédito
Dia 18 de outubro de 2011
19:30h
Livraria do Espaço Unibanco de Cinema da Rua Augusta
SÃO PAULO - SP

200 Crônicas Escolhidas, de Rubem Braga

Antologia de crônicas bastante representativa e ampla de um dos maiores cronistas brasileiros, estas 200 Crônicas Escolhidas, de Rubem Braga, oferecem ao leitor um excelente painel da produção do autor que, ao imprimir à crônica um estilo de tal forma poético, contribuiu decisivamente para que ela se alçasse à condição de gênero literário apreciado e frequentadíssimo.

Esta seleção é organizada a partir de obras publicadas anteriormente, das quais um certo número de crônicas foi extraído. Assim, estão representados nesta antologia os livros: O conde e o passarinho (1936); Morro do isolamento (1944); Com a FEB na Itália (1945); Um pé de milho (1948); O homem rouco (1948); A borboleta amarela (1955); A cidade e a roça (1957); Ai de ti, Copacabana! (1960) e A traição das elegantes (1967).

As crônicas de Rubem Braga transpiram humanidade, suavidade e poesia. Em seu texto, temas do cotidiano, aparentemente despidos de maior interesse, ganham relevo a partir de um ponto de vista agudo às sutilezas de detalhes e de uma linguagem trabalhada com sofisticação, mas sem sombra de preciosismos.
Nessas 200 crônicas o leitor tem a oportunidade de ver o tempo e os costumes passarem ante seus olhos não como em um desfile, mas como um passeio despreocupado pelas ruas, pelas cidades, mas também pelos destroços – caso daquelas relativas à Segunda Grande Guerra.

A mensagem que parece brotar desses textos é a de que a vida é simples e de que, se não é melhor, é porque nós a complicamos demais, detendo-nos em aspectos supérfluos que nos distanciam das coisas realmente essenciais, todas elas relacionadas à amizade, ao entendimento entre os homens, à poesia.

Como aqui se trata de crônicas, seria muito proveitoso procurar identificar em atividades de pesquisa ou escolares os elos entre os textos de cada uma e seu elo com o período de que trata. Isso daria oportunidade para que se observassem neles aspectos que garantem às crônicas de Rubem Braga a permanência com relevo na literatura brasileira, aspectos menos afetados pelo tempo, mais atemporais, por assim dizer. Quais seriam esses aspectos? Por que uma crônica da década de 1930 ainda nos toca de modo tão comovente?

FONTE: Braga, Rubem. 200 crônicas escolhidas. 27 ed. Rio de Janeiro, Ed. Record, 2009.