quinta-feira, 5 de maio de 2011

Trevas no paraíso, de Luiz Fernando Emediato

Quem deseja mergulhar de cabeça, não sem risco de arrebentá-la, no fundo duro da década de 70, que vá imediatamente à livraria mais próxima, que pode estar a um clic do mouse, com o perdão pelo trocadilho infame com o nome do autor, e adquira Trevas no paraíso – Histórias de amor e guerra nos anos de chumbo, de Luiz Fernando Emediato.

Nas páginas desse volume estão a violência do aparato policial do Estado ditatorial e a loucura dos jovens que, em busca de uma saída a qualquer custo para o sufoco da clausura política e moral imposta por generais, e reproduzida na família por pais-patrões, foram fundo ou na resistência armada ao regime ou no “sexo, drogas e rock’nd roll”.

O peso daqueles tempos difíceis durante o qual, um a um, líderes da oposição armada ou não foram caíndo nas malhas dos Doi-Codi, permeia cada palavra das histórias desse volume que, no entanto, exala liberdade, seja pela linguagem inusitada, às vezes diversionista em razão da necessidade de driblar a burra mas truculenta censura, seja pelo caráter das experiêncas representadas, sempre no limite da emoção, da comoção e da vontade de explodir pelos ares o “Reinado de Artaroth”, espécie de deus cruel da gerra, cuja soberania violenta toda beleza da cidade de Mondoro.

O Brasil esmagado pelas botinas dos generais e pela "Marcha da Famlia com Deus etc." está todo aí, acrescido da engenhosidade de um escritor moço, que entre 1973 e 1979 empapuçou-se de vencer prêmios literários e depois mandou a literatura à merda, com todos os prêmio juntos, bem ao estilo Pasquim de ser.

O trabalho de Luiz Ruffato, organizador e apresentador do livro, faz chegar ao leitor o olor fresco e vivo dessas páginas indignadas, sardônicas e às vezes amargamente hilárias, que remetem em muitos e excelentes momentos ao melhor de Bukowski.

Na denúncia artisticamente formulada ao modo de colagem, até discurso de palamentar opositor da ditadura serve para romper o silêncio imposto pelos coturnos, pela censura e pela perseguição.

Viajar pelas páginas de um então Luiz Fernando Emediato de cabelos encaracolados no reinado de Artaroth é entrar de sola na corda bamba que Aldir Blanc e João Bosco esticaram para Elis Regina trilhar com a voz limpa de canário fugido da gaiola.

Quem topa?

FONTE: Trevas no paraíso - Histórias de amor e guerra nos anos de chumbo. Org. e Apres. Luiz Ruffato. São Paulo, Geração Editorial, 2004.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O corvo, de Allan Poe CENSURADO



Quando da morte de Peter Sellers, em 1980, um jornalão de São Paulo estampou sua foto humoristicamente séria sobre uma frase em letra garrafais a ele atribuída:

"Pobre de quem acredita que no mundo há um grama de seriedade.

Acometido pelo espírito (para os espíritas), ou do exemplo (para os materialistas) do grande ator cínico, antes de inglês, decidi ingressar em minha fase zen. Isso mesmo, chega de chorar o Ferreira derramado, até porque só o Ferreira passado movia-se contra moinhos. O atual vive em redemoinhos.

Caros telespectadores e radiouvientes, estou zen. Bem-vindos à tenda do OH! GRANDIOSO FÁ! Para provar que superei minha fase anterior, séria, de óculos, gravata e em fundo branco e preto, mudo de assunto. O assunto de hoje é a censura.

Viram como estou humorado: disse que ía mudar o tema, mas não mudei. Isso deve produzir algum efeito humorístico, segundo os estudos feitos pela USP sobre o assunto. Em breve um pesquisador da FFLCH dessa séria instituição deve procurar quem me ouve agora ao vivo e em cores para medir o índice de riso provocado por essa artimanha da linguagem.

Se não riram antes, rirão agora da história que vou contar, baseada em fatos verídicos. Os nomes das instituições e das pessoas serão preservados para não expô-las à galhofa, muito embora ela, a galhofa, derive de ações e patacoadas dos mesmos aqui protegidos pelo segredo jornalístico.

Participei ano passado da banca de seleção de obras literárias para a Secretaria de Estado da Educação de São Silvestre. Foi um trabalho bacana, em que pesem duas figuras de pastelão de filme mudo que puseram lá para melar com chantily de torta o trabalho da banca selecionadora.

