Em 1986, num final de ano quente, talvez dezembro, passando pela rua Boa Vista, flagrei uma lua absurda subindo ao lado do edifício São Vito, no parque Dom Pedro II, em São Paulo —o conhecido Treme-Treme, demolido há alguns anos.
Rascunhei em uma caderneta um esboço e preenchi depois com letras. Foi-se a lua, foi-se o São Vito, mas ficou o poema. A outra metade da lua estava escondida atrás do edifício.
Quem viu a lua nascer nesse vale — onde Castro Alves se feriu com a própria arma — viu, quem não viu, não sabe de onde tiraram a ideia de surrealismo.
Era uma imagem impressionante: uma imensa esfera cor de ferrugem que, ao deslizar para cima na empena do prédio, diminuía de tamanho e ia ficando amarelada até, já acima do Treme-Treme, assumir a cor de prata que explica muito da hipnose que ela exerce sobre lobos e casais enamorados.
Quem namorou sobre aquela ponte, bem ao lado do Pátio do Colégio, vendo a lua subir bruxuleante, fez muito bem.
Cíbio Bote.
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Edifício São Vito, São Paulo, popular Treme-Treme, cuja demolição terminou em 2011. À direta, ao fundo, o Mercado Municipal. |