Os estudos demonstram que esse transtorno está relacionado
diretamente às enormes pressões a que o indivíduo está sujeito desde os mais
tenros anos de idade. A socialização das crianças já na primeira infância, o
que em si é um fator positivo, as implicam desde cedo a relações de massa que,
se por um lado implicam em ganhos em termos de escolarização e desenvolvimento
de habilidades cognitivas, sociais e afetivas, por outro, as expõem ao estresse
cotidiano — e por longas horas. A gritaria ensurdecedora no horário do
intervalo reflete bem esse ambiente que em algumas oportunidades torna-se
verdadeiramente tóxico.
Principalmente nas redes públicas, berçários, creches e
pré-escolas superlotados, a falta de pessoal, a rotina esvaziada de sentido e o
improviso compõem um ambiente de conflitos em que fatalmente algumas crianças
desenvolverão sintomas de ansiedade — ou ainda outras afecções ainda mais
preocupantes.
Porém, esse meio “carregado de eletricidade” não é
privilégio de crianças em início da fase de escolarização. A Educação Básica,
até o final do Ensino Médio, seja em escolas públicas, seja em escolas
privadas, funcionam como receptáculos de uma grande quantidade de crianças,
adolescente e jovens que carregam para esse ambiente as tensões geradas no
interior da família, no âmbito de seus grupos, nos veículos do transporte
público, nas ruas e avenidas em que o tráfego e os congestionamentos são
enlouquecedores. Sob esse aspecto, a escola, desavisada, prepara uma geração de
indivíduos ansiosos por ingressar o quanto antes no mundo ansioso, turbulento e
conflituoso dos adultos.
Com relação à população adulta, homens e mulheres, já tendo
realizado seu estágio de ansiedade na escola básica, encaram a luta pelo
emprego, pelo Ensino Superior, pela qualificação profissional — junto com o
medo do desemprego, do fracasso profissional, das desventura do amor, de
constituir uma família (ou de perdê-la em processos dolorosos de separação).
Além da legítima carga emocional e de responsabilidades que
cada um carrega em seu coração, ou sua alma, ou sua psique, derivada da
condição de cada qual neste mundo hipercompetitivo, há inda uma outra, ainda
mais intensa, fruto da revolução tecnológica. Na palma da mão de praticamente
todo habitante de grandes e pequenas cidades, o celular sequestra toda a vida
emocional de seu usuário, subordinando seus interesses aos dos veiculadores de
conteúdo, que usam e abusam das mais elaboradas estratégias para intensificar
ao extremo esse sequestro.
Sequestrado por perfis famosos das redes sociais (os assim
chamados “influencers”), no Instagram, YouTube, Facebook, Tik Tok, Whatsapp,
Telegram e outros, o indivíduo passa a ser bombardeado com assuntos que não lhe
dizem respeito, posts e anúncios hiperssexualizados, questões graves da
política, da economia, da saúde, dos costumes etc. cuja solução estão
completamente fora de seu alcance — acrescidos daquelas de sua estrita
competência cuja solução , tantas vezes, também lhes escapa.
É desse modo que nossa sociedade atual adoece em massa, mas
cujos sintomas comparecem de forma mais visível no nível micro, do indivíduo,
tornado uma verdadeira pilha de nervos — para empregar uma expressão já fora de
uso —, que sofre agudamente seja dentro de seu carro, em face do semáforo
vermelho que demora 2 minutos para abrir; seja à frente da porta de seu
apartamento, vasculhando a bolsa ou os bolsos em busca da chave que insiste em
se esconder; seja digitando uma mensagem
no celular, com o corretor automático corrigindo errado seu texto.
A pressão por todos os lados faz com que haja dificuldade em
se admitir que a fronteira da normalidade já foi cruzada há tempo, uma vez que
todos alteram a voz ao mínimo conflito, empregam palavras descorteses a
qualquer propósito, invadem o espaço alheio sem cerimônia, atropelam “bom dia”,
“boa tarde”, “boa noite”, “com licença”, “por gentileza”, “obrigado”, “como
está?” para ir direto ao assunto, esgotá-lo com o máximo de rapidez para voltar
ao celular.
A prevalência no tempo dessa conduta hiperacelerada
confunde-se também com traço de personalidade ou caráter. Assim, os sintomas se
agravam ao longo do tempo, convertendo-se em aparente norma, quando na
realidade é manifestação de descontrole emocional e psíquico, que só será
notado e, talvez, levado a sério, quando danos graves ou irreparáveis tenham
vitimado casamentos, afetos entre pais e filhos, relações de amizade e carreiras
profissionais tão desejadas e promissoras.
Na fase aguda, os riscos físicos são iminentes: tensão muscular, palpitação, sudorese, cefaleia
frequente, disfunções sexuais, disfunção gastrointestinal. Porém,
particularmente a população masculina, tradicionalmente avessa à medicina
preventiva, só busca ajuda em face de outros sintomas: perda de memória, insônia,
dificuldade de concentração, irritabilidade, inquietação.
Na busca de se
livrar do sofrimento causado pelo transtorno, o afetado por ele canaliza suas
energias para alvos específicos, que pode ser o sexo, a bebida, as drogas
ilícitas, os “rachas” de moto ou automóvel, o abuso de exercícios em academias
etc.
Quando se dá conta ou é convencido de que necessita de
tratamento, a difícil recuperação do indivíduo ocorre, pois é reversível, em
meio a perdas muitas vezes irrecuperáveis, na esfera de relações afetivas e
sociais caríssimas, entre as quais o casamento, a paternidade, o emprego, as amizades,
o grupo social.
Em situações agudas, o tratamento psicanalítico convoca o
auxílio do psiquiátrico, ao menos até o indivíduo recuperar-se o suficiente
para retomar o controle de suas próprias emoções — a exemplo de casos de
insônia prolongada, de sensação recorrente de vertigem ou de pensamentos
obsessivos que abrem caminho ou já estão no âmbito da depressão severa.
Quantos relacionamentos tiveram fim, particularmente nos
últimos três anos, com a pandemia de Covid-19, e o confinamento dela advindo,
pelo estresse de um período em que a vida em comum converteu-se em uma panela
de pressão? Quando dos atritos, conflitos e rompimentos de afetos se devem ao
Transtorno de Ansiedade Geral, confundido com traço de caráter ou personalidade.
Quantas das pessoas descartadas de relações profissionais, sociais ou amorosas
o foram por terem se tornado “insuportáveis”, quando na verdade estavam apenas
doentes?