As razões para que uma pessoa busque auxílio de um
psicanalista são as mais variadas, porém, todas envolvendo sofrimentos em
relação aos quais ela se sente fragilizada, insuficiente ou mesmo impotente. No
entanto, convém considerar com atenção a particularidade de que essa procura,
quando voluntária — e somente quando voluntária —, reflete um movimento
interior de pulsão de vida, em que ela busca organizar-se psíquica e
emocionalmente para enfrentar suas próprias dores, identificando no
profissional a figura mais adequada para ajudá-la.
Em si, essa iniciativa voluntária de buscar o apoio de um profissional
especializado já é um passo importante do paciente em sua luta pelo
restabelecimento da saúde emocional e de seu equilíbrio psíquico. E por quê?
Aqui, cabem inúmeras razões, mas convém destacar algumas das
principais.
A primeira delas envolve considerações de ordem social. Não
consiste novidade que as doenças ou transtornos psíquicos, mentais e emocionais
são alvo de preconceito às vezes explícitos, às vezes velados. Esses
preconceitos nos apanham ainda na infância e, por repetição dos outros e falta
de estudo e reflexão de nós mesmos, repousam em nossa estrutura afetiva e moral
como um pó pegajoso que se acumula ao longo dos anos.
Desta forma, quando uma pessoa busca voluntariamente um
psicanalista, com certeza empreendeu enormes energias emocionais e intelectuais
para remover de seu espírito esse pó pegajoso do preconceito — esforço que só
se completará, de verdade, se ela vir no processo de análise resultados
efetivos, ainda que parciais e demorados.
Ocorre que, para vencer o preconceito — esse ovo de serpente
depositado em sua psique e em sua estrutura moral —, a pessoa teve que
desenvolver em si mecanismos intelectuais internos bastante sofisticados e
poderosos, uma vez que a pressão do preconceito, crônica, constante e
extremamente opressora, ocorre não apenas de fora para dentro (dos outros
contra mim), mas principalmente, uma vez que ele se encontra alojado e
arraigado, de dentro para dentro (ou seja, de mim contra mim mesmo). Quando uma
pessoa liga para um psicanalista e agenda uma entrevista, embora ainda residual
e perigos, o preconceito internalizado está com os dias contados — depois de
ter feito essa pessoa retardar em demasia a busca por um direito básico: o
direito à saúde, no caso, psíquica, emocional, mental.
Essa busca voluntária de ajuda de um profissional
especializado tem outra razão auspiciosa, a saber.
Na luta por enfrentar seus sofrimentos psíquicos,
emocionais, mentais, a pessoa se bombardeia com perguntas, algumas das quais
responde com facilidade, mas em relação à maioria das quais ou não encontra
resposta adequada, ou simplesmente não encontra resposta. Nessa atividade
introspectiva, nesse esforço intelectual por alívio, a pessoa desenvolve um
certo autoconhecimento. Nesse caso, a busca pelo psicanalista reflete um alto
grau de consciência: a de que, sozinho, não logrará sucesso em sua luta —
noutras palavras, reconhece os limites de suas ações, sua própria insuficiência
e a importância do outro em sua jornada de luta pela vida, porque, a final de
contas, é disso que se trata.
Esse simples ato de ligar para um psicanalista e agendar uma
entrevista tem também outro significado auspicioso.
Seguramente, antes de realizar essa ligação telefônica ou
esse contato por WhatsApp, a pessoa que busca recuperar a paz de espírito, o
equilíbrio emocional, refletiu muito sobre as muitas alternativas.
A conveniência de abrir seus problemas a uma pessoa de
confiança terá sido considerada. Porém, qual pessoa de confiança em seu círculo
de amizades estaria em condições de ajudar? Que riscos haveria nessa
alternativa? Qual a possibilidade de essa ajuda não especializada resultar em
conflitos internos e externos ainda maiores?
A busca por sacerdotes de diversas religiões também terá
sido considerada, em primeiro lugar, a da própria, mas é comum, em esta não “funcionando”,
outras serem procuradas. Quanto tempo será despendido entre essa busca por
solução religiosa a sofrimentos emocionais, psíquicos e mentais, à busca de um
profissional especializado nesses transtornos? Tanto mais quando não há
contradição entre ser religioso e buscar um psicanalista, ou um psicólogo — ou
um cardiologista, um endócrino etc.
Assim, numa metáfora, ao agendar uma primeira entrevista com
um psicanalista, a pessoa, um tanto pelo método de tentativa e erro, cogitou e
tentou uma montanha de alternativas anteriores, de sorte que essa iniciativa é
fruto de uma decantação prolongada — às vezes prolongada demais, com os
prejuízos que essa demora implica.
Há outras razões muito auspiciosas implicadas na simples
inciativa de buscar um psicanalista, porém a principal, entre todas é, sem
dúvida, a de que o ato de buscar ajuda especializada para superar um tormento
emocional, psíquico ou mental reflete uma pulsão de vida muito forte, que se
contrapõe à pulsão de morte suscitada pelo sofrimento de que quer livrar-se.
Em certo sentido, é uma espécie de manifesto da pessoa em
favor da vida, da própria vida — um “automanifesto”, cuja principal deliberação
é mover-se energicamente contra os mecanismos de morte que operam sem controle
dentro de si, e que precisam ser neutralizados e desmontados — mas não sem
ajuda.
Essa deliberação consciente em favor da vida, da própria
vida, resulta dessa pulsão mais profunda e inconsciente, que é uma energia mais
poderosa do que o que Vinicius de Moraes, em Mensagem à Poesia, chamou “forças
do abismo que pesam sobre mim”.
Com a devida licença do poeta, poderíamos chamar essa pulsão
de vida que move a pessoa a cuidar-se com ajuda de um psicanalista, daquilo que
ele faz ressoar em seus versos no mesmo poema: esperança.
Assim, uma pessoa que busca um psicanalista voluntariamente
está cheia de dor, mas, também, ainda em maior proporção, de ESPERANÇA!