segunda-feira, 12 de abril de 2010

Seleta em Prosa e Verso, de Ariano Suassuna


Silviano Santiago, organizador

Esta Seleta em Prosa e Verso de Ariano Suassuna reúne textos bastante representativos da obra do autor. Organizada por Silviano Santiago – outro importante escritor, teórico e crítico brasileiro –, que abre o livro com um breve mas significativo artigo sobre a obra do autor, o volume oferece um bom panorama da produção desse que é um dos mais versáteis, inventivos e produtivos autores da literatura brasileira.

A obra está divida em quatro partes: “Teatro”, “Poesia”, “Ficção” e “Depoimento”, no qual o próprio Ariano Suassuna discorre sobre as fontes populares de sua pesquisa estética.

Ariano Suassuna tem uma extensa obra e, portanto, esta seleta é uma amostra que convida o leitor a frequentar as páginas dos livros-fonte. Porém é um convite sedutor, uma vez que os excertos selecionados por Silviano Santiago são, além de representativos, de grande beleza. Vejamos um, a título de exemplo:


“Aqui, morava um Rei, quando eu menino

vestia ouro e castanho no Gibão.
Pedra da sorte sobre o meu Destino,
pulsava, junto ao meu, seu Coração.

Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava, com voz rouca, o Desatino,
o sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu Pai. Desde esse dia
eu me vi como um Cego, sem meu Guia,
que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,
ele a Brasa que impele o Fogo, acesa,
espada de Ouro em Pasto ensanguentado.”


A linguagem de Suassuna, seja no teatro, seja na poesia, seja na ficção, tem um indisfarçável arranjo poético que encanta enquanto conta. As sagas do sertão e de personagens populares estão representadas não apenas em enredos cheios de símbolos e alegorias, mas com igual ênfase em linguagem sofisticada, cujo ritmo e música suscitam, pelo embalo da audição, imagens e vestígios de passados míticos e místicos, afundados no tempo, que evocam aventuras e heroísmos da Idade Média, tão presentes na tradição popular no Nordeste.

O Auto da Compadecida, talvez a obra mais conhecida do autor, adaptado por Guel Arraes, com um elenco de grande gabarito (Fernanda Montenegro, Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Maurício Gonçalves, Lima Duarte, Rogério Cardoso, Virginia Cavendish, Paulo Goulart, Antônio Morais, Denise Fraga, Diogo Vilela, Luís Melo, Bruno Garcia, Marco Nanini, Aramis Trindade entre outros de igual prestígio e relevância) foi sucesso nas telas do cinema e é sucesso até hoje nas telas da televisão.

Assistir ao filme é uma boa pedida para a realização de trabalhos em sala de aula que ousem enfrentar a rotina e incorporar a interpretação oral ou a montagem cênica, ainda que seja somente de trechos escolhidos – o que não é atividade de menor importância.

Porém a primeira filmagem é de 1969, na qual o próprio Suassuna participou na elaboração do roteiro:



A Compadecida é um filme brasileiro de 1969, do gênero comédia, dirigido por George Jonas e roteiro de Ariano Suassuna e George Jonas, baseado na premiada peça de Ariano Suassuna, A Compadecida. Foi gravado em Brejo da Madre de Deus, em Pernambuco. Fonte: Wikipedia.

Os textos presentes nesta antologia têm vocação oral e cênica e, com certeza, os estudantes teriam um contato mais amplo e aprofundado com eles se tivessem a oportunidades de experimentá-los oral e coletivamente, a partir de técnicas teatrais e de leitura expressiva. 

FONTE: Suassuna, Ariano. Seleta em Prosa e Verso. Org. Silviano Santiago. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 2007.

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto


Morte e Vida Severina é a mais conhecida obra de João Cabral de Melo Neto e, embora esta edição receba o título dessa importante obra, ela reúne na verdade além do texto do poema dramático: um prefácio bastante elucidativo e orientador ("Arte de ver e de dizer", de Bráulio Tavares); as obras: O Rio (poemas, 1953), Paisagem com Figuras (poemas, 1954-1955), Morte e Vida Severina (teatro/auto de natal, 1954-1955), Uma Faca Só Lâmina (poemas, 1955); e os apêndices: “Cronologia”, “Bibliografia do Autor”, “Bibliografia Selecionada sobre o Autor”, “Índice de “Títulos e “Índice de Primeiros Versos”, para facilitar a consulta.

Na obra que dá título ao volume, Severino, em sua jornada rumo ao litoral de Pernambuco em busca de melhores condições de vida, se apresenta ao leitor e o põe em contato com a linguagem nordestina e com a paisagem humana e social devastada pela miséria.

