terça-feira, 5 de maio de 2015

90 anos de Malcolm X e o racismo no Brasil

Por Vladimir Miguel Rodrigues*

Em comemoração aos 90 anos de nascimento de Malcolm X, além do lançamento no dia 9 de junho d'O Jovem Malcolm X (com mesa redonda na livraria Martins Fontes-Av. Paulista), o prof. Vladimir Miguel Rodrigues, autor de O X de Malcolm e a questão racial norte-americana, convida para mesa de debates.

Malcolm X foi figura extremamente importante nos EUA, na década de 1960, tendo lutado ativamente pela construção das liberdades individuais dos negros. Muçulmano, inicialmente adepto da Nação do Islã, propagava um discurso radical contra os brancos, de autodefesa contra a violência institucional, afirmando que os negros deveriam criar um país dentro dos EUA e viver em separado da América branca. Após viajar em 1964 a Meca e aos países africanos recém-independentes, reformulou seus ideais, abandonou o discurso considerado “violento” e a Nação do Islã, caminhando para uma fala socialista, moderada, conciliatória que objetivava a emergência de uma identidade afro-americana. Sua vida teve fim em 1965, quando proferia uma palestra e foi brutalmente assassinado. Este ano de 2015 é significativo para as questões raciais nos EUA. Primeiramente, por serem lembrados os 90 anos do nascimento de Malcolm (21 de Fevereiro) e os 50 anos de sua execução (19 de Maio). Essas reminiscências, relacionadas ao atual contexto racial dos EUA, marcado por inúmeros atos criminosos em relação à população negra, como vimos, recentemente em atos brutais contra cidadãos negros, como em Nova York, Saint Louis e, ainda mais recente, em Baltimore, mostram que o discurso de Malcolm X continua atual e os problemas raciais que, muitos acreditavam que haviam sido superados, continuam onipresentes. Para que essa temática possa ser ampliada, realizaremos um debate para discutir Malcolm X e sua relação com o contexto brasileiro, marcado por um racismo institucional, como foi dito pela própria ONU em relatório sobre as questões étnico-sociais no país.

90 anos de Malcolm X e o racismo no Brasil
Local
Unorp – 19 de Junho de 2015 às 19h, São José do Rio Preto-SP
Participantes
Vladimir Miguel Rodrigues
Professor e escritor (autor de O X de Malcolm e a questão racial norte-americana)
Jeosafá Fernandez Gonçalves
Professor e escritor (autor de O jovem Malcolm X)
Douglas Belchior
Professor e ativista (Uneafro-SP)
William Reis
Ativista (Afroreggae-RJ)

Tiago Vinícius André dos Santos
Mestre e Doutorando em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP, presidente do Conselho Afro brasileiro de São José do Rio Preto. 


Bacharel em Letras com habilitação em Tradutor pela UNESP/Ibilce, concluído em Novembro de 2007 e licenciado em Filosofia pelo Instituto Claretiano, concluído em Novembro de 2012. Em Fevereiro de 2008, ingressou no Mestrado em Teoria da Literatura pela Unesp/Ibilce, na linha de pesquisa História, Cultura e Literatura (HCL), com o projeto "Malcolm X: entre o texto escrito e o visual", tendo obtido o título de mestre por esta instituição em Agosto de 2010. No ano de 2012, teve sua dissertação selecionada pelo Programa de Publicação de Dissertações de Docentes da Unesp, tendo publicado em Agosto de 2013, pela Editora Unesp, o livro "O X de Malcolm e a questão racial norte-americana". Desde o início de 2004 trabalha com o Ensino das Humanidades. Atua como professor de Filosofia, Sociologia, História e Atualidades no Ensino Médio e Cursinho pré-vestibular na rede particular de São José do Rio Preto e região. Escreve artigos de opinião e crônicas regularmente para os principais jornais da cidade e para revistas eletrônicas de alcance nacional.


quinta-feira, 23 de abril de 2015

O jovem Malcolm X entre amigos

FOTO: Mazé Leite.
Ano passado me dediquei à pesquisa de Malcolm X para a redação do romance-biografia O jovem Malcolm X, projeto que apresentei à editora Nova Alexandria e que foi por ela acolhido com bastante entusiasmo na coleção Jovens sem Fonteira, na qual publiquei em 2013 O jovem Mandela.

Além de pesquisa vídeo, biblio e historiográfica, contei com a ajuda de pessoas no Brasil e nos EUA.

Lá particularmente me ajudou Mr. Sandeep S. Atwal, com seu Malcolm X: Collected Speeches, debates and interwiews (1960-1965), a quem agradeço muitíssimo, pois, sem sequer me conhecer, respondeu pronta e fraternalmente a minha solicitação,  enviando-me seu excelente trabalho, que consiste em exaustiva compilação de áudios e vídeos, em que o próprio Malcolm X comparece com toda a força de sua inteligência, de sua ironia e de suas idiossincrasias.

No Brasil, desde o início, a excelente e guerreira artista plástica Mazé Leite, minha irmã de pai  e mãe diferentes, me estimulou com sua prosa inteligentíssima e com sua arte. A foto acima é dela, que prepara para breve um óleo sobre tela de nome Josa X, numa irreverente leitura de minha imagem à luz da imagem do grande líder negro norte-americano.

