A busca pela saúde psíquica e mental é seguramente uma das maiores preocupações dos tempos atuais. Em face da complexidade e dos conflitos do mundo contemporâneo, o indivíduo está a todo momento exposto a situações de estresse que, no curso do tempo, produzem ferimentos emocionais de variados graus de gravidade, dos mais amenos e inócuos aos mais severos e incapacitantes.
Em meio a situações-limite na família, no meio profissional
e na vida cidadã, em algum momento de sua vida o indivíduo adoecerá
emocionalmente e, a depender de seu histórico particular e da gravidade do
transtorno, necessitará de ajuda especializada, por curto, médio ou longo prazo
— e às vezes para o resto da vida.
No que tange ao psicanalista, sua especialidade tem assistido
a um substancial crescimento de demanda, tanto mais quando se põe na balança os
efeitos ocasionados pela pandemia de COVID-19, que resultou em perdas humanas
insuperáveis, confinamento social por largo período, mudança de hábitos
individuais e coletivos, e agravamento da crise econômica, cujo impacto gerado
pela paralisia ou quebra de empresas, em função do longo período de interrupção
de atividades, e pelo desemprego generalizado, ainda repercutem fortemente no
seio da família, da comunidade e da sociedade em geral.
Seja no ambiente profissional ou urbano, seja nas escolas,
seja na família, uma pressão enorme se acrescentou àquelas já normalizadas pelo
quotidiano tenso, derivado de uma crise política prolongada que, no Brasil,
beira uma década, em que polarizações por disputas ideológicas fizeram
naufragar relações entre casais, pais e filhos, amigos, colegas de trabalho entre
outras.
Como afirma Freud, todos somos algo neuróticos, no entanto,
a intensidade dos conflitos sociais e políticos no Brasil dos anos mais
recentes, e a gravidade da pandemia de COVID-19 potencializaram um clima social
hostil que, sem solução satisfatória, gerou uma correspondente epidemia de
transtornos psíquicos, que vão do mal-estar intermitente à depressão mais severa,
em que o crescimento do número de suicídios se mostra apenas como face mais
visível.
Com efeito, a título de exemplo, a partir de dados do Ministério
da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz desenvolveu estudo sobre o suicídio no Brasil
em 2020. O objetivo dessa pesquisa (Excesso de suicídios no Brasil:
desigualdades segundo faixas etárias e regiões durante a pandemia de Covid-19) era
investigar a elevação do número de suicídios no país por idade e por regiões. Ainda
como exemplo, o estudo revelou que na região Norte houve um acréscimo de 26% de
suicídios em homens com 60 anos ou mais. (FONTE: Fundação Oswaldo Cruz.
Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz-avalia-excesso-de-suicidios-no-brasil-na-primeira-onda-de-covid-19.
Acesso em 22 dez 22.)
Se nas empresas o ambiente de incerteza
projeta sobre os indivíduos um véu de ansiedade, em razão da pressão por
resultados em face de um mercado contraído; nas escolas, professores e demais
profissionais buscam instaurar um clima de normalidade, porém é visível que
crianças e adolescentes apresentam dificuldades para restabelecer vínculos com
os colegas nos termos pré-pandemia; e em nível “macro”, o estudo da Fundação
Oswaldo Cruz demonstra que os efeitos colaterais da pandemia vão muito além das
mortes diretamente ligadas ao coronavírus, abrangendo uma dimensão que vai se
tornando mais visível à medida que os diagnósticos de transtornos psíquicos vão
alimentando estatísticas oficiais do período.
Se por um lado a melhoria da
situação geral depende de políticas de saúde amplas, que impliquem em controlar
e, idealmente, debelar a pandemia, por outro, os danos psíquicos resultantes
desse período aziago de nossa história recente só serão satisfatoriamente
mitigados ou sanados a partir do auxílio especializado aos indivíduos diretamente
impactados.
Noutras palavras, as empresas
superarão suas dificuldades se buscarem propiciar a seus colaboradores um clima
saudável, que não se alcança na insegurança ou na pressão psicológica por
resultados que, nesse caso, quando vêm, vêm mesclado com atestados médicos de
toda natureza — e cada vez mais de natureza psíquica.
Do mesmo modo, o ambiente escolar
não superará satisfatoriamente e no prazo mais breve possível o mal-estar
remanescente do período de confinamento se não observar o estado emocional de
estudantes, de seus familiares e dos profissionais da unidade escolar.
No âmbito da família e da
comunidade, infelizmente, muitas situações são irreversíveis. Assim como os
casos de suicídio se tornaram mais frequentes, também o número de divórcios
apresentou significativa alta no período.
Segundo a Associação Nacional dos
Advogados Públicos Federais: “Estudos demonstram que, durante o segundo ano de
isolamento social decorrente da pandemia, o número de divórcios feitos em
cartórios de notas do país subiu 26,9% de janeiro a maio só em 2021, em relação
ao mesmo período de 2020. Se comparado a igual período de 2020, o crescimento
foi de 36,35% em 12 meses.” (FONTE: Anafe. Disponível em: https://anafenacional.org.br/divorcios-na-pandemia-que-dizem-os-dados.
Acesso em: 22 dez 22).
No artigo da Anafe que trata do
assunto, a panela de pressão em que se tornou o lar, saturado pelo home office
do casal, por tarefas domésticas e por aulas virtuais dos filhos, que tornaram
a sala de casa extensão da sala de aula, levaram a um colapso emocional a
família: “Dentro de casa, as pessoas
viram-se forçadas a tentar equilibrar as atividades profissionais com o cuidado
das crianças, tarefas domésticas, sem se desocupar das finanças, saúde corporal
e mental e até dos relacionamentos interpessoais com parceiros/cônjuges,
família e amigos. A dinâmica de equilíbrio desses “pratinhos” é delicada e,
dependendo do grau de stress, é inevitável que um deles caia.” (Anafe. Idem,
ibidem)
Submetido a pressões
insuportáveis, tanto sociedades, quanto grupos sociais, família ou indivíduos
sucumbem. Sob esse aspecto, a pandemia deixa como lição a necessidade de dar
maior atenção à saúde mental, psíquica e emocional não apenas quando doenças,
transtornos ou distúrbios se apresentam, muitas vezes de forma dramática, mas enquanto
forma preventiva e mesmo cotidiana de busca de equilíbrio e bem-estar.
Se maus momentos políticos e
econômicos de uma sociedade são caldo de cultura para adoecimento da população,
inclusive na dimensão psíquica, também é verdade que indivíduos mais conscientes
de sua dimensão emocional — e que cuidam dela — enfrentam melhor esses períodos,
quer expondo-se menos a situações traumáticas, quer as enfrentando de forma mais
adequada e racional.
O ser humano é falível, tem
limites, fragilidades e disfunções características. Ter consciência dessa
falibilidade, desses limites, fragilidades e disfunções não os elimina, mas
propicia meios para enfrentá-los cotidianamente e vencê-los, quer por conta
própria do indivíduo, quer com ajuda especializada, o que não é demérito nenhum
— antes pelo contrário, revelando uma sabedoria profunda: a de reconhecer que,
no âmbito da humanidade, ninguém é autossuficiente, pois todos precisam de
todos, nos piores momentos principalmente, mas, a rigor, o tempo todo.