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quarta-feira, 13 de abril de 2011

O corvo, de Allan Poe CENSURADO



Quando da morte de Peter Sellers, em 1980, um jornalão de São Paulo estampou sua foto humoristicamente séria sobre uma frase em letra garrafais a ele atribuída:

"Pobre de quem acredita que no mundo há um grama de seriedade.

Acometido pelo espírito (para os espíritas), ou do exemplo (para os materialistas) do grande ator cínico, antes de inglês, decidi ingressar em minha fase zen. Isso mesmo, chega de chorar o Ferreira derramado, até porque só o Ferreira passado movia-se contra moinhos. O atual vive em redemoinhos.

Caros telespectadores e radiouvientes, estou zen. Bem-vindos à tenda do OH! GRANDIOSO FÁ! Para provar que superei minha fase anterior, séria, de óculos, gravata e em fundo branco e preto, mudo de assunto. O assunto de hoje é a censura.

Viram como estou humorado: disse que ía mudar o tema, mas não mudei. Isso deve produzir algum efeito humorístico, segundo os estudos feitos pela USP sobre o assunto. Em breve um pesquisador da FFLCH dessa séria instituição deve procurar quem me ouve agora ao vivo e em cores para medir o índice de riso provocado por essa artimanha da linguagem.

Se não riram antes, rirão agora da história que vou contar, baseada em fatos verídicos. Os nomes das instituições e das pessoas serão preservados para não expô-las à galhofa, muito embora ela, a galhofa, derive de ações e patacoadas dos mesmos aqui protegidos pelo segredo jornalístico.

Participei ano passado da banca de seleção de obras literárias para a Secretaria de Estado da Educação de São Silvestre. Foi um trabalho bacana, em que pesem duas figuras de pastelão de filme mudo que puseram lá para melar com chantily de torta o trabalho da banca selecionadora.

Atiçadas diretamente pelo então secretário Fulano de Tal Apegado à Torta, essas duas persongens, cujos nomes fictícios são Goseli e Tara, saídas com certeza de um filme dos Irmãos Marx, deram asas a seus delírios hipocondríacos.

Quem assitiu à minha postagem anterior está por dentro do assunto. Quem não leu, então que leia, ora essa! Continuando o filme de pastelão comandado pelo secretário Groucho Atirador de Tortas, Goseli e Tara saíram caçando livros com suas vassouras (digo, tesouras, vejam o que é o ato falho) voadoras. Do seu gabinete, o Groucho sem graça atiçava: "Vai, fundo, meninas com a tesouras".

Além de Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Ferreira Gullar antes da crise de consciência, Vinicius de Moraes, entre muitos outros, para elas, "imoraes", um veto de espetacular candura causou assombro - porém depois deliciosas gargalhadas entre os membros da banca do certame (membro, essa palavra insidiosa de ser prounciada nos corredores da Secretaria da Educação de São Silvestre City).

O diálogo é  quase inventado, mas é quase esse, tirando algumas quase vírgulas. Tara, olhos arregalados, exofitálmicos, alterada, falando e cuspindo ao mesmo tempo, atirava sua torta, enquanto sua parceira de vassoura voadora, digo, tesoura (vejam o que é o ato falho), Goseli Goselina, se escondia atrás do livro candidato a apara de papel:

Tara Equestre: Esse livro não pode ser enviado aos alunos da rede pública. É pornográfico.

Séria Indignalda (titular da banca): Qual o problema desse livro?

Tara Equestre: Não está vendo? Está na cara!

 Séria Indignalda: Como assim, na cara?

 Tara Equestre: Ora, esse Allan Poe dos quadrinhos tem um pênis na cara!

Séria Indignalda: Ora, você está surtada, sua louca!

OH! Grandioso Fá: Ora, cada um vê o que quer na cara de quem quiser. Já que falei em ver, cara Tara, viu quem traduziu esse livro?

Tara Equestre: Não!

OH! Grandioso Fá: Ora, foi o Machado de Assis! Também está na cara, ou melhor na capa. Então você fica de olho no nariz avantajado do personagem e esquece do texto? Não é qualquer textículo não, minha cara Tara, é um baita textão clássico e glandioso! (vejam agora o que é um ato fálico com justa motivação).  Mas que bela atiradora de tortas está me saindo, cara Tara!

Goseli Goselina: Ora, veja bem, com um pênis desse tamanho no cara do leitor...

Mara Tara: Do leitor, não, colega, do Allan Poe.

Fábio Lobo (outro titular da banca): Vocês vão censurar um livro por causa de um delírio proveniente de recalque sexual e... e... (o coitado até gaguejou) surto psicótico?

Tara Esquestre e Goseli Goselina (em coro ensaiado lá no gabinete do secretário das tortas): Ah, é, não é? Se é assim, agora é que vamos para as cabeças mesmo. Tá censurado, se insistirem, melamos o processo.

Séria Indignalda: Aí, me segura que vou ter um troço.

Outros dois membros da banca, até ali só ouvindoOH! Grandioso Fá, você nos convida para um filme de pastelão, oras bolas! Nossa simpatia por sua titulação da USP e pelos parcos larjans que vão nos pagar a... a... (os caras também engasgaram) assim periclita, bacana!

Outros titulares até ali pasmos sem entender patavinas: OHHHHHHHHHHHHHHH!

OH! Grandioso FÁ (entrando de sola, mas bem zen): Calma, gente, é só um surtinho que vem lá das altas esferas, para não falar bolas, o que soaria indecente em conformidade com o delírio peniano. É só um surtinhozinho, já já passa... Vamos abrir as janelas e tomar um ar que dessufoca...

Séria Indignalda: OH! Grandioso Fá, não estudei para tamanha provação. Nunca imaginei nem durante a ditatura mais cruel ceder ouvidos a tanta patacoada... Essas duas que vão fazer psicoterapia, vão de retro, discípulas de Torquemada! Arre! Ainda não desisti de ter um troço imediatamente não!

Tenho que me curvar às evidências: o surtinho não passou coisa nenhuma. E o diagnóstico  do furibundo acometimento abunda ainda no insuspeito órgão da constitucionalissimamente São Silvestre.

Telespectadores e radiouvintes, foi um sufoco. Vocês não imaginam o que é a gente se ver  subitamente no meio do fogo cruzado de um filme de pastelão. Elas duas lá, mandando ver nas tortas e o restante da banca só se desviando para escapar do chantily azedo que o secretário Preparador de Tortas precariamente cozidas.

Resumo da ópera bufa, em volume alto para todo mundo ouvir:

O CORVO, DE ALLAN POE, COM TRADUÇÃO DE MACHADO DE ASSIS, EM QUADRINHOS, FOI CENSURADO PORQUE DUAS... DUAS... DUAS... (gente, até engasguei) SAÍDAS DE UM FILME DO GROUCHO MARX FORAM POSTAS NA BANCA PELO SECRETÁRIO PÂNDEGO PARA ARREMESSAR TORTAS LOUCAS!

Telespectadores e radiouvintes, o volume agora retorna ao normal, bem zen, como prometi.

A ilustração da discórdia está no alto deste artigo. Deem uma boa olhada nela e no órgão nela supostamente implantado pelo excelente ilustrador Luciano Irrthum. Comparem agora com órgão olfativo da foto do poeta norte-americano a seguir:



Que acham? É para rir ou para chorar? Sei lá. Sabe, gente é tão difícil ser zen...

Encerram-se neste momento as tramissões transcedentais da tenda meditativa do OH! Grandioso FÁ.



LANÇAMENTO
Era uma vez no meu Bairro
ZONA NORTE – Nova Edição
ZONA LESTE – Inédito
Dia 18 de outubro de 2011
19:30h
Livraria do Espaço Unibanco de Cinema da Rua Augusta
SÃO PAULO - SP

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Histórias Extraordinárias, de Allan Poe



Trad. e Adapt. Clarice Lispector

Esta exclente tradução de Clarice Lispector para as Histórias Extraordinárias, de Edgard Allan Poe, oferece ao leitor 18 dos mais importantes contos da obra desse decisivo autor da literatura de língua inglesa. A qualidade da edição, por outro lado, é um estímulo ao leitor, que recebe em mãos num só volume um clássico da literatura fantástica e uma tradução de altíssima qualidade de uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira, cujo domínio de ambos os idiomas é indiscutível.

O mesmo rigor no tratamento da linguagem de Clarice Lispector em seus romances aqui revela-se na forma de uma tradução requintada, na qual o suspense, marca registrada do importante escritor norte-americano, surge na forma de um vocabulário que, simulando objetividade, reserva para o leitor muitos alçapões cheios de ambiguidades, supresas e sustos:

“Amanhã morrerei e hoje quero aliviar minha alma. Por essa razão vou lhes contar tudo. Na verdade, tudo não passou de uma série de simples acontecimentos domésticos. Mas, pelas suas consequências, estes acontecimentos me aterrorizaram, me torturaram e me aniquilaram. Espero que para outros não pareçam terrívies. Para mim foram. Tanto que, até agora, penso que sonhei. Ou que enlouqueci. Não, louco não devo estar. É que foi demais, horrível demais. Inacreditável que tudo isso tenha acontecido. E assim como aconteceu. E logo comigo que, desde menino, fui sempre dócil, humano”.

A sensação provocada pelo vocabulário convocado pela tradutora é a de que o narrador está abrindo seu coração e contando tudo ao leitor, mas, até onde o parágrafo está desenvolvido, esse narrador não contou absolutamente nada.

Esse narrador do conto “O gato preto” que inicia o volume, na versão de Clarice, vai, isso sim, fermentando o espírito do leitor com dúvidas, cismas, indícios e expectativas.

Nessa estratégia de prestidigitação, palavras aparentemente inequívocas vão constuindo cenários sombrios e idéias ambíguas. Afinal, aquilo que virá a encontro do leitor, é sonhado ou não, é loucura ou não, corresponde ao menino dócil e humano que o narrador foi ou não?

Mistério...

Que a tradutora soube respeitar – e segredo, que ela soube guardar até o último momento, com requinte e em reverência ao autor.

FONTE: Lispector, Clarice. História Extraordinárias/Edgard Allan Poe. Trad. e adapt. Clarice Lispector. Rio de Janeiro, Ediouro, 2005.