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sexta-feira, 26 de junho de 2015

Malcolm X: Ainda não sei nada sobre esse cara

Durante todo o período em que empreendi a pesquisa que deu origem ao livro O jovem Malcolm X uma sensação muito agradável foi crescendo em meu espírito e não parou de crescer até agora, mesmo o romance-biografia já tendo sido publicado. Essa sensação acomete com frequência o pesquisador quando o assunto pesquisado é instigante - e quando ela persevera no tempo soma-se a ela a de que é preciso prosseguir na investigação.

Embora tenha buscado fontes relevantes de pesquisa, inclusive primárias, ao pôr o ponto final no livro uma frase veio a minha mente sem que eu a tivesse elaborado conscientemente, e a frase é esta: "Ainda não sei nada sobre esse cara".

Como o objetivo d'O jovem Malcolm X é iniciar o leitor ao conhecimento desse significativo líder afro-americano, contextualizando tanto quanto o possível essa viagem iniciática, procurei apresentar um aspecto da personalidade de Malcolm X pouco explorada: seu humor, sua jovialidade, seu lado cativante não pelas ideias, mas pela afetividade.

Porém, à medida que fui aprofundando a pesquisa, muitos aspectos relevantes de sua contribuição para a luta contra o racismo, pela justiça social e para as organizações de base dos trabalhadores ficaram de fora - senão o livro teria mais de 500 páginas, o que seria demais para conquistar jovens e novos leitores (o número de páginas assustaria).

Assim, O jovem Malcolm X é uma espécie de anzol para pescar o leitor (essa metáfora era usada por Malcolm X para conquistar novos adeptos a sua causa - ele literalmente saía pelas ruas do Harlem a pescar entre "trombadinhas", drogados, traficantes, prostituas, mas também entre operários e trabalhadores de baixa remuneração, aqueles e aquelas dispostos a trocar seu cotidiano de oprimidos por um cotidiano de luta contra a opressão).

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Porém, a sensação de que é preciso pescar mais fundo não parou de crescer, tanto mais quando a participação em diversos eventos deste Semestre Malcolm X tem me obrigado a ler e reler textos sobre ele, a assistir, reprisar e anotar trechos de suas entrevistas em TV e rádio, para extrair delas seus argumentos, nos quais repousam às vezes tranquila, às vezes conflituosamente os conceitos que ele foi elaborando e refinando ao longo de sua meteórica ascensão ao olimpo da luta do povo negro - que pode ser estendida legitimamente a todos os que lutam contra todo tipo de preconceito, por liberdade, por justiça social e por um mundo livre da opressão do homem sobre o próprio homem.

Continuo estudando o legado de Malcolm X, e as chaves que ele nos pôs em mãos abrem segredos que nos levam a outras chaves - que por sua vez nos levam à origem da opressão, afastada no tempo, mas também à portas abertas para o futuro.

Porém, uma convicção se construiu fortemente em meu espírito a partir dessa pesquisa que ainda não terminou: não há nenhuma possibilidade de se conhecer os prodígios do capitalismo sem se conhecer a fundo e no tempo as raízes e as consequências da escravidão negra, sobre a qual foi construído esse império de pouquíssimos bilionários e uma imensidão de pobres oprimidos - uma quantidade inumerável dos quais abaixo dos mais básicos níveis da condição humana, à deriva no mar Mediterrâneo, pelas favelas e pelos cortiços do mundo.

Noutras palavras, a pesquisa sobre Malcolm X confirmou as opções que fiz ainda na adolescência e impôs, àquilo que já vinha fazendo, um trabalho colossal para toda a vida - do tamanho da escravidão que gerou tanta riqueza e tanta dor (e gera ainda nos dias de hoje).


Jeosafá é escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, lançou o ano passado O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria). e lança em maio deste ano, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora.



segunda-feira, 8 de junho de 2015

Malcolm X: A união é a religião certa

De aluno exemplar e menino órfão, ele – abismado pela cidade grande, representada por Boston e, depois, por Nova Iorque –, abandonando os estudos, converte-se em trabalhador de baixa qualificação (engraxate, lavador de pratos, menino de ferrovia a vender sanduíches nos vagões, faxineiro de trem, balconista etc.); depois em pequeno vigarista, a dar golpes no carteado e a bater carteiras; até ingressar de  uma vez no tráfico de drogas, no comércio do sexo, na vida bandida e ser preso.

