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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Jorge Amado cassado novamente


Ano passado tive a honra de defender, junto ao Ministério Público do Estado, Jorge Amado. Este, como Carlos Gardel –  que depois de morto canta cada vez melhor –, continua atazanando as consciências culpadas das elites paulistas egressas da revolução de 32.

Setores altamente reacionários da sociedade paulista, que plantam conservadorismo nas consciências desavisadas para colher votos nas eleições, continuam enxergando no grande escritor baiano, inúmeras vezes cotado para o prêmio Nobel, um subversivo instigador da juventude e, agora, a esta altura do século XXI, um aliciador de menores.

Esse setor, que é contrário ao ECA, por entender que esse Estatuto “protege bandidos”, recorre ao próprio ECA para sustentar suas argumentações inquisitoriais e falso-moralistas. Segundo essa parcela medieval da sociedade brasileira, o livro “Capitães de Areia” contém trechos pornográficos que ferem o Estatuto da Criança e do Adolescente, o que justificaria sua cassação do currículo escolar.

Esse mesmo livro, que foi queimado pela ditadura do Estado Novo, mas que foi aceito no currículo de uma outra ditadura igualmente ou talvez mais feroz, qual seja a militar.

Milton Hatoum, no prefácio da edição mais recente dessa obra, em circulação há décadas na rede pública estadual, discorre sobre o impacto que em sua formação, toda ela ocorrida nos anos de chumbo, exerceu esse livro contundente, multipremiado, objeto de um sem número de dissertações de mestrado e teses de doutorado pelo Brasil e pelo mundo afora, e traduzido para mais de 20 diferentes idiomas da Terra.

A defesa técnico-pedagógico-literária que fui convidado a realizar na oportunidade, na condição de Doutor em Letras especializado na obra do escritor soteropolitano, foi contundente e convincente, o que sustentou a permanência dessa obra essencial de nossa literatura na sala de aula de nossas escolas públicas e nas mãos e nos corações de nossos estudantes.

Fico triste, cabisbaixo, como na canção de Chico Buarque, ao saber que neste mês de agosto – ô mês aziago, como bem diz a sabedoria popular e o romance de Rubem Fonseca – um promotor público, movido por estranhas forças e impulsos medievais para lá de catacúmbicos – mandou recolher “Capitães de Areia” das escolas de uma cidade do interior de São Paulo.

Fico mais triste ainda em observar o silêncio estrondoso do atual Secretário da Educação, Paulo Renato de Souza, em relação a esses sombrios episódios inquisitoriais insistentemente recorrentes no ambiente soturno de sua gestão.

O tucano Aécio Neves, quando coisa semelhante ocorreu em Minas, veio a público, defendeu pontos de vista democráticos e pôs ponto final, na terra da liberdade, à perseguição falso-moralista e retrógrada –  digna de Torquemada, Felinto Muller e Sérgio Paranhos Fluery –  aos “tão temidos” textos literários.

Ora, direis, há tucanos e tucanos. Si, pero no mucho, eu vos direi no entanto.

Eu, crente que sou na humanidade, e agora sem condições de defender o grande escritor baiano, uma vez que não fui convidado, acompanho com aflição o desfecho dessa perseguição às novas joanas darcs contemporâneas – perseguição movida por um promotor assombrado pela alma atormentada de Erasmo Dias –  torcendo para que o Secretário de Estado da Educação de São Paulo honre seu passado democrático, venha a público, quebre seu comprometedor silêncio estrondoso e faça a coisa certa, antes que o referido promotor e outros, estimulados e fortalecidos pelo mesmo silêncio, vestidos de capuzes e armados de alicates quebra-dedos, batam a sua porta, no segundo andar do edifício Caetano de Campos, e o cassem também.