Sua atitude frente aos percalços é de enfrentamento, e as falas que se alternam em versos rimados e em ritmo hipnótico incitam no leitor o desejo de acompanhar a jornada, na qual vida e morte, resistência e injustiça social se imbricam num só labirinto de linguagem e de experiências humanas:

“– A quem estais carregando,
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede?
– A um defunto de nada,
Irmão das almas,
que há muitas horas viaja
a sua morada.
– E sabeis quem era ele,
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama
ou se chamava?
– Severino Lavrador,
Irmão das almas,
Severino Lavrador,
mas já não lavra.
(...)
– E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
– Até que não foi morrida,
irmão das almas,
essa foi morte matada,
numa emboscada.”

Em 1965, o poema foi musicado por Chico Buarque de Hollanda, então estudante universitário, sem o consentimento prévio do autor – segundo depoimento do próprio músico. Porém, o autor curvou-se à repercussão da peça que, musicada passou a ser encenada por todo o país, por grupos profissionais e estudantis, anos após ano.

Informações sobre o poema e sobre a peça musicada podem ser encontradas em abundância na internet. Estudar esse material e encenar a peça na escola constitui um verdadeiro banho de imersão na cultura, no teatro e na melhor poesia de língua portuguesa. Quem topa, levanta a mão.

FONTE: Melo Neto, João Cabral de. Morte e Vida Severina. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2007.

O Santo Inquérito, de Dias Gomes


Branca Dias é uma bela jovem, respeitadora da família, sincera em sua fé em Deus e será queimada na fogueira em 1750, por ordem do Tribunal da Santa Inquisição, a partir da acusação formulada pelo Padre Bernardo que, salvo de afogamento pela jovem, tem sua fé abalada pela libido que a mesma jovem lhe desperta.

A ingenuidade da jovem em relação aos sentimentos do padre e sua ignorância acerca das origens judaicas da família a levarão, como uma borboleta indefesa, à teia de aranha em que se entrecruzam o recalque sexual do padre Bernardo e os interesses da Igreja, naquele período profundamente ligados ao do Estado.

Nada que disser livrará a jovem da teia mortífera em que se enredou por distração quando salvou o padre do afogamento. Ao contrário disso, cada frase por ela emitida em sua defesa será interpretada pelo “homem” Bernardo como em menoscabo de sua atração – por isso convertida em ciúme tormentoso – e pelo “padre” Bernardo como manifestação herética:

Padre: você me estendeu a mão uma vez e me salvou a vida; agora é a minha vez de retribuir com o mesmo gesto.

Branca: Mas eu não estou em perigo, padre.

Padre: Toda criatura humana está em permanente perigo, Branca. Lembre-se de que Deus nos fez de matéria frágil e deformável. Ele nos moldou em argila, a mesma argila de que são feitos os cântaros, que sempre um dia se partem.

Branca (Ri): Tenho um cântaro que meus avós trouxeram de Portugal. Durou três gerações e até hoje não se partiu.

Padre: Naturalmente porque sempre teve mãos cuidadosas a lidar com ele e a protegê-lo. Queria que você me permitisse protegê-la também, defendê-la também, porque é uma criatura tão frágil e tão preciosa como esse cântaro.

Branca: Eu lhe agradeço. Mas não acho que mereça tantos cuidados de sua parte. Sou uma criatura pequenina e fraca, sim, mas não me sinto cercada de perigos e tentações.

Padre: A segurança com que você diz isso já é, em si, um perigo. Prova que você ignora as tentações que a cercam.”

A peça leva para as luzes do palco três dramas humanos muito atuais, a pretexto de um evento ocorrido no século XVIII: o do homem que, privado do amor e do sexo pela religião, torce por meio da retórica os fatos para seus próprios interesses; o da estigmatização e da perseguição de uma fé religiosa por outra associada ao Estado; e o da violência extrema contra a mulher.

Diante do leitor do texto ou do expectador da peça, o drama de Branca Dias evolui como uma procissão de pesadelo: a jovem é boa e generosa, defende-se com sinceridade, mas caminha celeremente para a fogueira, que vai sendo armada e alimentada pela mágoa pessoal de um homem, cujo sentimento ferido aciona cordões do poder, e pela hipocrisia do Tribunal da Inquisição, que necessita de fogueiras esporádicas para justificar sua existência.

Se o texto da peça possibilita o estabelecimento de ricas relações entre literatura, história e política, a montagem dela na escola permite que se vislumbre em cena três importantes temas sociais, bastante em voga nos dias de hoje: a sexualidade humana, a intolerância religiosa e o papel da mulher na família, na sociedade e no mundo do trabalho.

Outra atividade interessantíssima seria comparar o texto e a eventual montagem dessa peça com outra do mesmo autor: O Pagador de Promessas. Quais pontos de contato há entre elas? Quais diferenças? Que temas abordam e que dramas põem em cena?

Após realizar trabalhos de leitura e cênico com esse texto de Dias Gomes, seria interessante observar o comportamento dos estudantes e seu interesse nos estudos.

FONTE: Gomes, Dias. O Santo Inquérito. 26 ed. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 2009.