quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Desde a queda do Império Romano, a periferia devora o centro

Aula comunitária a estudantes da Faculdade Sumaré - III Semana Acadêmica de História - Zona Leste

Literatura na periferia ou literatura da periferia?

A propósito da onda de manifestações literárias, das mais variadas dimensões e formas, nas periferias de São Paulo, conversei na noite de ontem (07/10/15) com os estudantes da Faculdade Sumaré, no evento da III Semana Acadêmica de História.

Como há mais de trinta anos bato cabeça pela cidade, coletando depoimentos, realizando reportagens fotográficas, registrando histórias para escrever meus romances e poemas, quis ouvir dos estudantes o que eles consideravam "periferia" e que elementos caracterizariam, para eles, a realidade representada por essa palavra-conceito.

Num primeiro momento, a palavra foi associada a aspectos negativos da geografia da cidade: distância do centro, falta de saneamento básico, atendimento de saúde precário, problemas de moradia, transporte e segurança, limitadíssimas opções de lazer etc. etc. etc.

No entanto, quando combinamos de elencar elementos positivos relacionados à periferia à qual nos referíamos, particularmente a Zona Leste, onde o curso de História da Faculdade se situa e onde os e as estudantes moram, uma contradição se estabeleceu: se havia aspectos positivos em quantidade, por que assumir uma postura depreciativa em relação a "nossa" condição periférica.

Nesse momento, fizemos uma reflexão sobre a dialética centro-periferia, e refletimos sobre as múltiplas dimensões dessa dialética. Periferias só existem em face de seus polos opostos, os centros: se há centros políticos, econômicos, ideológicos, sociais, culturais, científicos, há suas respectivas periferias.

Do ponto de vista do poder, sempre os centros se instalaram como polos de exploração de periferias, dividas e mergulhadas na pobreza, na penúria e na injustiça. O Ocidente é pródigo em exemplos dessa natureza.

O Império Romano expandiu-se até onde pode, promovendo guerras e submetendo povos mais fracos, postos à margem de seu esplendor, mas abastecendo-o de mão de obra escrava, riquezas minerais e alimentos. Quanto mais guerreassem entre si (o Império estimulava isso com a legenda "dividir para governar"), mais frágeis se tornavam essas periferias e, por conseguinte, mais eram exploradas a níveis humanamente insuportáveis.

Muitos pensam, tendo nos filmes de Hollywood a única referência, que a queda do Império Romano (no Ocidente, em 476 d. C; no Oriente em 1453) se deveu a uma batalha sangrenta com heróis da civilização sendo derrotados por vikings brutais e ignorantes.

Porém, a derrocada do mais longo Império da história foi menos glamoroso. No Ocidente, foram quase quinhentos anos de imigração de populações miseráveis para Roma - miséria promovida pela mesma Roma, que ao saquear as periferias do Império, não deixava outra alternativa aos povos vitimados a não ser buscar vida melhor onde diziam que ela havia.

Os impérios europeus que se erigiram a partir das Grandes Navegações a partir do séc. 16, trilharam o mesmo caminho de Roma. Portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, alemães, belgas, holandeses, lançaram-se sobre outras partes do mundo submetendo-as pela força dos canhões e da escravidão. Para eles, não havia dúvidas sobre quem era o centro e quem era a periferia, quem tinha alma (e por isso estava autorizado a dominar) e quem estava desprovido dela (portanto, estava obrigado, por sua própria condição "sub-humana", a curvar-se e levar seu senhor nas costas). Africanos, chineses, indianos, povos ameríndios compreenderam bem cedo o peso da expressão "não civilizados", empregado por europeus para definir o papel desses povos em seu sistema colonial e neocolonial.

Porém, durou bem menos tempo para esses Impérios se desfazerem e, ao final do séc. 20, praticamente todos eles já tinham sido enviados de volta para casa pelas guerras e processos de independência o Oriente, na África e na América. Tanto quanto Roma, em menos tempo, esses centros, essas metrópoles, foram devoradas por suas periferias. E continuam a sê-lo.

