Os acontecimentos em ZONA SUL
orbitam em torno da bizarra estátua do Borba Gato, do escultor Júlio Guerra,
inaugurada em 27 de janeiro de 1963. Digo orbitam, mas digo mal, pois as
histórias dos quarenta e um episódios se passam em torno, acima, embaixo e
mesmo dentro do seguramente mais polêmico monumento da cidade, que desperta
pasmo em quem o vê de frente e ojeriza em que o vê pelas costas.
Este monumento situa-se exatamente sobre o que virá a ser a estação Borba Gato do Metrô, linha lilás, afundada em lama,cujas fraudes afofam o solo para receber a escultura bizarra.
Para produzir o texto, realizei
uma cuidadosa reportagem fotográfica da região, numa área triangular que se
estende da bifurcação das avenidas Santo Amaro e Adolfo Pinheiro até a Cidade
Dutra, já à margem do autódromo de Interlagos, com o terceiro vértice situado
no aeroporto de Congonhas. Isso geograficamente falando, pois também me
debrucei sobre a imigração espanhola no Brasil, a partir de coleta de relatos
de descendentes e pesquisa bibliográfica, num espaço de tempo que remonta ao distante ano de 1808, quando os franceses tinham ocupado a Espanha
e Madri se encontrava levantada contra os invasores.
Por isso, dizer que o palco
principal dos acontecimentos é o monumento do Borba Gato não é dizer tudo, pois
o enredo que une os quarenta e um episódios de Era uma vez no meu bairro - ZONA SUL, se do ponto de vista
cronológico parte desse ano perdido no tempo, geograficamente parte de uma
Madri ocupada e mergulhada em fuzilamentos, passando ainda por terras do
interior paulista, ziguezagueando pelo interior da Bahia e não deixando de fora
nem mesmo uma certa região chilena dos Andes envolta em neblina, gelo e não menos sangue.
A genealogia estilhaçada pela
violência no volume ZONA NORTE vai sendo , assim, recomposta com cacos do
passado guardados na memória familiar não como relíquia, mas como elementos
vivos, sem o quais todos os esforços de superação individual e coletiva perdem
a coerência e mesmo o valor.
Em torno do Borba Gato, assim,
orbitam valores, porém em crescente conflito. Muitos desses valores estão relacionados
à tradição bandeirante, que em suas manifestações mais nocivas e anacrôncias alimenta ainda nos
dias de hoje uma elite anquilosada e patética, que opõe paulistas ao restante do
Brasil, desprezando a realidade inconteste do caráter mestiço, híbrido e generosamente solidário de
nossa cultura, em que estão presentes caipiras e nordestinos,
japoneses e gaúchos, italianos e espanhóis, libaneses e eslavos, alemães e
índios entre muitas, muitas e muitas outras contribuições oriundas de toda parte
do mundo.
Para explicitar o anacronismo e a natureza
caquética dessas elites orgulhosas de seu passado de caçadoras de
índios e negros, ousei incrustar no texto ficcional do romance trechos
representativos de documentos senão oficiais, ao menos públicos, contemporâneos, em
que essa arrogância “bandeirante” e biliosa, difusora de ecos revanchistas da revolução de 32, se apresenta nítida e bisonhamente.
O leitor identificará no corpo dos respectivos episódios essas incrustações. Tendo
curiosidade, poderá digitar no Google frases dessas incrustações e será
remetido diretamente ao documento público fonte. Seguramente se espantará pela
nitidez do tom amargo e provocativo desses discursos que, ai de nós, são
proferidos por nossos governantes atuais. Também, com certeza, não tivera eu aqui
apontado a natureza real desses discursos, o leitor consideraria esses trechos
de meu ZONA SUL a mais delirante caricatura dos políticos conservadores que ora não sei se nos governam ou importunam.
Ai de mim,quisera eu que essas incrustações fossem fruto de minha fantasia
predisposta ao exagero e, às vezes, à galhofa. Porém, não.
Por enquanto, mais não digo. Em breve informarei outras curiosidades de Era
uma vez no meu bairro – ZONA SUL, que, antes de tudo, é fantasia, diversão –
que se não dispensa a galhofa, muito menos lágrima sentida.
Moro na Zona Sul, escultura de mau gosto, Julio Guerra, escultor de qualidade discutida, acho o pior monumento da cidade de São Paulo e ainda mais Borba Gato foi um dos maiores matadores de Índio.Ainda está armado.Triste ver na entrada de Santo Amaro um monumento com arma na mão.
ResponderExcluirMoacir Gonçalves
Caro Moacir: Assino embaixo de sua santa raiva. A questão é que as elites paulistanas caçadoras de índios e de negros ainda se inspiram nos aspectos mais deletérios da cultura bandeirante e da revolução de 32. Esse trabuco monumental do Borba Gato (ele, que está de frente para o centro da cidade e com a bunda voltada para a Zona Sul),não se iluda, está reservado para nós, trabalhadores, intelectuais, artistas, índios, pretos, brancos nordestinos, caipiras, descendentes de imigrantes etc. etc. etc. E, ai de nós, os representantes biliosos dessa elite ainda nos governam.
ExcluirParabéns, Jeosafá. A ideia é muito boa, a pesquisa é enriquecedora.
ResponderExcluirBjs eny.
Isso faz parte do que nós aprendemos nos livros de História a respeito dos heróis da nossa história, que não passam de dizimadores dos índios e de quem atravessasse seus caminhos, contrariando seus próprios interesses.
ResponderExcluirZósima Leal.