Sua conversão na cadeia ao islamismo (num momento em que o Islã se apresentou como alternativa de resistência ao racismo – não por acaso ídolos negros fizeram o mesmo, a exemplo do campeão de box Muhammad Ali), marca o nascimento de um dos maiores intelectuais negros dos EUA e do mundo. Porém, esse intelectual devorador de livros de linguística, história, geografia, sociologia, filosofia, literatura, atualidades, entre outros, teve como placenta não os currículos de bacharelado ou doutorado das universidades, mas apenas sua extraordinária capacidade autodidata e suas reconhecidas habilidades de linguagem e oratória.

Do momento em que saiu da prisão, em 1952, até o momento em que foi vítima do atentado que o vitimou, aos 39 anos de idade, em 1965, Malcolm X teve apenas doze anos para se tornar no ícone que hoje serve de inspiração a jovens do mundo todo.

Em que pesem a críticas que possam ser feitas a aspectos de seu radicalismo – algumas realizadas por ele mesmo após sua viagem ao Oriente Médio –, deve-se reconhecer o verdadeiro prodígio realizado por Malcolm X nesse tão curto espaço de tempo.

E que prodígio foi esse? O de, recuperando sua história familiar, a dos negros nos EUA   e a dos oprimidos do mundo, operar uma radical metamorfose em si mesmo e oferecer-se de peito aberto como veículo de transformação e luta por justiça social.

Este livro é um instantâneo dessa metamorfose, em relação à qual, não fosse universalmente sabida, seria legítimo dizer: não é verdade, não aconteceu, é pura ficção.


Porém, ela aconteceu, continua pelo tempo a fora... e atende pelo nome Malcolm X.


quarta-feira, 3 de junho de 2015

Malcolm X: É preciso quebrar o muro de silêncios


MALCOLM X NOS DIZIA, DIREITOS TEM DE TODO DIA LUTAR
Poema hip hop enviado pelos companheiros e irmãos: Azuir Filho e Turmas de Amigos: do Social da Unicamp, Campinas, SP, de Rocha Miranda, Rio de Janeiro, RJ e de Mosqueiro, Belém, do Pará.

Não é pra ficar esperando, é trabalhar e construir.
É o tempo todo atuando, para a sua meta atingir.
É atuar cada dia, até as condições se concretizar.
Malcolm X nos dizia, Direitos tem de todo dia lutar.

Direito é uma construção, não vem de mão beijada.
É sacrifício e aplicação, é uma duríssima jornada.
Exploração é patifaria, não temos nunca de aceitar
Malcolm X nos dizia, Direitos tem de todo dia lutar.

Tem de haver cooperação, e todo entendimento.
Nada de fazer exploração. isso é perder o tempo.
A vida é uma travessia, para o espírito se acalmar;
Malcolm X nos dizia, Direitos tem de todo dia lutar.


Há uma idéia reinante, que é feita pra confundir.
A exploração é revoltante, é forma inglória de agir.
O Humano na sua vilania, faz a seu irmão explorar.
Malcolm X nos dizia, Direitos tem de todo dia lutar.

Todo tempo trabalhando, o coletivo fortalecendo.
Boa vontade compartilhando, Ensinando e aprendendo.
Vida é para ter alegria, pra em comunhão se juntar.
Malcolm X nos dizia, Direitos tem de todo dia lutar.

Tem fazer com coração, pro entendimento ser total
Ódio e segregação, dificultam toda harmonia social.
A Luta é pra se ter harmonia, não tarda a hora chegar.
Malcolm X nos dizia, Direitos tem de todo dia lutar.

Superar a miséria do mundo, e a todos povos unir.
O amor sendo profundo, nos levam a melhor porvir
Não abrimos mão da Utopia, o Mestres fez anunciar.
Malcolm X nos dizia, Direitos tem de todo dia lutar.

É entender a contradição, e levar a luta com amor.
Coisa de companheiro irmão, de amigo trabalhador.
Não precisa de valentia, tem é do próximo amar.
Malcolm X nos dizia, Direitos tem de todo dia lutar.



terça-feira, 2 de junho de 2015

Malcolm X - Um grande ser humano, um revolucionário sempre

Desde quando sai da prisão, no segundo semestre de 1952, até o momento de seu assassinato, em 21 de fevereiro de 1965, Malcolm X evoluiu em seus pensamentos e suas práticas, abandonando o sectarismo e o ódio racial em favor de uma compreensão mais ampla da questão do negro e dos pobres nos EUA.

Em 1964, rompe com a Nação do Islã totalmente e encampa a luta pelos direitos civis, por chegar à conclusão de que o ódio e a segregação são empecilhos à justiça social e à superação do racismo. Em seus últimos discursos afirmava: “Uno-me a todos aqueles dispostos a superar a miséria deste mundo”. Superando a visão sectária da Nação do Islã que indispôs com líderes como Martin Luther King, afirmou: “A união é a religião certa”, e ainda: “Quando for lutar contra o racismo, deixe sua religião em casa, no guarda-roupa”.


Se forem descontextualizadas, muitas de suas formulações parecerão erráticas, pois umas se chocarão com outras. Porém, respeitado seu percurso de aprendizagem contínua (retratado em sua Autobiografia, concluída no mês de seu assassinato), o que se observará é um homem de extrema inteligência e coragem, que jamais teve preguiça de estudar, pesquisar e, desde que convencido, mudar de ideia e de prática. Malcolm X não teve medo de romper com o passado, mesmo com o custo da própria vida, porque não teve tempo de ter medo. É esse exemplo, é esse homem, é esse jovem, que inspira tanta gente no mundo todo, que o leitor tem agora em mãos.




quarta-feira, 27 de maio de 2015

Um dia, por toda a América: Eu também!


Diferentemente de dois outros mitológicos líderes negros de influência mundial (Nelson Mandela e Martin Luther King), Malcolm X não alcançou os bancos da universidade, nem teve seus contenciosos com as forças de segurança do Estado limitados às questões políticas.


Enquanto Luther King (com sua estratégia de não violência) e Mandela (por todos os meios) trilharam o caminho da educação formal até se confrontarem abertamente com racismo e com o aparato conservador governamental, Malcolm X, embora filho militantes da causa antirracista, só encontrou seu lugar nessa luta dentro da prisão, a que foi sentenciado por crime comum, quando há muito abandonara a escola, a despeito de ter sido excelente aluno da educação fundamental, em que foi inclusive presidente de turma – em uma instituição de maioria branca.


quarta-feira, 20 de maio de 2015

Malcolm X e o pão nosso de cada dia (e só o pão)

Os 90 anos de nascimento de um líder: assista ao vídeo
Durante a Grande Depressão, passamos muita necessidade. Minha mãe ganhava pães, então... fazia sopa de pão, pudim de pão, pão torrado, ensopado de pão, pão com açúcar, pão com óleo de cozinha e sal, pão com banana. Não ficamos traumatizados porque o pão salvou nossas vidas.
Malcolm X.


Malcolm X nasceu como Malcolm Little em 19 de maio de 1925, em Omaha, estado deNebraska (EUA). Seu pai, Earl Little, marceneiro de profissão, era pregador batista ligado ao movimento do Nacionalismo Negro, do líder jamaicano Marcus Garvey, que teve enorme influência na luta antirracista no início do século XX. Sua mãe, Louise Norton (Little), fluente em francês, era também atuante desse movimento. Ainda criança, Malcolm teve o pai assassinado por racistas de forma violentíssima (espancado, foi atirado em um trilho de bonde para ser atropelado). Com muitos filhos e uma depressão profunda, Louise, sem tratamento adequado, foi internada pelo Estado em um manicômio de condições precárias, do qual seria retirada anos depois, completamente aniquilada.

Os filhos de menor idade foram distribuídos pelo Serviço Social em lares adotivos. Malcolm, após ter sido excelente aluno do ensino fundamental, foi morar em Boston com sua meia-irmã Ella. Nessa cidade, vivendo de subempregos (engraxate, lavador de pratos, faxineiro de trens, entre outros), termina por se envolver com o mundo do crime, que o levará, com pouco mais de vinte anos de idade, em 1946, à prisão. Sentenciado a mais de uma década de pena, cumprirá sete anos em regime fechado. Por meio de uma seita religiosa, a Nação do Islã, tomará consciência das razões da exploração dos negros nos EUA. Ainda preso, se converterá ao islamismo e mergulhará nos livros de filosofia, sociologia, história, geografia , de literatura (menos) e até mesmo de latim, linguística e etimologia.

Desde quando sai da prisão, no segundo semestre de 1952, até o momento de seu assassinato, em 21 de fevereiro de 1965, Malcolm X evoluiu em seus pensamentos e suas práticas, abandonando o sectarismo e o ódio racial em favor de uma compreensão mais ampla da questão do negro e dos pobres nos EUA. Em 1964, rompe com a Nação do Islã totalmente e encampa a luta pelos direitos civis, por chegar à conclusão de que o ódio e a segregação são empecilhos à justiça social e à superação do racismo. Em seus últimos discursos afirmava: “Uno-me a todos aqueles dispostos a superar a miséria deste mundo”. Superando a visão sectária da Nação do Islã que o indispôs com líderes como Martin Luther King, afirmou: “A união é a religião certa”, e ainda: “Quando for lutar contra o racismo, deixe sua religião em casa, no guarda-roupa”.


Se forem descontextualizadas, muitas de
suas formulações parecerão erráticas, pois umas se chocarão com outras. Porém, respeitado seu percurso de aprendizagem contínua (retratado em sua Autobiografia, concluída no mês de seu assassinato), o que se observará é um homem de extrema inteligência e coragem, que jamais teve preguiça de estudar, pesquisar e, desde que convencido, mudar de ideia e de prática. Malcolm X não teve medo de romper com o passado, mesmo com o custo da própria vida, porque não teve tempo de ter medo. É esse exemplo, é esse homem, é esse jovem, que inspira tanta gente no mundo todo, particularmente na cultura hip hop.


LEIA TAMBÉM: Malcolm X: a voz rouca dos guetos, reportagem de Cida Moreira para a Rede Brasil .


JEOSAFÁ, professor, foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo. É escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, lançou em 2013 O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);  em maio de 2015, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora; no mesmo ano publicou A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo, pela editora Mercuryo Jovem. Leciona atualmente para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

O jovem Malcolm X entre amigos

FOTO: Mazé Leite.
Ano passado me dediquei à pesquisa de Malcolm X para a redação do romance-biografia O jovem Malcolm X, projeto que apresentei à editora Nova Alexandria e que foi por ela acolhido com bastante entusiasmo na coleção Jovens sem Fonteira, na qual publiquei em 2013 O jovem Mandela.

Além de pesquisa vídeo, biblio e historiográfica, contei com a ajuda de pessoas no Brasil e nos EUA.

Lá particularmente me ajudou Mr. Sandeep S. Atwal, com seu Malcolm X: Collected Speeches, debates and interwiews (1960-1965), a quem agradeço muitíssimo, pois, sem sequer me conhecer, respondeu pronta e fraternalmente a minha solicitação,  enviando-me seu excelente trabalho, que consiste em exaustiva compilação de áudios e vídeos, em que o próprio Malcolm X comparece com toda a força de sua inteligência, de sua ironia e de suas idiossincrasias.

No Brasil, desde o início, a excelente e guerreira artista plástica Mazé Leite, minha irmã de pai  e mãe diferentes, me estimulou com sua prosa inteligentíssima e com sua arte. A foto acima é dela, que prepara para breve um óleo sobre tela de nome Josa X, numa irreverente leitura de minha imagem à luz da imagem do grande líder negro norte-americano.

A jornalista Cida Moreira, da Rede Brasil Atual, por sua vez, mostrou-se generosíssima, ao traçar meu perfil em uma matéria para a revista e para o site homônimos (Da revolução dos boys ao cineclubismo, do bairro ao mundo). Também entrevistou-me, há coisa de vinte dias, a propósito d' O jovem Malcolm X  e dos 90 anos de nascimento do líder do nacionalismo negro norte-americano (a matéria deve ir ao ar e na revista em maio ou junho).

Por meio dela, acabei ficando devedor também do Prof. Dr. Vladimir Miguel Rodrigues, que me disponibilizou seu ótimo livro, nascido de sua tese de doutorado, O X de Malcolm e a questão racial norte-americana. A leitura desse livro me permitiu realizar alguns ajustes ao texto final.


Ainda me socorreu, também meu irmão de pai e mãe diferentes, o artista plástico e professor Claudinei Roberto, ex-coordenador de educação do Museu Afro Brasil e curador de um sem fim de exposições por este Brasil afora e adentro. A ele devo a leitura de revistas antigas de seu acervo, que situam a relação entre Malcolm X e o eterno campeão mundial de box Muhammad Ali.

Para o lançamento do livro, já agendado para 9 de junho, no auditório da livraria Martins Fontes-Paulista, conto com esses amigos na mesa de debates, não apenas para falar de Malcolm X, mas do que eles mesmos vêm produzindo, a partir de seus trabalhos artísticos e intelectuais, como contribuição para luta contra o racismo e pela justiça social no Brasil.

Tenho a esperança de poder contar na mesa ainda com Sirlene Barbosa e João Pinheiro, que pesquisam e produzem uma HQ sobre Carolina Maria de Jesus. Por hoje é só. Assim que tiver mais notícias, aviso os amigos.

Amplexos a todos do
Jeosa




O JOVEM MALCOLM X
DATA: 9 de junho de 2015
HORÁRIO: A partir das 19 horas
EVENTO: Mesa redonda: Malcolm X entre amigos: Os 90 anos de Malcolm X
LOCAL:

Livraria Martins Fontes Paulista

www.martinsfontespaulista.com.br/ 
Av. Paulista, 509 - Tel.: 11 2167.9900 - CEP 01311.910 - São Paulo SP | Estacionamentos: R. Manoel da Nóbrega, 95 e R. Manoel da Nóbrega, 88.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

EVOÉ, MALCOLM X- Há 50 anos Malcolm X era assassinado

Há 50 anos, em 21 de fevereiro de 1965, era assassinado um dos maiores líderes negros dos Estados Unidos e do Mundo. Em homenagem a ele e em desagravo, ofereço aos leitores um capítulo de meu romance-biografia O JOVEM MALCOLM X, a ser lançado pela editora Nova Alexandria em maio deste 2015, quando ele completaria exatos 90 anos de idade.

Adeus à inocência


Já sabe como cheguei a Boston: terno verde, calças pelas canelas e um sobretudo cinturado que eu podia jurar já ter tirado da loja desbotado. Minha meia-irmã Ella, que me hospedou, morava na parte bacana de Boston, onde negros endinheirados esfregavam na cara de caipiras como eu suas belas conquistas pessoais. Foi instintiva minha aversão por essa parte da cidade.

Ella não queria que eu trabalhasse logo de cara. Sua expectativa era a de que eu me preparasse, com seu auxílio, para realizar um sonho difícil para os negros deste lindo país chamado “American way of life”: o de me tornar advogado. Com isso, eu seria um lindo protótipo de vencedor, não acha? Não seria mais um desses fracassados jogados por aí.

Porém, para isso, eu teria de me concentrar na região de Hill, frequentar os espaços de Roxbury, das avenidas Waumbeck e Humbold, me misturar com aqueles que, com vergonha de revelar suas verdadeiras profissões, se vestiam com mais arrogância do que seus próprios patrões – retorno a esse particular daqui a pouco. Pare de me cutucar, senão derrubo esse prato.

Ah! Tem um desses metidos a bacanas passando ali fora, olhe. Conheço, esse. É garoto de recados,
embora diga que é “expert” em comunicação. Mas não me cutuque mais... se eu quebrar um copo, você é quem vai pagar.

Porém, Hill, muito parecida com a região de Sugar Hill, aqui da Big Apple, me dava nos nervos. Ainda mais depois que, tendo perambulado por toda Boston, conheci os bairros negros, com seus becos e “gatos” parados nas esquinas, a exibir trajes amigo-da-onça cheios de bossa, que me deixaram totalmente envergonhado de minha roupa de matuto. “Ah, Red Little, você é um caipira”, eu me dizia, olhando os rapazes, com pouco mais da minha idade a andarem gingando em seus estonteantes sapatos coloridos, como se a vida fosse, a qualquer hora do dia, uma pista de dança.

Não teve por onde, só passei a dar as caras em Hill para dormir. Ella não se preocupava comigo, pois, afinal, queria que eu conhecesse como era grande o mundo fora de Lansing.

Ella me deu muitas dicas. Por exemplo, quando andávamos pelas ruas metidas a besta de Hill, ela dizia: “Está vendo aquele ali de paletó impecável e sapatos engraxados até refletirem o sol?”. “Sim”, respondia eu, “é o senhor fulano de tal, gerente de uma concessionária de automóveis”.

Então, Ella estourava de rir e dizia: “Little, como você é inocente. Isso é o código que ele usa para disfarçar sua verdadeira profissão: lavador de carros na mansão de não sei quem, lá no lado branco da cidade”.

Palavra, me senti um total idiota. “E aquela ali, toda emperiquitada e coisa e tal?”, me cutucava minha meia-irmã com seu cotovelo pontudo – como você acabou de fazer – e apontava com uns olhos enviesados muito engraçados.

“Sim, a dona do salão de beleza que foi tomar café na sua casa outro dia”, eu lhe respondia do alto da minha inocência. Será que pode rir com mais decência, Lory? Ora, eu tinha apenas 15 anos! Você deveria se apiedar e se envergonhar dessa sua atitude – quiá quiá quiá, você é uma figura, Lory!

Aí Ella emendou: “Menino, como pode acreditar em tudo que ouve? Se não converter sua inteligência em malícia, vai passar muita vergonha por aqui – e vai virar alvo de boas risadas”.

Como vê, Lory, Ella é, entre outras coisas, vidente.

Mas, não precisa socar o balcão enquanto ri. O Ed ou o Charlie vão jogá-lo na rua se continuar a se
comportar como se estivesse num desses botecos pés-sujos que a ralé como nós frequenta.

Então Ella continuou: “Essa umazinha aí é ‘dona de salão de beleza’ só aqui no Harlem. Ela é faxineira na casa de Beltrana da Silva, lá para os lados do Bronx. E olha que a patroa dela também não nada em dinheiro, não, Red!”.

Meu mundo caiu nessa hora. Eu tinha essa dona como um exemplo acabado de negra bem-sucedida.

“Ella”, falei-lhe duramente, “então aqui só tem pobretão metido a rico por vergonha de ser pobre e preto?”.

“Aí você falou uma verdade, Little Red”, disse ela, invertendo meu nome por gozação, arregalando os olhos e estufando a boca numa careta hilária: “Ela acha que quem tem grana deixa de ser preto. Ser faxineira e limpar o banheiro dos brancos dá uma certa grana, que permite a ela  ter uma casa modesta, um casaco de vison falsificado e enganar almas puras e santas como a sua, seu mané!”, sussurrou Ella em meu ouvido, antes de explodir numa gargalhada sonora de grandes e lindos dentes brancos.

Depois que Ella se recompôs do acesso de riso, enfrentei a fera: “Ella, pode ir me passando esses códigos, que não quero mais passar vergonha, e muito menos ver os outros rindo da minha cara”.

“É pra já”, ela respondeu, assumindo ares de professora, ou irmã mais velha muito camarada: “Quando algum desses das bandas de cá se dirigir a você contando vantagens, fique sabendo, é pobre, pois os ricos não se dirigem a nós de maneira nenhuma, a não ser para dar ordens ou chamar a polícia. Se um desconhecido de ‘boa aparência’ não ordenou nada a você, nem chamou a polícia por causa de sua cor, é pobre disfarçado – seja preto, seja branco”.

“Tou entendendo, ‘Big’ Ella, pode continuar...” – ironizei-a, que nisso também não fico atrás de ninguém, é só me cutucarem para ver.

Ella prosseguiu sua aula de malícia: “Se uma moça lhe disser que é administradora de salão de cabeleireiros ‘chic’, fique sabendo, esse é o código que ela usa para ‘manicure’. Mas não faça a bobagem ou a indelicadeza de devolver-lhe na cara o ‘manicure’ – seja gentil com todos, principalmente com as moças de nossa cor, que são oprimidas por tudo quanto pesa sobre os negros e ainda muitas vezes por seus pais ou namorados machões”.

Senti naquele momento que Ella falava de si mesma. Minha meia-irmã retomou: “A ‘dona’ do ‘haute
coiffure’ sabe que está pregando uma mentira – e espera que você também saiba e tenha a delicadeza de não zombar”.

“E se um cara disser que é, por exemplo, dono de loja de móveis?”. “Então ele é, na melhor das hipóteses, marceneiro”.

Devolvi a Ella: “Por essa lógica, se um fulano disser que tem um posto de gasolina, então, é frentista!”.

“Viu?”, Ella sorriu magnanimamente. “Não é difícil traduzir esse código, não é mesmo?”.

Fui-me escolando nessas conversões de código, de tal maneira que, depois de algum tempo, andando pela rua, ia competindo com Ella: “Esse é carpinteiro.” – “Isso!”; “Aquela é babá.” – “Isso!”; “Lá na frente vai um mensageiro.” – “Isso!”; “Atravessando a rua, vai uma balconista.” –  “Isso! Isso! Isso!”.