As ondas de imigrantes que atravessam  o Mediterrâneo rumo à Grécia e à Itália (muitos na verdade morrem na travessia, mais de 3500 no só no primeiro semestre deste ano), ou que agora buscam a pé os Bálcãs para atingir a Alemanha, são uma nova invasão bárbara, que seguramente devorará a Europa que hoje conhecemos.

As grandes capitais europeias já são hoje polos cosmopolitas, em que religiões as mais diversas, vindas das mais distantes periferias, se misturam. Com a destruição do Oriente Médio e da África, promovida por norte-americanos e europeus, não resta outra alternativa aos povos dessas regiões que tiveram seus parques industriais aniquilados, suas infraestruturas urbanas implodidas por seguidos bombardeios, sua área rural de plantio e pecuária arrasada por combates sangrentos, a não ser imigrar - e para onde? para o centro econômico mais próspero, mesmo que ele fique a milhares de quilômetros de distância, mesmo que ele fique além do mar.

Esse processo se dá em escala macro, global, mas também se dá em escala micro, local. Hoje, os próprios centros econômicos, políticos, socais têm suas periferias internalizadas: suas próprias cracolândias, suas próprias faixas de gaza, suas próprias áreas de refugiados - e aqui não se trata de figura de linguagem: Londres, Paris, Berlin, Nova Iorque, São Paulo entre outras metrópoles do mundo, são destino de ondas de imigrantes e refugiados que, assim, trazem consigo sua identidade, sua cultura seus sonhos e frustrações.

Daí que assumir como estigma o termo-conceito "periferia" não faz sentido, pois, a rigor, todos hoje somos periferia. Os maiores líderes mundiais do século 20 conquistaram seu espaço a partir de sua voz descentrada: Mandela, na África; Mao Tsetung, na China; Gandhi, na Índia - e se é bem verdade que Luther King e Malcolm X falaram do centro de poder do mundo contemporâneo, os EUA, eles próprios representavam a periferia, a voz do gueto, posto à margem no interior do próprio sistema.

Se há um centro mais próximo do que foi o Império Romano ou inglês, este é hoje os EUA, que porém dormem o sono atormentado dos culpados, pois essa nova diáspora trágica, por mar e terra, rumo à Europa, a que assistimos pela TV e pela internet diariamente, é obra principalmente sua.

A literatura e a cultura dos países não europeus já foi taxada de periférica, incivilizada, fraca e cópia piorada dos "centros" de produção de capitalista - como se Pequim, Moscou, Tóquio, África e povos americanos pré-colombianos não tivessem produzido arquitetura monumental, cidades inteiras, pirâmides, castelos e aquíferos; ou não tivessem desenvolvido ciência e arte, agricultura e mitologia, astronomia e matemática, ciências curativas e religiões em quantidade e variedade estonteantes.

Em São Paulo, a chamada literatura periférica é diversa, abundante e rica. Há desde leitura  de nossos poetas consagrados em saraus realizados em bares de quebrada, até produção abundante de autores que mapeiam a geografia local, com suas ruas tortuosas a terminarem em barrancos e escadões, com seus personagens a cambalearem entre a realidade violenta das chacinas e a fantasia de um baile funk - que pode terminar em pancadaria e enfrentamento com a polícia.

Essa chamada literatura periférica tem captado a temperatura explosiva de nossos bairros largados à própria sorte e à mercê da polícia encapuzada, mas também tem registrado o protesto, a melancolia, o sonho, o abando, a esperança - em formas inusitadas, às vezes fechadas e enigmáticas como uma ostra, às vezes explícitas como um xingamento de cima de uma laje. Nela desfilam rostos serenos ou crispados; riso de galhofa e improviso jazz; desafio de hip hop e convite à participação.

Nisso, há quem veja certo tom de ameaça e trincar de dente. Aí, eu concordo. Até, porque, como disse Malcolm X: "Dobradiça que não range, não leva graxa".




Jeosafá é escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, lançou em 2013 O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria) e  em maio deste ano, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora.








sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Quem vai prestar o ENEM precisa saber disso

Ainda dá tempo para ir em busca de um desempenho acima da média na prova de Redação.
A prova de Redação do ENEM  tem um grande peso. Não é à toa que a imprensa busca dar destaque aos melhores colocados nesse quesito: ele serve de linha demarcatória enter os que vão para o topo da classificação geral. Ainda dá tempo para você buscar um desempenho acima da média nessa prova. Vamos ver como isso é possível?

A dissertação objetiva, ou o texto dissertativo-argumentativo, deve respeitar critérios temáticos, de estrutura (ou forma) e de linguagem. Não é nenhum mistério escrever um texto desse tipo, mas é necessário planejar e seguir o planejamento com rigor. Porém, nenhuma dissertação se salva se tratar de temas (ou assuntos) irrelevantes. Naturalmente, conforme se vai estudando e produzindo concretamente textos desse tipo, melhor e mais rápido se produz.

Esta dissertação foi produzida coletivamente pelos jovens do Grupo de Estudos Malcolm X - Morro Doce. Eles se reúnem sob minha orientação nesse bairro da zona Noroeste de São Paulo todas as quintas-feira à noite para estudar para o ENEM e demais vestibulares da universidade públicas.

Imigrantes à deriva no Mediterrâneo
Seguem algumas dicas para a produção de uma dissertação objetiva (argumentativa) sobre um tema específico (no caso, A crise humanitária na Europa hoje).

O tema

Do ponto de vista do TEMA, a dissertação objetiva deve se desenvolver de forma direta e progressiva. E o que significa isso? Significa que:
  • não se pode fugir do tema;
  • o tema tem que ser abordado sem rodeios, sem frases de efeito, sem estratégias retóricas usadas apenas para “encher linguiça”;
  • os tópicos (T1, T2, T3) relacionados ao tema devem ser dispostos em ordem direta, ou seja, se no parágrafo introdutório eu disse que tratarei de X, Y e Z aspectos, não poderei inverter a ordem nos próximos parágrafos, nem ficar voltando ao que já foi tratado.

A estrutura


Do ponto de vista da ESTRUTURA, ou forma, a dissertação objetiva precisa ter início, meio e fim; ou introdução, desenvolvimento e conclusão:


INTRODUÇÃO: Primeiro parágrafo (que deve apresentar o tema e os tópicos relacionados a ele). Deve ser objetivo, tendo, para uma redação de 30 linhas, no máximo, entre 4 e 6 linhas. Sua única função é avisar o leitor sobre o tema a ser tratado, os tópicos relacionados a ele e a ordem em que serão abordados no texto.

DESENVOLVIMENTO: Os parágrafos intermediários tratam, cada qual, de seu tópico específico. Para cada tópico, um parágrafo. Mas o que é um parágrafo? Uma unidade escrita que trata de um único tópico. Numa redação de 30 linhas, deve-se selecionar não mais do que 3 tópicos (T1, T2, T3), pois não haverá espaço para mais, uma vez que um parágrafo de desenvolvimento temático aceitável fica em torno de 8 linhas.

CONCLUSÃO: O último parágrafo é o dedicado à amarração do texto, a partir das argumentações empregadas nos parágrafos de desenvolvimento temático. Deve ser sucinto, portanto, menor que os intermediários, e apresentar claramente proposta de solução para os problemas elencados – ainda que essa proposta seja algo generalizante e não conclusiva.

A linguagem

Do ponto de vista da LINGUAGEM, dever ser empregado o português culto, formal - porém sem pedantismo ou floreios:

Na ortografia: letras legíveis, correção na escrita, na acentuação das palavras e na pontuação das frases (jamais aqui empregar o ponto de exclamação (!) ou reticências (...), pois eles indicam emoção, o que não é admitido em uma dissertação objetiva, que deve primar pela razão e pelo equilíbrio.

Na morfologia: emprego do português formal, culto, evitando-se o empregos de substantivos, porém usando-se verbos de reflexão, que possibilitem análise e interpretação de problemas, eventos, fatos etc. (observar, dividir, considerar, segmentar, comparar, analisar, interpretar, deduzir, somar, extrair, refletir,  inferir, apreciar etc.) Se houver predominância de verbos auxiliares (ser, estar, ter, haver, ficar, parecer, semelhar) ou sinônimos ocasionais, estaremos no campo da descrição, não da dissertação, o que desfigura o texto dissertativo. Por outro lado, se empregarmos, por descuido, excesso de verbos de ação (cair, levantar, ir, pegar, correr, fazer, transmitir etc.), estaremos no reino da narração. Para articular (ou seja, juntar palavra com palavra, conjuntos de palavras, orações) devem ser empregadas as preposições, as conjunções coordenativas e as subordinativas, e os pronomes (com especial atenção para os relativos). Não custa nada ir ao livro de gramática ou na internet e ver como eles funcionam. Com relação a adjetivos, advérbios, palavras ou frases expressivas (péssimo, horrorosa, horrível, maravilhosa, genialmente): esses usos expressivo implicam em emoção. Emoção significa subjetividade – o que deve ser evitado a todo custo num texto objetivo.

Na sintaxe: Deve predominar os períodos compostos, de preferência por subordinação. Neles, as conjunções (coordenativas e subordinativas) são decisivas, pois são elas as principais responsáveis pela articulação das orações em períodos compostos. Também são elas que introduzem na forma de orações subordinadas os argumentos lógicos (pois sua função é exatamente essa) – há conjunções explicativas, conclusivas, temporais, consecutivas etc. Orações curtas e simples não favorecem o desenvolvimento da argumentação, daí a importância do emprego das orações subordinadas.

Planejamento

A segmentação temática

A primeira coisa a ser feita quanto já temos um tema definido, é segmentá-lo, ou seja, dividi-lo. Às vezes, é necessário comparar dois ou mais textos para extrair deles o nosso tema. Porém, uma vez feito isso, a sequência de produção da dissertação objetiva é a mesma.
Como fazer para segmentar um tema? Podemos pesquisar assuntos relacionados a ele, se estivermos em casa ou se tivermos tempo para isso. Porém, diante de uma prova, o que devemos fazer é deixar a mente livre para pensar no tema e ir anotando num rascunho palavras-chave ligadas a ele. Por exemplo:

“A crise humanitária na Europa hoje”.

Vamos supor um “brain storm” de uma mente só, a sua, sobre esse tema que o leve a anotar:

Repressão aos imigrantes
Navio afundado com imigrantes
Imigração clandestina
Foto de menino afogado na praia da Turquia
Guerras e destruição nos países de origem dos imigrantes
Medo de terrorismo nos países da Europa
Crise econômica mundial
Crise econômica na Europa
Repercussão na mídia mundial
Socorro às vítimas de naufrágio
Rejeição das populações europeias aos imigrantes
Ajuda humanitária aos refugiados
Sanduíches atirados aos sobrevivente de naufrágio
Família agarrada a trilho de trem na Hungria.
Repressão aos imigrantes
Travessia do Mediterrâneo
Reação das populações locais
Condições dos países de origem
Condições dos países de destino
Quantidade de imigrantes
Opinião pública mundial
Preconceito contra imigrantes
Terrorismo
Qualidade do acolhimento dos imigrantes
O peso econômico dos imigrantes nas economias europeias
Mortes nas travessias
Desemprego nos países de origem e destino

A definição dos tópicos

Se observarmos bem, podemos agrupar essas ideias soltas REGISTRADAS POR ESCRITO em três conjuntos: questões políticas, questões econômicas e questões estritamente humanitárias.
Aí estão os três tópicos relacionados ao tema, dos quais trataremos cada qual em seu respectivo parágrafo, explorando os itens anotados, que podem ser em quantidade maior do que o que se registrou no quadro acima, selecionados e ordenados hierarquicamente.

A ordem dos tópicos na redação ainda não precisa ser decidida nesse momento. O momento é de planejar cada parágrafo, decidindo quais itens listados serão tratados em cada parágrafo, e em que ordem.

Redigindo o parágrafo dissertativo-argumentativo

Para cada parágrafo, precisamos definir 3 itens relevantes, a serem hierarquizados, ou seja, dispostos uma após outro de maneira lógica e direta.

Por que apenas 3 itens? Porque para um parágrafo de 8 linhas, se gastarmos em média duas linhas e meia para cada item, já teremos atingido o limite.

Comecemos pelo tópico “questões políticas” relacionadas ao tema.

Como pode ficar nosso parágrafo? É só dispor os itens e redigir nas lacunas entre eles:

ITEM 1: O terrorismo.
ITEM 2: Guerras em curso no Oriente Médio.
ITEM 3: Imigração clandestina.

Na esfera política europeia, o terrorismo é uma enorme ameaça que já tem feito vítimas recentemente, e tem origem nas guerras em curso no Oriente Médio, cuja consequência imediata é a imigração clandestina.

(Como se trata aqui de  um rascunho, podem haver erros, que devem ser sanados na redação final).

Agora as estritamente o tópico “questões humanitárias”:

Como pode ficar nosso parágrafo? É só dispor os itens e redigir nas lacunas entre eles:

ITEM 1: Condições dos países de origem dos imigrantes.
ITEM 2: Viagens clandestinas e desastres na travessia do Mediterrâneo repercutidos pela mídia.
ITEM 3: Conflitos na fuga para a Alemanha e reação das populações locais.

No que diz respeito às questões humanitárias, devem ser levadas em consideração as precárias condições dos países de origem dos imigrantes, países que se encontram destruídos econômica, política, social e culturalmente devido a tais condições, os habitantes testam a sorte em viagens clandestinas cujos resultados são os desastres na travessia do Mediterrâneo e os conflitos na fuga para a Alemanha, tão repercutidos pela mídia. Outro aspecto a ser levado em consideração é a reação das populações locais, que nem sempre são cordiais.

(Como se trata aqui de  um rascunho, podem haver erros, que devem ser sanados na redação final).

Agora o tópico sobre as “questões econômicas”:

T1: Infraestrutura destruída dos países de origem.
T2: Desemprego nos países de origem e nos de destino.
T3: Crise econômica mundial.

Como pode ficar nosso parágrafo? É só dispor os itens e redigir nas lacunas entre eles:

Com relação aos aspectos econômicos devem ser levados em conta fatores decisivos para a compreensão dessa tragédia humana contemporânea, entre os quais o da infraestrutura destruída dos países de origem dos imigrantes pelas guerras no Oriente Médio. Outro fator envolvido é o desemprego nos países de origem e no destino dos imigrantes. O desemprego, como se sabe, causa fome, miséria, violência, trabalho infantil e escravo; o que acentua a desigualdade social.Um terceiro fator decisivo para a compreensão dessa tragédia é a crise econômica mundial.Essa crise agrava os problemas já citados, e os órgãos econômicos internacionais não estão correspondendo às necessidades do momento.

(Como se trata aqui de  um rascunho, podem haver erros, que devem ser sanados na redação final).

Finalizando a dissertação

Compondo a redação

Redigidos esses parágrafos, é o momento de decidir qual é, na parte do desenvolvimento temático da redação, o primeiro, o segundo e o terceiro. Dependendo da ordem, pequenos ajustes precisarão ser feitos para dar maior coesão entre eles.

Redigindo os parágrafos introdutório e conclusivo

Feito isso, escreve-se o parágrafo introdutório, que nada mais é do que o tema, mais os tópicos selecionados, na ordem em eles aparecerão na forma final da redação:
A crise humanitária na Europa, amplo senso, envolve três dimensões: a política; a humanitária (estrito senso); e a econômica.

Se você observou bem, a argumentação surge quando um tópico (argumento) é abordado concretamente em seus itens específicos. Isso você fez quando preencheu as lagunas entre os itens de maneira lógica (isso se chama sustentar o argumento).

Por fim, redige-se o parágrafo de conclusão, que deve ser coerente com os argumentos apresentados nos parágrafos de desenvolvimento temático.

            A crise, assim, necessitaria de soluções amplas, complexas e ao longo, talvez, de décadas.

Resumo

Assim a redação ganha a seguinte forma:

Introdução
1º parágrafo
Tema + T1 + T2+ T3
Desenvolvimento
2º . parágrafo
3º. Parágrafo
4º. parágrafo
Desenvolvido por argumentação e contra-argumentação (Tópico do parágrafo mais itens selecionados, organizados e abordados em ordem direta e sequencial).
Conclusão
5º. Parágrafo
Amarração dos argumentos e apresentação de proposta coerente com os problemas levantados

Observe que o desenvolvimento temático não é um acaso, mas é fruto do planejamento que, ao definir os tópicos e ordená-los um após outro, obriga-nos a, seguido com rigor, tem como resultado a progressão da argumentação, que vai de um a outro tópico, sem possibilidade de retorno a itens já tratados.

A dissertação finalizada

Se você percebeu, a produção da dissertação objetiva, argumentativa, tem 3 etapas: o planejamento, a redação e a composição, que a rigor é um processo de montagem de partes produzidas em momentos diferentes. Por isso que a produção  de redação é  também legitimamente chamada de “composição”.

Vejamos como fica uma dissertação objetiva concretamente produzida para esse tema, com correções e eventuais ajustes (a lógica e o processo vale para todas):

A crise humanitária na Europa hoje

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A crise humanitária na Europa, amplo senso, envolve três dimensões intimamente ligadas: a política; a humanitária estrito senso; e a econômica.

Na esfera política, o temor em relação a ações terroristas é um enorme, pois ele tem feito vítimas em território europeu recentemente; esse tipo de violência, nos dias atuais,  tem origem nas guerras em curso no Oriente Médio, cuja consequência imediata é a imigração clandestina em massa.

No que diz respeito às questões humanitárias, devem ser levadas em consideração as precárias condições dos países de origem dos imigrantes, países que se encontram destruídos econômica, política, social e culturalmente. Devido a tais condições, os habitantes testam a sorte em viagens clandestinas, cujos resultados são os desastres na travessia do Mediterrâneo e os conflitos na fuga para a Alemanha, tão repercutidos pela mídia.Outro aspecto a ser levado em consideração ainda é a reação das populações locais, que nem sempre são cordiais.

Por fim, com relação aos aspectos econômicos, devem ser levados em conta alguns fatores decisivos para a compreensão dessa tragédia humana contemporânea, entre os quais o da infraestrutura dos países de origem dos imigrantes, destruída por guerras sucessivas; outro fator envolvido é o desemprego nos países de origem e nos de destino dos imigrantes. O desemprego, como se sabe, causa fome, miséria, violência, trabalho infantil e escravo, problemas que acentuam a desigualdade social;  um terceiro fator econômico decisivo para a compreensão dessa tragédia é a crise econômica mundial, que agrava ainda mais os problemas já citados, sem que os órgãos econômicos internacionais correspondam às necessidades do momento.

A crise humanitária na Europa, assim, é uma no interior de outras ainda maiores, todas necessitando de soluções amplas, complexas e no curso, talvez, de décadas.
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RESUMO ESQUEMÁTICO



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Jeosafá foi da equipe do 1o, ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo na gestão José Serra. É escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, lançou em 2013 O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);  em maio de 2015, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora; no mesmo ano publicou A lenda do belo Pecopin da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo, pela editora Mercuryo Jovem. Leciona atualmente para o a Educação Básica e para o Ensino Superior privados.

domingo, 13 de setembro de 2015

Os negreiros que chegaram aos EUA deixaram seus rastros nas Antilhas

Quando e escritora Maryse Condé, natural da ilha de Guadalupe e radicada nos EUA, conta a história de Titubá, a feiticeira negra do Salem, entre outras passagens duras e comoventes, uma das mais perturbadoras retrata a protagonista, ainda menina, a observar a mãe, pendurada pelo pescoço no galho de uma árvore, a balançar desengonçada.  

Qual o crime de Abená, a infeliz mãe de Titubá? Ferir sem a menor gravidade seu senhor, ao defender-se de uma tentativa de estupro – ela, cuja filha Titubá era já fruto do estupro cometido por um marinheiro inglês, sob o riso cúmplice de escárnio dos companheiros de embarcação.


Criada por uma segunda mãe, também escrava, Titubá, nascida numa ilha de Barbados mergulhada na escravidão das plantações de cana-de-açúcar, terá de aprender a duras penas a lição de como dominar seu ódio contra os opressores, porém, ao longo de sua vida, cuja extensão e fim a história documental ignora, as humilhações e injustiças que verá e viverá acumularão matéria de combustão em sua raiva. E nem sempre, embora raramente, Titubá resistirá ao impulso de revide.

O livro Moi, Tituba, sorcière... noire de Salem (Eu, Titubá, feiticeira negra de Salem) merece ser lido – e há tradução em português, se bem que a versão pocket da francesa da Mercure de France, para quem domine o idioma, seja um espetáculo de palavras. Porém o assunto aqui é Malcolm X, e se o leitor não se deu conta, trato dele desde o primeiro parágrafo.

Tanto quanto Titubá, a vida de Malcolm X foi uma provação sobre a Terra. Seu pai Earl Little, militante das lutas do movimento de Marcus Garvey, após migrar para o norte dos EUA fugindo do massacre contra negros nos estados do sul, no início do século 20, terminou morto, chacinado por membros de um grupo de ódio racial. Sua mãe, Lousie Norton, branca de cabelos ruivos, fruto do estupro cometido por um trabalhador irlandês, deprimida e mergulhada nas dificuldades financeiras, sozinha a cuidar da prole, enlouquece. Disso resulta que as crianças da família são distribuídas, pelo serviço social, em vários lares adotivos.

Tanto quanto Titubá, Malcolm X não conhece sua raiz familiar, pois até mesmo o frágil laço estabelecido pelo nome foi quebrado pelo apagamento do elo de ancestralidade, quando da venda seus antepassados nos mercados negreiros da América.

Empurrada para o cárcere pelos ardis do ódio racial, do preconceito e da injustiça, Titubá conhecerá por dentro as engrenagens do belo sistema judiciário e penal da América – e aqui não se fala apenas dos EUA, uma vez que por todo o continente se reproduzem as estruturas de um sistema que não esconde sua natureza de escudo dos ricos, e que transborda em sarcasmo contra os pobres e os mais fracos.

As semelhanças entre a biografia romanceada de Titubá, personagem histórica do século 17, e o que se sabe da vida de Malcolm X, um dos maiores protagonistas da luta por igualdade do século 20, não cessam por aí. É mesmo um exercício irônico comparar o que vai no livro da professora da Columbia University, com o que as pesquisas revelam da vida do líder norte-americano, patrono de praticamente todos os grupos de hip hip do mundo. Duas das mais eloquentes são, com certeza a insistência, o cuidado e a meticulosidade com que o stablishment busque, a todo custo, eliminá-los da História (com H maiúsculo); a outra é a espetacular capacidade de resistência e permanência que esses personagens demonstram ao longo do tempo, no curso do qual vão-se convertendo em verdadeiros mitos contemporâneos, que, ao que tudo indica, atravessarão os séculos e, no futuro distante, serão lidos como hoje se lê e conhece Pandora e Prometeu.



Jeosafá é escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, lançou em 2013 O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria). e em maio deste ano, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora.