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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Mantenham os esforços pelo desarmamento nuclear*



Sérgio Duarte- Tradução: Jeosafá Fernandez Gonçalves

Em 2005, Sérgio Duarte, alto representante das Nações Unidas para o desarmamento nuclear, presidiu a Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Nesta entrevista concedida à revista francesa PAIX (Paz) ele faz uma análise sobre o futuro do desarmamento nuclear.

Revista Paix: As disposições tomadas pelos Estado Nucleares membros do TNP são suficientes para conduzir a um mundo sem armas nucleares?

Sérgio Duarte: A resposta é simples: Não. Suficiência é um termo abrangente que, por seu lado, exige, entre outros, o aporte de recursos e sustentação governamental importantes. Quando digo isso, refiro-me a criação de organizações governamentais com mandatos, recursos, tempo, aporte de legislação específico e uma responsabilidade pública para atingir esse objetivo. Parece haver uma lacuna entre os compromissos internacionais pelo desarmamento e os mecanismos locais para concretizá-los.
A esse déficit institucional, eu acrescentaria um déficit de inspiração. É possível atingir a esse objetivo de uma maneira confiável e certa. O desarmamento tem legitimidade para merecer um aporte público maciço e durável. Certamente mais do que a dispensa de vastos recursos em nome de armas cuja moralidade, legalidade e utilidade são amplamente questionáveis.
As armas nucleares não podem dissuadir ataques terroristas catastróficos, nem servir de maneira alguma como resposta a esses ataques. No entanto, sua perpetração gera novos tipos de riscos terroristas relativos à perda ou ao roubo de armas nucleares ou de matéria físsil. Os controles de segurança podem somente diminuir tais riscos, mas não participam efetivamente do esforço de desarmamento.
Revista Paix: Algumas dessas disposições distanciaram o mundo do objetivo do desarmamento nuclear?
Sérgio Duarte: Sim, há algumas disposições que são contrárias à causa do desarmamento. Eu incluiria entre elas as seguintes:
  • A articulação de programas de longo prazo para conservar ou incrementar os arsenais nucleares atuais, associada à ausência de programas operacionais para pôr em curso o desarmamento nuclear.
  • O desenvolvimento de novos tipos de sistemas de liberação de armas nucleares.
  • A promulgação de doutrinas nucleares que se reservam o direito de primeiro atacar, mesmo contra Estados não nucleares, ou que querem prevenir-se de um possível ataque de armas de destruição em massa ou mesmo convencionais.
  • A reafirmação de que a dissuasão nuclear é vital para a segurança nacional.
  • A rejeição de negociar ou de discutir as grandes linhas de uma convenção sobre as armas nucleares.
À luz disso tudo, a reivindicação de que os estoques nucleares são no “mínimo” necessários para manter a dissuasão não é confiável. Tanto mais quando ela oferece um modelo de postura de segurança nacional passível de ser imitada por outros países. A posição dos Estados Nucleares, que devem manter sua capacidade nuclear porque eles não sabem quais ameaças pairam sobre o futuro, poderia ser facilmente reivindicada por cada Estado que quisesse torna-se um Estado nuclear.
Revista Paix: Quais ações são necessárias agora e nos próximos anos para que um progresso importante sobre esse assunto tenha lugar.