A jornalista Cida Moreira, da Rede Brasil Atual, por sua vez, mostrou-se generosíssima, ao traçar meu perfil em uma matéria para a revista e para o site homônimos (Da revolução dos boys ao cineclubismo, do bairro ao mundo). Também entrevistou-me, há coisa de vinte dias, a propósito d' O jovem Malcolm X  e dos 90 anos de nascimento do líder do nacionalismo negro norte-americano (a matéria deve ir ao ar e na revista em maio ou junho).

Por meio dela, acabei ficando devedor também do Prof. Dr. Vladimir Miguel Rodrigues, que me disponibilizou seu ótimo livro, nascido de sua tese de doutorado, O X de Malcolm e a questão racial norte-americana. A leitura desse livro me permitiu realizar alguns ajustes ao texto final.


Ainda me socorreu, também meu irmão de pai e mãe diferentes, o artista plástico e professor Claudinei Roberto, ex-coordenador de educação do Museu Afro Brasil e curador de um sem fim de exposições por este Brasil afora e adentro. A ele devo a leitura de revistas antigas de seu acervo, que situam a relação entre Malcolm X e o eterno campeão mundial de box Muhammad Ali.

Para o lançamento do livro, já agendado para 9 de junho, no auditório da livraria Martins Fontes-Paulista, conto com esses amigos na mesa de debates, não apenas para falar de Malcolm X, mas do que eles mesmos vêm produzindo, a partir de seus trabalhos artísticos e intelectuais, como contribuição para luta contra o racismo e pela justiça social no Brasil.

Tenho a esperança de poder contar na mesa ainda com Sirlene Barbosa e João Pinheiro, que pesquisam e produzem uma HQ sobre Carolina Maria de Jesus. Por hoje é só. Assim que tiver mais notícias, aviso os amigos.

Amplexos a todos do
Jeosa




O JOVEM MALCOLM X
DATA: 9 de junho de 2015
HORÁRIO: A partir das 19 horas
EVENTO: Mesa redonda: Malcolm X entre amigos: Os 90 anos de Malcolm X
LOCAL:

Livraria Martins Fontes Paulista

www.martinsfontespaulista.com.br/ 
Av. Paulista, 509 - Tel.: 11 2167.9900 - CEP 01311.910 - São Paulo SP | Estacionamentos: R. Manoel da Nóbrega, 95 e R. Manoel da Nóbrega, 88.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

EVOÉ, MALCOLM X- Há 50 anos Malcolm X era assassinado

Há 50 anos, em 21 de fevereiro de 1965, era assassinado um dos maiores líderes negros dos Estados Unidos e do Mundo. Em homenagem a ele e em desagravo, ofereço aos leitores um capítulo de meu romance-biografia O JOVEM MALCOLM X, a ser lançado pela editora Nova Alexandria em maio deste 2015, quando ele completaria exatos 90 anos de idade.

Adeus à inocência


Já sabe como cheguei a Boston: terno verde, calças pelas canelas e um sobretudo cinturado que eu podia jurar já ter tirado da loja desbotado. Minha meia-irmã Ella, que me hospedou, morava na parte bacana de Boston, onde negros endinheirados esfregavam na cara de caipiras como eu suas belas conquistas pessoais. Foi instintiva minha aversão por essa parte da cidade.

Ella não queria que eu trabalhasse logo de cara. Sua expectativa era a de que eu me preparasse, com seu auxílio, para realizar um sonho difícil para os negros deste lindo país chamado “American way of life”: o de me tornar advogado. Com isso, eu seria um lindo protótipo de vencedor, não acha? Não seria mais um desses fracassados jogados por aí.

Porém, para isso, eu teria de me concentrar na região de Hill, frequentar os espaços de Roxbury, das avenidas Waumbeck e Humbold, me misturar com aqueles que, com vergonha de revelar suas verdadeiras profissões, se vestiam com mais arrogância do que seus próprios patrões – retorno a esse particular daqui a pouco. Pare de me cutucar, senão derrubo esse prato.

Ah! Tem um desses metidos a bacanas passando ali fora, olhe. Conheço, esse. É garoto de recados,
embora diga que é “expert” em comunicação. Mas não me cutuque mais... se eu quebrar um copo, você é quem vai pagar.

Porém, Hill, muito parecida com a região de Sugar Hill, aqui da Big Apple, me dava nos nervos. Ainda mais depois que, tendo perambulado por toda Boston, conheci os bairros negros, com seus becos e “gatos” parados nas esquinas, a exibir trajes amigo-da-onça cheios de bossa, que me deixaram totalmente envergonhado de minha roupa de matuto. “Ah, Red Little, você é um caipira”, eu me dizia, olhando os rapazes, com pouco mais da minha idade a andarem gingando em seus estonteantes sapatos coloridos, como se a vida fosse, a qualquer hora do dia, uma pista de dança.