Atiçadas diretamente pelo então secretário Fulano de Tal Apegado à Torta, essas duas persongens, cujos nomes fictícios são Goseli e Tara, saídas com certeza de um filme dos Irmãos Marx, deram asas a seus delírios hipocondríacos.

Quem assitiu à minha postagem anterior está por dentro do assunto. Quem não leu, então que leia, ora essa! Continuando o filme de pastelão comandado pelo secretário Groucho Atirador de Tortas, Goseli e Tara saíram caçando livros com suas vassouras (digo, tesouras, vejam o que é o ato falho) voadoras. Do seu gabinete, o Groucho sem graça atiçava: "Vai, fundo, meninas com a tesouras".

Além de Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Ferreira Gullar antes da crise de consciência, Vinicius de Moraes, entre muitos outros, para elas, "imoraes", um veto de espetacular candura causou assombro - porém depois deliciosas gargalhadas entre os membros da banca do certame (membro, essa palavra insidiosa de ser prounciada nos corredores da Secretaria da Educação de São Silvestre City).

O diálogo é  quase inventado, mas é quase esse, tirando algumas quase vírgulas. Tara, olhos arregalados, exofitálmicos, alterada, falando e cuspindo ao mesmo tempo, atirava sua torta, enquanto sua parceira de vassoura voadora, digo, tesoura (vejam o que é o ato falho), Goseli Goselina, se escondia atrás do livro candidato a apara de papel:

Tara Equestre: Esse livro não pode ser enviado aos alunos da rede pública. É pornográfico.

Séria Indignalda (titular da banca): Qual o problema desse livro?

Tara Equestre: Não está vendo? Está na cara!

 Séria Indignalda: Como assim, na cara?

 Tara Equestre: Ora, esse Allan Poe dos quadrinhos tem um pênis na cara!

Séria Indignalda: Ora, você está surtada, sua louca!

OH! Grandioso Fá: Ora, cada um vê o que quer na cara de quem quiser. Já que falei em ver, cara Tara, viu quem traduziu esse livro?

Tara Equestre: Não!

OH! Grandioso Fá: Ora, foi o Machado de Assis! Também está na cara, ou melhor na capa. Então você fica de olho no nariz avantajado do personagem e esquece do texto? Não é qualquer textículo não, minha cara Tara, é um baita textão clássico e glandioso! (vejam agora o que é um ato fálico com justa motivação).  Mas que bela atiradora de tortas está me saindo, cara Tara!

Goseli Goselina: Ora, veja bem, com um pênis desse tamanho no cara do leitor...

Mara Tara: Do leitor, não, colega, do Allan Poe.

Fábio Lobo (outro titular da banca): Vocês vão censurar um livro por causa de um delírio proveniente de recalque sexual e... e... (o coitado até gaguejou) surto psicótico?

Tara Esquestre e Goseli Goselina (em coro ensaiado lá no gabinete do secretário das tortas): Ah, é, não é? Se é assim, agora é que vamos para as cabeças mesmo. Tá censurado, se insistirem, melamos o processo.

Séria Indignalda: Aí, me segura que vou ter um troço.

Outros dois membros da banca, até ali só ouvindoOH! Grandioso Fá, você nos convida para um filme de pastelão, oras bolas! Nossa simpatia por sua titulação da USP e pelos parcos larjans que vão nos pagar a... a... (os caras também engasgaram) assim periclita, bacana!

Outros titulares até ali pasmos sem entender patavinas: OHHHHHHHHHHHHHHH!

OH! Grandioso FÁ (entrando de sola, mas bem zen): Calma, gente, é só um surtinho que vem lá das altas esferas, para não falar bolas, o que soaria indecente em conformidade com o delírio peniano. É só um surtinhozinho, já já passa... Vamos abrir as janelas e tomar um ar que dessufoca...

Séria Indignalda: OH! Grandioso Fá, não estudei para tamanha provação. Nunca imaginei nem durante a ditatura mais cruel ceder ouvidos a tanta patacoada... Essas duas que vão fazer psicoterapia, vão de retro, discípulas de Torquemada! Arre! Ainda não desisti de ter um troço imediatamente não!

Tenho que me curvar às evidências: o surtinho não passou coisa nenhuma. E o diagnóstico  do furibundo acometimento abunda ainda no insuspeito órgão da constitucionalissimamente São Silvestre.

Telespectadores e radiouvintes, foi um sufoco. Vocês não imaginam o que é a gente se ver  subitamente no meio do fogo cruzado de um filme de pastelão. Elas duas lá, mandando ver nas tortas e o restante da banca só se desviando para escapar do chantily azedo que o secretário Preparador de Tortas precariamente cozidas.

Resumo da ópera bufa, em volume alto para todo mundo ouvir:

O CORVO, DE ALLAN POE, COM TRADUÇÃO DE MACHADO DE ASSIS, EM QUADRINHOS, FOI CENSURADO PORQUE DUAS... DUAS... DUAS... (gente, até engasguei) SAÍDAS DE UM FILME DO GROUCHO MARX FORAM POSTAS NA BANCA PELO SECRETÁRIO PÂNDEGO PARA ARREMESSAR TORTAS LOUCAS!

Telespectadores e radiouvintes, o volume agora retorna ao normal, bem zen, como prometi.

A ilustração da discórdia está no alto deste artigo. Deem uma boa olhada nela e no órgão nela supostamente implantado pelo excelente ilustrador Luciano Irrthum. Comparem agora com órgão olfativo da foto do poeta norte-americano a seguir:



Que acham? É para rir ou para chorar? Sei lá. Sabe, gente é tão difícil ser zen...

Encerram-se neste momento as tramissões transcedentais da tenda meditativa do OH! Grandioso FÁ.



LANÇAMENTO
Era uma vez no meu Bairro
ZONA NORTE – Nova Edição
ZONA LESTE – Inédito
Dia 18 de outubro de 2011
19:30h
Livraria do Espaço Unibanco de Cinema da Rua Augusta
SÃO PAULO - SP

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ferreira Gullar: um poeta que comeu mosca



Na eleição presidencial de 2010 o poeta Ferreira Gullar manifestou-se abertamente em favor da candidatura José Serra, coerente com a trajetória que vem desenvolvendo nos últimos 15 anos, ao menos.

Sendo ele eleitor apto, sua escolha política é legítima, e deve ser respeitada. Se Médici estivesse vivo e fosse candidato devidamente registrado, seria do jogo democrático que eventualmente o escolhesse também.

Sucede, como o poeta gosta de dizer, que a questão não é apenas o direito legítimo de um eleitor votar em quem quiser, mas a de um eleitor como Gullar votar desinformado, e isso no caso de um intelectual de sua estatura é indesculpável.

Sucede, retomando o cacoete do poeta, que o candidato Serra não informou ao eleitor-poeta que, enquanto aceitava candidamente seu voto, orientava Paulo Renato, o Secretário da Educação de São Paulo, a organizar uma verdadeira ordem inquisitorial para vetar obras literárias.

Chefiada pelo ex-ministro de FHC, essa ordem medieval discípula de Torquemada verificava nos livros, linha a linha, a presença de vocábulos que conspurcassem os olhos de alunos ou de professores.

O saldo dessa caça às bruxas é que obras já clássicas, tais como Corpo, O Amor Natural e Farewell de Drummond, foram vetadas. Toda a obra de Plínio Marcos idem. O mais representativo de Rubem Fonseca, ibidem, entre muitos, muitos outros.

O poeta maranhense radicado no Rio poderia afirmar: até aí, não mexeu comigo.

E aí reside a falta de informação crucial: mexeu sim.

Sua Poesia Completa, Teatro e Prosa, em belíssima edição da Nova Aguilar foi vetada integralmente. E foram vetados também todos os livros seus que contêm vocábulos “pornográficos”. Seu Poema Sujo, considerado por Vinícius de Moraes um dos principais da literatura brasileira do século XX, está interditado até para envio a professores.

Nos últimos anos Gullar vem acumulando equívocos. Em entrevista a uma TV, anos atrás, assisti estupefato ao poeta, de corpo presente, defender a tese de que a resistência armada à ditadura era uma completa porra-louquice e que ela, a resistência, era culpada pelo endurecimento do regime militar, tese que corrobora com os argumentos dos torturadores de que os torturados são culpados pela própria tortura de que foram vítimas.

No caso do alinhamento com José Serra, também apoiado por TFP e neonazistas, estou dando ao poeta o benefício da dúvida, em razão de uma hipotética desinformação. Porém, justiça seja feita, já faz tempo esse grande poeta tem andando em más companhias.

E uma vez que fez campanha para Serra, não custa nada solicitar a ele que interceda junto ao novo governador, também tucano, a gentileza de desenterditar sua obra, cuja presença na estante de estudantes de Ensino Médio e de Professores só pode fazer bem.

Afinal, de alguma coisa deve servir declaração de voto tão mal informada e, de meu ponto de vista, infausta.





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