Sérgio Duarte: Eu poderia citar atividades tais como o desenvolvimento de mecanismos reforçados de verificação (conforme os compromissos de desarmamento assumidos), a detecção rápida e certa de possíveis violações, a proteção face a uma reversibilidade das obrigações de desarmamento e a garantia da disponibilidade de meios alternativos (diplomáticos e militares) de defesa de interesses de uma segurança legítima sem emprego de armas nucleares.
É também importante para o público e para a comunidade mundial testemunhar progressos em matéria de desarmamento por meio de medidas transparentes que não impliquem em simples declarações nacionais unilaterais, mas que venham acompanhadas de detalhes suficientes para o mundo concluir que as armas não empregadas foram de fato desmontadas e destruídas.
Revista Paix: Como isso poderia ser feito?
Sérgio Duarte: Para melhorar tais disposições, a expressão importante é “vontade política”, a qual eu compreendo como uma sustentação política viável, sobretudo nos Estados Nucleares – incluindo-se um suporte oriundo da sociedade civil, dos legislativos, dos líderes nacionais, dos Estados Nucleares eles mesmos, e de outros atores relativos à comunidade diplomática mundial. Essa é uma das razões pela qual eu recebi com satisfação o plano Hoover*.
Em minhas primeiras observações, ofereci, em grandes linhas, algumas das responsabilidades que os Estados Nucleares devem assumir afim de que se atinja um progresso concreto em termos de desarmamento nuclear. Reconheço que esse progresso exigirá bem mais esforços paralelos no controle das armas nucleares que esforços novos par reduzir os riscos de proliferação e de terrorismo nuclear.
Mas não estou absolutamente de acordo em afirmar que esse progresso deveria restringir-se à solução anterior a todos esses problemas, nem que esse progresso espera a alvorada de uma paz mundial. O progresso em matéria de desarmamento criou sua própria contribuição independente para a paz e a segurança. E creio que essa contribuição tem sido amplamente subestimada.
A propósito do desencadeamento da I Guerra Mundial, Sir Edward Grey escreveu: “O enorme aumento das armas na Europa, o sentimento de insegurança e de medo causado por essas armas tornaram a guerra inevitável. A lição que o presente deveria extrair do passado no interesse de uma paz futura é a advertência lançada pelos que virão depois de nós”.
Hoje, somos testemunhas de um outro enorme aumento de armamento, com despesas militares ultrapassando o trilhão de dólares. É um extraordinário incremento no mundo pós Guerra Fria, totalmente oposto do objetivo fixado pelo artigo 26 da Carta das Nações Unidas: “favorecer o estabelecimento e a manutenção da paz e da segurança internacional não investindo em armamentos não mais que o mínimo de recursos humanos e econômicos do mundo”.
Embora o desarmamento nuclear não vá garantir por si só uma forte redução dessa despesa, isso ajudará a diminuir a vontade dos Estados de possuir tais armas, impulsionará os esforços de não-proliferação nuclear e de luta contra o terrorismo e reduzirá as ameaças e a desconfiança que têm inspirado a corrida armamentista.
Há quase cinqüenta anos, o Secretariado Geral das Nações Unidas adotava o objetivo de “desarmamento geral e completo” cujo objetivo é a eliminação de todas as armas de destruição em massa e a limitação das armas convencionais a níveis suficientes para manter a segurança nacional e as operações de manutenção da paz. Os Estados membros do TNP posicionaram-se concordaram, quando da Conferência de Revisão de 2000, que esse deve ser o objetivo último.
Embora o desarmamento nuclear devesse ser a mais urgente das prioridades, um esforço complementar e paralelo é também necessário para limitar a produção, o comércio e a utilização de armas convencionais. A proposição britânica por um tratado sobre o comércio de armas que, depois, passou a ser preconizada por grupos da sociedade civil, é um passo em boa direção.
Antes da assinatura do TNP pelo Reino Unido, Leonard Beaton declarava: “A maior incitação à ampla difusão dessas armas é a convicção de que é inevitável”. Hoje, eu gostaria de propor um corolário: “A maior incitação a uma ampla difusão dessas armas é a convicção de que o desarmamento não é atingível”. Eu creio ele é atingível graças à pressão da sociedade civil e à vontade política dos governos.
Assim, a todos os atores do desarmamento nuclear e da paz eu exorto a continuarem os esforços por fazer avançar o desarmamento nuclear. É uma causa digna que não deve ser sustentada somente por Estados Nucleares.
*Sobre o Plano Hoover acessar:http://www.un.org/News/fr-press/docs/2008/AGDSI3362.doc.htm
http://disarmament.un.org/update/index.html

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Os 40 anos do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares*



Da não-proliferação à eliminação das armas nucleares

Pierre Villard - Tradução: Jeosafá Fernandez Gonçalves
 Em 1o. De julho de 1968 nascia o Tratado de Não-Proliferação Nuclear**. Quarenta anos depois, em que pé se encontra? Os objetivos foram atingidos? Que resta fazer? Pierre Villard, co-presidente do Movimento da Paz, membro da coordenação mundial da Abolição 2000, nos apresenta sua análise e suas prioridades para o futuro.