Não teve por onde, só passei a dar as caras em Hill para dormir. Ella não se preocupava comigo, pois, afinal, queria que eu conhecesse como era grande o mundo fora de Lansing.

Ella me deu muitas dicas. Por exemplo, quando andávamos pelas ruas metidas a besta de Hill, ela dizia: “Está vendo aquele ali de paletó impecável e sapatos engraxados até refletirem o sol?”. “Sim”, respondia eu, “é o senhor fulano de tal, gerente de uma concessionária de automóveis”.

Então, Ella estourava de rir e dizia: “Little, como você é inocente. Isso é o código que ele usa para disfarçar sua verdadeira profissão: lavador de carros na mansão de não sei quem, lá no lado branco da cidade”.

Palavra, me senti um total idiota. “E aquela ali, toda emperiquitada e coisa e tal?”, me cutucava minha meia-irmã com seu cotovelo pontudo – como você acabou de fazer – e apontava com uns olhos enviesados muito engraçados.

“Sim, a dona do salão de beleza que foi tomar café na sua casa outro dia”, eu lhe respondia do alto da minha inocência. Será que pode rir com mais decência, Lory? Ora, eu tinha apenas 15 anos! Você deveria se apiedar e se envergonhar dessa sua atitude – quiá quiá quiá, você é uma figura, Lory!

Aí Ella emendou: “Menino, como pode acreditar em tudo que ouve? Se não converter sua inteligência em malícia, vai passar muita vergonha por aqui – e vai virar alvo de boas risadas”.

Como vê, Lory, Ella é, entre outras coisas, vidente.

Mas, não precisa socar o balcão enquanto ri. O Ed ou o Charlie vão jogá-lo na rua se continuar a se
comportar como se estivesse num desses botecos pés-sujos que a ralé como nós frequenta.

Então Ella continuou: “Essa umazinha aí é ‘dona de salão de beleza’ só aqui no Harlem. Ela é faxineira na casa de Beltrana da Silva, lá para os lados do Bronx. E olha que a patroa dela também não nada em dinheiro, não, Red!”.

Meu mundo caiu nessa hora. Eu tinha essa dona como um exemplo acabado de negra bem-sucedida.

“Ella”, falei-lhe duramente, “então aqui só tem pobretão metido a rico por vergonha de ser pobre e preto?”.

“Aí você falou uma verdade, Little Red”, disse ela, invertendo meu nome por gozação, arregalando os olhos e estufando a boca numa careta hilária: “Ela acha que quem tem grana deixa de ser preto. Ser faxineira e limpar o banheiro dos brancos dá uma certa grana, que permite a ela  ter uma casa modesta, um casaco de vison falsificado e enganar almas puras e santas como a sua, seu mané!”, sussurrou Ella em meu ouvido, antes de explodir numa gargalhada sonora de grandes e lindos dentes brancos.

Depois que Ella se recompôs do acesso de riso, enfrentei a fera: “Ella, pode ir me passando esses códigos, que não quero mais passar vergonha, e muito menos ver os outros rindo da minha cara”.

“É pra já”, ela respondeu, assumindo ares de professora, ou irmã mais velha muito camarada: “Quando algum desses das bandas de cá se dirigir a você contando vantagens, fique sabendo, é pobre, pois os ricos não se dirigem a nós de maneira nenhuma, a não ser para dar ordens ou chamar a polícia. Se um desconhecido de ‘boa aparência’ não ordenou nada a você, nem chamou a polícia por causa de sua cor, é pobre disfarçado – seja preto, seja branco”.

“Tou entendendo, ‘Big’ Ella, pode continuar...” – ironizei-a, que nisso também não fico atrás de ninguém, é só me cutucarem para ver.

Ella prosseguiu sua aula de malícia: “Se uma moça lhe disser que é administradora de salão de cabeleireiros ‘chic’, fique sabendo, esse é o código que ela usa para ‘manicure’. Mas não faça a bobagem ou a indelicadeza de devolver-lhe na cara o ‘manicure’ – seja gentil com todos, principalmente com as moças de nossa cor, que são oprimidas por tudo quanto pesa sobre os negros e ainda muitas vezes por seus pais ou namorados machões”.

Senti naquele momento que Ella falava de si mesma. Minha meia-irmã retomou: “A ‘dona’ do ‘haute
coiffure’ sabe que está pregando uma mentira – e espera que você também saiba e tenha a delicadeza de não zombar”.

“E se um cara disser que é, por exemplo, dono de loja de móveis?”. “Então ele é, na melhor das hipóteses, marceneiro”.

Devolvi a Ella: “Por essa lógica, se um fulano disser que tem um posto de gasolina, então, é frentista!”.

“Viu?”, Ella sorriu magnanimamente. “Não é difícil traduzir esse código, não é mesmo?”.

Fui-me escolando nessas conversões de código, de tal maneira que, depois de algum tempo, andando pela rua, ia competindo com Ella: “Esse é carpinteiro.” – “Isso!”; “Aquela é babá.” – “Isso!”; “Lá na frente vai um mensageiro.” – “Isso!”; “Atravessando a rua, vai uma balconista.” –  “Isso! Isso! Isso!”.