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quinta-feira, 25 de julho de 2024

CRÔNICA - 1973


 As lembranças de escola terminam por ter um papel importante, porque a vida nela era muito diferente da vida de menino de quintal, descalço, sem camisa, que gostava de trepar em árvores e andar sobre cercas, muros e telhados.

Porém, embora novos amigos e algumas paixões infantis fossem bem interessantes, a vida, a vida mesmo, estava muito além dos muros e portões escolares. Tanto que, quando tocava a sineta da saída, disparávamos enlouquecidos pelas escadas e corredores até atingirmos a rua, que nos atiçava a sensação de liberdade — sensação que até hoje a rua me inspira.

Talvez por isso às vezes me sufoco e saio por aí a bater cabeça pelas ruas da cidade, até me cansar e desejar voltar para casa.

1973

Que tardes intermináveis
aquelas do terceiro ano escolar.
O calor
a chateação
o medo de reguada
a dona Laura dedo-duro
a dona Benedita irada
o diretor Nelson sádico.
Tomei gosto da liberdade
Por inspiração
desses três tiranos.
(Livro de Infância - Poema 69)


segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

DIÁRIO DE CLASSE: Professor confundido com cesto de lixo

Durante um ano, que não digo quando, fui guardando num saquinho plástico as bolinhas de papel que alunos de algumas turmas atiravam em minhas costas enquanto eu estava anotando no quadro negro. Professor recém-contratado, me esforcei por interpretar essa prática não como uma atitude consciente de humilhação do professor, mas como uma grande desorientação e carência e mecanismos de expressão. Não digo que obtive sucesso na indagação psicofilosófica. É lógico que foi impossível não ficar chocado e profundamente triste, de uma tristeza de não ter vontade de ir trabalhar. Mas eu tinha que admitir, eles não tinham a exata dimensão simbólica do que faziam.

Prova disso  é que outros objetos voavam pela sala de forma aparentemente  caótica - mas só aparentemente. Se alguém precisava de um lápis, voava um lápis na direção do solicitante. Eventualmente a ponta do lápis atingia um rosto, e a briga verbal começava, envolvendo todos. Como revide do lápis pontudo na cara, voava um caderno em direção contrária.

Que ano duro foi aquele que não conto qual foi.

Leia esta Zona crua.
O problema não era falta de respeito para com o professor ou para com os colegas, mas uma cultura de vozes alteradas, contatos físicos voluntários, involuntários e não consentidos substituindo a palavra cordial; de reações físicas desproporcionais e de linguagem extremante agressiva, chula mesmo, a todo momento e a qualquer propósito. Uma cultura do choque, do confronto e da afronta.

Porém notei que a quantidade de bolinhas de papel em minhas costas se reduziu quando desloquei a lixeira da posição em que se encontrava, ao lado da mesa do professor, para perto da porta. Se minha raiva inicial não me tivesse cegado, teria observado que eles brincavam, quando o professor estava de costas, de atirar bolinhas não no professor, mas na cesta. Talvez alguns errando de propósito, meu ressentimento me permite supor.

Como fui idiota por um bom tempo... Meio que tacitamente combinei que haveria hora para o arremesso ao cesto, não precisavam me esperar virar as costas. E procurei com taxa pequena de sucesso aparente conversar com cada aluno, buscando que expressassem em suas redações suas "neuras".

É lamentável admitir, mas no final do ano, em casa, olhei com vergonha para meu saquinho de plástico cheio de inocentes bolinhas de papel - vergonha porque havia em mim uma certa maldade  em colecioná-las. Não sei se até assimilar o gesto e compreendê-lo intimamente não acalentei o impulso vingativo de devolver cada uma daquelas bolotas a cada um de direito num momento apoteótico, tipo "grand finale".

No ano seguinte não só bolinhas, mas objetos pararam de voar pelas salas em que lecionei. Mas ainda me acorre por vezes a sensação desconfortável e o instinto não sei se perverso de achar que algumas daquelas bolinhas não tinham como endereço o cesto de lixo.

JEOSAFÁ, professor, foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo. É escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);  em maio de 2015, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora; no mesmo ano publicou A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo, pela editora Mercuryo Jovem. Leciona atualmente para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Presentaço do dia do Professor

Foto com alunos do Colégio Eco, na Lapa de baixo, São Paul - SP.
O grande técnico da seleção de 1970
João Saldanha.
Ontem, dia do Professor, meu dia, estive no colégio Eco, na Lapa de baixo, em São Paulo. A escola adotou para o Ensino Fundamental 2 meu livro O diário secreto das Copas, uma novela em que articulei uma história de amor de origem medieval com as biografias do grande João Saldanha e de Therezinha Zerbini,a corajosa lutadora pelos direitos humanos e líder da campanha da Anistia, que colocou a ditadura militar brasileira no banco dos réus.
 

A base literária da novela é a mitológica história irlandesa de Tristão e Isolda, que serviu de base para Shakespeare escrever Romeu e Julieta.

A corajosa Therezinha Zerbini.
A origem dessa comovente história de amor se perde na noite do tempo, na distante Idade Média alemã, na versão Libah e Gunthram – que por sua vez inspirou Victor Hugo e escrever Pecopin e Baldour (que traduzi direto do francês e adaptei para HQ com meu amigo, o ilustrador João Pinheiro).

A conversa com os adolescentes foi muito legal. Carinhosos e curiosos sobre os segredos que estão por detrás das históricas contatadas na novela, ele levantaram hipóteses, teceram interpretações, apontaram possibilidades de leitura para muito além do que eu mesmo tinha imaginado...

Leci Brandão com o livro
O jovem Mandela.
Noutra palavras, recebi um presentaço  do dia dos professores, eu, que há uns 6 anos estou fora da sala de aula – enquanto docente, pois, enquanto autor, tenho frequentado a sala de aula “como nunca antes neste país!” rs rs rs.


Obrigado ao ECO, aos professores e à coordenadora que confiaram seu maior tesouro – seus alunos –, ao mundo que inventei no livro e à minha conversa de ontem.

PS. Sorteei dois volumes do meu livro O Jovem Mandela. Os sortudos foram dois alunos número 13!




Jeosafá é autor de ficção, poesia, ensaios e obras para formação docentes. Professor, lecionou por mais de 15 anos para a Educação Básica e para o Ensino Superior. Conheça sua série de romances sobre São Paulo em clicando em Era uma vez no meu bairro.