Faz 40 anos que as duas principais potências nucleares, os Estados Unidos e a URSS, assinaram com o Reino Unido e outros 40 Estados o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Desde os anos 1958-1961, a ONU havia proposto um tratado de limitação dos armamentos nucleares, mas em vão. Foi preciso a crise de Cuba, em 1962, quando a guerra nuclear esteve a dois dedos de ser desencadeada, para que Estados Unidos e URSS se decidissem a falar de não-proliferação. Imaginando a catástrofe por pouco evitada, essas duas potências tratam de barrar a rota de acesso ao armamento nuclear a novos Estados, considerados pouco confiáveis. Pôs-se então em andamento o processo que irá desembocar em 1968 no Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

O TNP: fundamento de um sistema de segurança de não-proliferação


Aceito como o fundamento de um sistema de segurança internacional de não-proliferação nuclear, o TNP é hoje assinado pela quase totalidade dos países do mundo: 189 países. Faltam três: Índia, Israel e Paquistão. A Coréia do Norte retirou-se em janeiro de 2003, mas seu posicionamento não é considerado definitivo pela maior parte dos países que, se aproximando do consenso, preferem permitir à Coréia a retomada de seu lugar.

Ainda que possuam armas nucleares hoje, Índia, Israel e Paquistão não podem tornar-se membros do TNP como Estados Nucleares. Não tendo realizado testes atômicos antes de 1o. de janeiro de 1967, há com relação a eles a exigência prévia de desmantelamento de suas armas e instalações para que possam tornar-se signatários do Tratado na condição de Estados não-nucleares.

Como todo tratado, o TNP é o resultado de um compromisso entre Estados dotados e Estados não dotados de armas nucleares. O Tratado se apóia em três pilares: a não-proliferação, o desarmamento e a matriz de acesso à energia civil.

Alguns detratores do TNP, notadamente indivíduos e movimentos antinucleares que rejeitam distinguir entre emprego civil e militar, consideram a propósito deste último pilar que ele é um vetor de proliferação nuclear, o que é um mau viés, pois se o TNP garante o acesso às aplicações civis da energia nuclear por um lado, ele não o facilita por outro lado.

Trata-se cada vez mais de uma decisão política, e se Nicolas Sarkozy tornou-se uma espécie representante oficial dos interesses da AREVA (estatal francesa, maior geradora e distribuidora de energia nuclear no mundo atualmente – nota do tradutor), o TNP não é responsável.

A não-proliferação diz respeito aos Estados não dotados de armamento nuclear. Ao se tornarem parte do Tratado, esses Estados se comprometem a não adquirir armas atômicas. O desarmamento refere-se a todos os Estados, principalmente aos 5 dotados desse armamento, que se comprometem a aderir de boa fé ao desarmamento nuclear. O controle do acesso à tecnologia nuclear civil foi confiado à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), criada em 1957.

O desarmamento submetido à boa fé
O artigo VI do Tratado consagrado ao desarmamento estipula:



“Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional”.

Mas uma das suas fraquezas reside na ausência de prazo concreto ou de rito obrigatório. Alguns falam ainda de privilégios concedidos aos Estados dotados de armamento nuclear. São essas lacunas que o projeto de convenção de eliminação de armas nucleares visa hoje suprir. Esse engajamento é a contraparte oferecida para que os países não dotados de armamento nuclear aceitem as obrigações impostas, tais como as medidas de inspeção e verificação de instalações nucleares.

Essas medidas foram impostas ao Iraque, como hoje são impostas ao Irã. Porém, não são impostas nem às potências nucleares, nem aos Estados não-signatários do TNP. Essa é a razão pela qual Israel não tem sido objeto de inspeção da AIEA, o que desagrada o Irã. Em 1966, um parecer da Corte Internacional de Justiça e Haia confirmou: “existe uma obrigação de buscar de boa fé até sua conclusão negociações pelo desarmamento nuclear”.

Da desconfiança à garantia coletiva


Consciente da desigualdade congênita do Tratado, que separa de fato os países que têm o direito de possuir armamento nuclear e aqueles aos quais esse direito é vetado, poucos países se mobilizaram num primeiro momento, a assiná-lo. Depois, sobrevém 1974, quando a Índia, não-signatária, realiza uma explosão nuclear subterrânea, anunciada sob o álibi de “pacífica”.

A partir desse momento, numerosos países do hemisfério Sul se comprometeram com a via da não-proliferação nuclear, aderindo ao TNP. A opinião na época era de que para sobreviver valia mais não possuir armas atômicas e convencer os vizinhos do mesmo.

É então que vários outros tratados são assinados, instituindo zonas isentas de armas nucleares, seguindo-se o anúncio de renúncia ao armamento atômico por parte de grandes países como o Brasil, a Argentina e a África do Sul.

Com o desmanche da URSS, o mundo viu surgirem três novas potências nucleares oficiais, derivadas daquela primeira: a Bielorrússia, em 1993, e a Ucrânia e o Cazaquistão, em 1994, que decidem juntar-se ao TNP e se desfazerem de seus arsenais nucleares. Se fizermos a conta, depois de 1970, há mais Estados que renunciaram ao armamento atômico que Estados que o buscaram. Esse é um resultado muito concreto do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares.

Um tratado prorrogado indefinidamente


Tendo entrado em vigor em 5 de março de 1970, o TNP devia ser renegociado 25 anos mais tarde. Em 1995, no momento de sua renegociação, os Estados membros decidiram por sua prorrogação indefinida e também por conferências de revisão a cada 5 anos. Na conferência de revisão de 2000 duas coisas importantes aconteceram.

Apesar da forte pressão dos Estados dotados de armamento nuclear para reduzir o debate somente a questões de não-proliferação horizontal, buscando omitir a questão do desarmamento, decidiu-se por 13 etapas práticas para o desarmamento nuclear, que vêm reforçar alguns pontos débeis e confirmar a obrigação de um compromisso sem equívoco de potências nucleares em aderir de boa fé ao desarmamento.

Igualmente decidiu-se que nos três anos que precedem as conferências de revisão se instalarão comitês preparatórios. Estamos hoje em um contexto no qual a aplicação do TNP é quase permanente. Alguns países reivindicam mecanismos como um secretariado, que hoje não existe.

Cooperações para abolir o armamento nuclear


Depois de 1995, os movimentos pacifistas investiram nas conferências de revisão do TNP e nos comitês preparatórios. É um momento privilegiado da atividade da rede internacional Abolição 2000. Essas conferências são a ocasião de exercer seu papel de controle civil e de representante dos cidadãos. As ONGs aí dispõem de um tempo de fala regular no curso do qual relatam suas experiências e fazem suas reivindicações. Nesse momento, encontros com embaixadores facilitam colher as diferenças de leitura do Tratado.
Estes últimos anos têm assistido a novas cooperações entre os Estados mais ativos pelo desarmamento, principalmente os da Nova Agenda (África do Sul, Egito, Irlanda, Malásia, México, Nova Zelândia e Suécia) e as ONGs. A atualização do modelo de convenção de eliminação das armas nucleares é um exemplo concreto disso.

A virada hoje: passar da não-proliferação à eliminação
Como seu nome indica, o TNP não é um tratado de desarmamento, mas um tratado de não-proliferação. Ainda que seja imperfeito, ele inibiu a proliferação de armas nucleares nestes últimos 40 anos. É então essencial que ele seja preservado e aplicado em sua totalidade. Que ganharíamos com seu insucesso? Com o Tratado, o desarmamento nuclear é uma obrigação internacional. Com ele, o debate não é mais “a favor ou contra”, mas “quando?”. A não-proliferação não é suficiente, a eliminação das armas nucleares é um objetivo vital para a humanidade. Para que isso ocorra, uma nova tarefa está posta: a luta pelo desarmamento nuclear. É possível. É sobretudo incontornável.



De que serve ir à Lua ou a Marte se não somos capazes de preservar as gerações futuras do flagelo nuclear? Avançar na via da eliminação das armas atômicas passa por várias exigências: a universalização do Tratado de Não-Proliferação pela adesão dos três países não signatários, pôr em funcionamento a zona desnuclearizada do Oriente Médio, a assinatura do Tratado de Interdição Global dos Testes Nucleares***, o respeito do artigo VI do TNP e a decisão de uma conferência internacional pela eliminação das armas nucleares.

*In Planète Paix. Saint Ouen (France), Le Mouvement de la Paix. No. 533, juin-juillet 2008. pp. 20-21.
**Acesse a íntegra do TNP em:


**** Sobre a posição do EUA com relação ao Tratado de Interdição Global acesse: