quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Em dezembro, o largo Paissandu

Uma vez que a chuva não vem, repito aqui um poema de início da década de 1990. Estava muito calor e, avis rara, eu não trazia nada nas mãos. Por isso, foi sem sentimento de culpa que entrei de corpo e alma na chuva que me pegou na altura do largo Paissandu. Havia uma pastelaria no vale do Anhagabaú. Lá tomei um conhaque para não apanhar um resfriado, e fui à para para casa, na Barra Funda, quando pancada d´água passou. No caminho, um vapor parecido com neblina subia do chão molhado. A chuva passou, a década também, mas o poema não.

Cíbio Bote




http://www.almanack.paulistano.nom.br/antartica14.html

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Paisagem Noturna

Em 1986, num final de ano quente, talvez dezembro, passando pela rua Boa Vista, flagrei uma lua absurda subindo ao lado do edifício São Vito, no parque Dom Pedro II, em São Paulo —o conhecido Treme-Treme, demolido há alguns anos.

Rascunhei em uma caderneta um esboço e preenchi depois com letras. Foi-se a lua, foi-se o São Vito, mas ficou o poema. A outra metade da lua estava escondida atrás do edifício.

Quem viu a lua nascer nesse vale — onde Castro Alves se feriu com a própria arma  viu, quem não viu, não sabe de onde tiraram a ideia de surrealismo.

Era uma imagem impressionante: uma imensa esfera cor de ferrugem que, ao deslizar para cima na empena do prédio, diminuía de tamanho e ia ficando amarelada até, já acima do Treme-Treme, assumir a cor de prata que explica muito da hipnose que ela exerce sobre lobos e casais enamorados.

Quem namorou sobre aquela ponte, bem ao lado do Pátio do Colégio, vendo a lua subir bruxuleante, fez muito bem.
Cíbio Bote.



Edifício São Vito, São Paulo, popular Treme-Treme, cuja demolição terminou em 2011. À direta, ao fundo, o Mercado Municipal.




sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Retrato em branco e preto

O amor, quem não é amador sabe, pode dar em flores e graça, mas também em guerra e desgraça. Que o digam Tristão e Isolda, Capuletos e Montecchios, que, na massa sonora de Prokofiev, Suíte n.o 2 de Romeu e Julieta, ganham proporções trágicas monumentais, mas profundamente humanas. Fiz este poema-retrato em memória e rito fúnebre a uma paixão que, pior do que não ter dado em nada, deu em tragédia. Cai o pano.
Cíbio Bote