segunda-feira, 12 de abril de 2010

Toda Mafalda, de Quino



Trad. Andréa Stahel e outos

Toda Mafalda traz, em uma excelente edição de capa dura, toda a produção do importante cartunista Quino (Joaquín Salvador Lavado, nascido em 17 de julho de 1932, na província de Mendoza, Argentina). Uma breve resenha introdutória apresenta a famosa personagem, e uma pequena cronologia versa sobre o artista.

Mafalda, uma simpática, crítica e esperta menina preocupada com os problemas da humanidade, foi criada em 1962. Na oportunidade, ela deveria fazer o papel de “garota propaganda” de anúncio a ser veiculado no jornal Clarín. Mas não deu certo, e a personagem só nasceu para seu público mesmo em 1964, no jornal Primeira Plana, aqui já na forma de cartum.

Outros personagens da tira foram aparecendo logo em seguida, e não tardou para que a HQ fosse publicada também em outros jornais argentinos e, depois, de outros países – inclusive no Brasil, em plena ditadura militar.

Mafalda, ao ganhar o coração dos leitores latino-americanos, saltou para Estados Unidos e Europa, ganhando o mundo. Em 1973, O cartunista decidiu encerrar a série, participando apenas eventualmente em publicações humanitárias, em particular relacionadas à UNICEF.

Nessa surpreendente HQ, que mescla política, socidade e filosofica, o humor e a ironia estão presentes, tanto no texto dos balões, quanto nas expressões das personagens, sempre a dirigirem suas críticas e ironias ao público adulto, a quem, em tese, caberia cuidar melhor dos destinos dos semelhantes e do planeta.

Tanto as temáticas destacadas quanto a articulação entre texto verbal e texto gráfico permitem amplo raio de ação pedagógica dos professores de Língua Portuguesa, História e Arte, e ainda de Filosofia e Sociologia.

FONTE: Quino. Toda Mafalda. Trad. Andréa Stahel et. Al. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1993.

domingo, 11 de abril de 2010

Capitães de Areia, de Jorge Amado

Posfácio: Milton Hatoum

ATA DE INCINERAÇÃO

Aos dezenove dias do mês de novembro de 1937, em frente à Escola de Aprendizes Marinheiros, nesta cidade do Salvador e em presença dos senhores membros da comissão de buscas e apreensões de livros, nomeada por ofício número seis, da então Comissão Executora do Estado de Guerra, composta dos senhores capitão do Exército Luís Liguori Teixeira, segundo-tenente intendente naval Hélcio Auler e Carlos Leal de Sá Pereira, da Polícia do Estado, foram incinerados, por determinação verbal do sr. coronel Antônio Fernandes Dantas, comandante da Sexta Região Militar, os livros apreendidos e julgados como simpatizantes do credo comunista, a saber: 808 exemplares de Capitães da areia, 223 exemplares de Mar morto, 89 exemplares de Cacau, 93 exemplares de Suor, 267 exemplares de Jubiabá, 214 exemplares de País do carnaval, 15 exemplares de Doidinho, 26 exemplares de Pureza, 13 exemplares de Bangüê, 4 exemplares de Moleque Ricardo, 14 exemplares de Menino de Engenho, 23 exemplares de Educação para a democracia, 6 exemplares de Ídolos tombados, 2 exemplares de Idéias, homens e fatos, 25 exemplares de Dr. Geraldo, 4 exemplares de Nacional socialismo germano, 1 exemplar de Miséria através da polícia.

Tendo a referida ordem verbal sido transmitida a esta Comissão pelo sr. Capitão de Corveta Garcia D'Ávila Pires de Carvalho e Albuquerque e a incineração sido assistida pelo referido oficial, assim se declara para os devidos fins.

Os livros incinerados foram apreendidos nas livrarias Editora Baiana, Catilina e Souza e se achavam em perfeito estado.

Por nada mais haver, lavra-se o presente termo, que vai por todos os membros da Comissão assinado, e, por mim segundo-tenente intendente naval Hélcio Auler, que, servindo de escrivão, datilografei. (assinados)

Luís Liguori Teixeira, Cap. Presidente
Hélcio Auler, Segundo-Tenente Int. N.
Carlos Leal de Souza Pereira

Transcrito do jornal Estado da Bahia, de 17-12-37.”

FONTE: Duarte, Eduardo Assis. “Literatura e Cidadania”. Campinas, UNICAMP Disponível em http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/leitura%20e%20cidadania.htm.

A queima dessa obra em 1937 marca um dos períodos mais obscurantistas da vida brasileira. Porém, não deixa de ser curioso que, se essa ditadura condenou Capitães de Areia, a que veio depois não viu nesse livro qualquer grande risco, uma vez que em 1966 ele fazia parte do currículo e era lido por adolescentes.

Sobre esse particular, é esclarecedor o Posfácio de Milton Hatoum a esta edição de Capitães de Areia. Diz o insigne ficcionista brasileiro à pagina 273:.

“Em 1937 Capitães de areia foi censurado e depois queimado em Salvador”, disse minha professora de português, quando eu estudava no Ginásio Amazonense Pedro II, em Manaus.

A frase da professora aumentou a curiosidade dos estudantes por esse romance, um dos livros obrigatórios do curso de literatura brasileira. Por sorte, a leitura deu prazer aos jovens leitores. Agora, ao reler a história dos meninos do trapiche, encontrei o mesmo deleite, mas com outro olhar: o leitor de 1966 não é o mesmo de 2008.

Milton Hatoum nasceu em 1952, portanto, em 1966, em plena ditadura militar, aos 14 anos de idade, ele era “obrigado” a ler – com prazer, confessa – o mesmo livro que a muitos partidários da censura ainda hoje, em plena vigência do regime democrático, causa comichões e apoplexia.
Não deixa de ser espantoso que uma ditadura tenha queimado a obra, junto com outras do mesmo autor, enquanto outra ditadura, por muitos considerada mais feroz, a tenha acolhido para leitura de adolescentes em início de puberdade.

Ray Brabury, no seu Fahrenheit 451, trata exatamente desse triste assunto: o da censura e queima de livros por mentalidades e regimes obscurantistas.

Nesse excelente romance, que já nasceu clássico e que foi adaptado para o cinema por François Truffaut, Ray Bradbury discorre sobre um futuro não muito distante, quando os livros, proibidos, serão incendiados junto com seus possuidores. É uma contundente alegoria contra regimes autoritários, para os quais nada pode haver de mais perigoso do que certos tipos de livros.

No posfácio da presente edição em destaque, o autor norte-americano diz:.

Esfole, desosse, desmonte, escarifique, derreta, encurte, destrua. Todo adjetivo de quantidade, todo verbo de movimento, toda metáfora que pesasse mais que um mosquito – eliminados! Todo símile que teria feito a boca de um submentacapto se contorcer – desaparecido! Qualquer paralelo que explicasse a filosofia barata de um escritor de primeiro nível – perdido!.

(...)

Existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acesos.

Fonte: Bradbury, Ray. Frahrenheit 451. São Paulo. Editora Globo, 2003.

Algumas leituras apressadas de Capitães de Areia, ao acusarem o livro de “libidinoso”, “imoral”, e mesmo “pornográfico”, fazem eco a práticas da censura e da queima de livros, quando o que está em jogo nesse romance é o abandono de crianças largadas à sua própria sorte e obrigadas a realizarem sua aprendizagem nas ruas, onde são exploradas e violentadas todos os dias.

Nesse caso, pornográfico não é o livro, mas a miséria que ele tem a coragem de denunciar na forma de romance. Comparar a realidade que ele retrata com a atual situação de crianças em risco social é uma atividade bastante interessante a ser realizada na escola, principalmente em épocas de filistinismo moralista como esta em que estamos nos afundando não sabemos até quando - nem até que ponto.

FONTE: Amado, Jorge. Capitães de Areia. Posfácio Milton Hatoum. São Paulo. Cia. Das Letras, 2008.

O Ermitão da Glória, de José de Alencar

Adaptação: Sonia Maria Sarti. Ilustração: José Antônio Rossin

Esta adaptação de O Ermitão da Glória, de José de Alencar para os quadrinhos estabelece uma excelente relação entre a obra do importante autor brasileiro e o público jovem por meio de ilustrações de qualidade irreparável, que põem em evidência e contextualizam visualmente a linguagem verbal, apropriada nos termos daquela empregada pelo autor no texto original.

Nessa história marítima, a cidade do Rio de Janeiro e sua geografia exuberante e praticamente intocada, nos inícios do século XVII, são palco das aventuras e desventuras românticas do jovem Aires de Lucena, em sua luta contra os invasores franceses e holandeses, e contra o destino, que se lhe confere sorte nas batalhas, por outro lado lhe prepara dolorosa provação, anunciada por presságios aziagos, em que comparecem a visão da Nossa Senhora da Glória e a imagem da jovem e bela de Maria da Glória, por ele salva ainda bebê, quando de um confronto com corsários na costa fluminense, e por quem se descobre irremediavelmente apaixonado.

As reviravoltas do destino vão ainda açoitar Antônio de Caminha, jovem que esteve a um segundo de desposar Maria da Glória, ante os olhos mortificados de ciúmes de Aires de Lucena. O drama é ainda maior por Maria da Glória corresponder ao amor do maduro corsário que a acolheu bebê dos braços da mãe.

Várias abordagens podem ser realizadas a partir dessa excelente adaptação realizada por Sonia Maria Sarti, que articula o texto de José de Alencar com as belas ilustrações de José Antônio Rossin, precocemente falecido quando realizava exatamente esse trabalho.

Uma discussão muito proveitosa poderia ser realizada, por exemplo, a propósito do amor de Aires por Maria da Glória, e dos desencontros que o permeiam. Aliás, os obstáculos que impedem a realização do amor são um tema recorrente no Romantismo. Os romances de Victor Hugo, por exemplo, são paradigmáticos nesse aspecto, sendo o famoso O corcunda de Notre Dame um modelo que se expandiu para todos os cantos do mundo em que o Romantismo vicejou.

Se, nesse romance, a feiúra do corcunda, em oposição a sua beleza humana, são, assim digamos, a “muralha da china” que o separa de sua amada, a belíssima cigana Esmeralda, cujo nome já é emblemático, em O Ermitão da Glória essa muralha é a diferença de idade. Outra linha interessante seria discutir os temas da fuga e da morte, eloquentemente presentes na obra.

Essas opções literárias, a que José de Alencar aderiu sinceramente, estão lastreadas por uma abundante produção filosófica e sociológica que seria conveniente mobilizar, ainda que apenas a título de contextualização. Mas o Destino, com “D” maiúsculo, não poderia ficar de fora de discussões mais cuidadosas essa obra, uma vez que ele, com suas reviravoltas, provações e antecipações premonitórias, confirmadas pelos fatos, é quase um personagem do romance.

FONTE: Sarti, Sonia Maria. O Ermitão da Glória / José de Alencar. Adap. Sonia Maria Sarti; Ilustr. José Antônio Rossin.