terça-feira, 28 de junho de 2011

Vidas secas, de Graciliano Ramos

Os Retirantes - Cândido Portinari, 1944.

UMA GEOGRAFIA DA INJUSTIÇA SOCIAL



Os brasileiros estão habituados a ouvir frases do gênero: “O Brasil é um país continental”, “Não existe um Brasil, mas muitos brasis”, “O Brasil é um país de contradições” e outras mais.


Os muitos brasis


Embora clichês, essas frases feitas não deixam de revelar um conhecimento, ainda que estereotipado, da realidade brasileira: uma das principais características do Brasil é exatamente a diversidade, sob todos os aspectos.

Com efeito, assim como não existe um tipo físico padrão de brasileiro – brancos, negros, mestiços, índios, descendentes de orientais, de árabes, de europeus, altos, baixos, todos comparecem com suas particularidades para dar à nação sua face diversificada –, também não existe uma paisagem que represente a identidade geográfica de todo o país: há o litoral e o interior, a Amazônia e o agreste, o pantanal e o pampa, o sertão e as metrópoles.

A própria ocupação territorial e a delimitação das fronteiras nacionais, que acabaram dando ao Brasil o formato de uma harpa, nas palavras do poeta, foram feitas por partes –– os casos das expedições bandeirantes e das lutas contra as invasões holandesas e francesas bem o ilustram.

A adaptação produtiva do homem às condições econômicas oferecidas pelo meio natural foi moldando o tipo de sociedade de cada região, e também foi povoando essa grande porção do mundo chamada Brasil de inumeráveis pequenas verdades, parciais, regionais e culturais tão particulares que lhe imprimiram traços locais de identidade.

Assim, a produção açucareira, no Nordeste, a extração da borracha, no Norte, a exploração das minas de metais preciosos e o cultivo do café, no Sudeste, a pecuária no Sul e no Centro-Oeste foram constituindo elementos de identidade regional sem os quais não se consegue compreender o Brasil.

A diversidade não se restringe apenas à adaptação do homem ao meio: além das diferenças culturais e físicas, o que é verdadeira riqueza humana, há os desníveis sociais e econômicos, que acentuam um lado pouco auspicioso das identidades e diferenciações: a miséria, cujo pólo oposto é a alta concentração de riqueza.

Compensa aqui uma visita ao índice de Gini:

"O índice de Gini é um indicador que mede a desigualdade da distribuição de qualquer coisa entre os elementos de um conjunto. Pode ser usado para indicar a riqueza ou a renda de um país entre seus habitantes ou a distribuição de propriedade da terra. O índice de Gini varia de zero até um. No caso da terra, por exemplo, ele seria igual a um se a totalidade da terra pertencesse a um único proprietário; e seria igual a zero se a terra fosse distribuída em partes absolutamente idênticas entre todos os proprietários. A concentração é considerada nula quando o índice de Gini está entre 0,000 e 0,100; fraca quando está entre 0,101 e 0,250; média, entre 0,251 e 0,500; forte, entre 0,501 e 0,700; muito forte, entre 0,701 e 0,900; e absoluta, entre 0,901 e 1,000." (Retrato do Brasil. São Paulo: Ed. Política, s. d. v.3, p. 62-64).

O índice de Gini, aplicado à questão da propriedade rural no Brasil, indica:

Tabela da concentração da terra no Brasil

Sul
Sudeste
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
1960
0,727
0,771
0,845
0,846
0,944
1970
0,727
0,761
0,856
0,863
0,868
1980
7,43
0,769
0,844
0,861
0,835

Assim, quanto mais alto o índice de Gini, maior a concentração, neste caso, da terra.

Na Tabela da concentração da terra no Brasil há diferenças de concentração fundiária entre as regiões, mas todas elas, no ano de 1980, situam-se na categoria muito forte. Segundo o índice de Gini, significa que poucos proprietários detêm muitíssima terra e que muitos camponeses estão privados de qualquer propriedade.

A comparação da concentração da terra no Brasil com a de outros países revela dados eloquentes:

Tabela da concentração fundiária no mundo
Países
Índice de Gini
Concentração
Bélgica, Holanda e Noruega
0,300
EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia
0,400
Média
Argentina, Uruguai e Chile
0,550
Forte
Índia e Paquistão
0,700
Muito forte
Brasil
0,859
Muito forte
Brasil (incluídos os sem-terra)
0,923
Absoluta
(Idem, Retrato do Brasil).

Mesmo descontados os trabalhadores sem-terra, a concentração fundiária no Brasil, em 1980, era das maiores do mundo, superior à da Índia e à do Paquistão; considerados os sem-terra, o índice de concentração fundiária no Brasil torna-se ainda mais dramático, atingindo a faixa da concentração absoluta.

Com isso, os conflitos em torno da propriedade da terra tornam-se agudos, e a situação dos trabalhadores rurais e dos camponeses sem-terra nas regiões mais pobres e menos desenvolvidas economicamente torna-se desesperadora.

Assim, o êxodo rural brasileiro, a sociologia brasileira do século XX bem o demonstra, particularmente no que tange ao Nordeste do país, não se prende exclusivamente a fatores naturais, tais como a seca, mas também à forma de propriedade rural, que é essencialmente latifundiária e concentradora de terras e riquezas.

Esse aspecto diferencia, claramente, a seca brasileira e suas conseqüências sociais, econômicas, pólitícas e culturais, da seca caboverdiana representada por Manuel Lopes n’Os flagelados do vento leste.

Uma parte do Brasil se espalha por todo o Brasil


Apenas na segunda metade do século XX a população brasileira passou a residir, em sua maioria, nas cidades:

"(...) o movimento mais expressivo da população brasileira tem sido, de modo geral, na direção dos campos para as cidades. Entre as regiões, no entanto, o Nordeste foi a que mais perdeu gente. Em 1872, era a região mais populosa do país: 46,7% dos brasileiros ali viviam. O êxodo contínuo, porém, levou a área a ter, em 1980, menos de 30% do total de habitantes do país. Nesse período, enquanto a população do Nordeste teve um crescimento absoluto de oito vezes, a do Sudeste cresceu 22; a do Sul, 28; e a do Centro-Oeste, 41 vezes. Outro indicador: em 1940, cerca de 5% das pessoas naturais do Nordeste viviam fora da região, proporção essa que não parou de crescer. Em 1960, 11% dos nordestinos viviam noutras plagas; em 1970, já eram 13% e, em 1980, chegavam aos 17%."  (Idem, Ibidem, p. 413).

Antes disso, o Brasil era um país predominantemente agrário. Disso resulta que as tradições regionais estão bastante ligadas às tradições rurais: no Sul, o gaúcho, o cenário dos pampas, o caudilhismo; em São Paulo e Minas Gerais, as experiências da lavoura do café e da criação do gado leiteiro; no Nordeste, o sertanejo na sua luta pela sobrevivência na caatinga etc.

Algumas tradições e personagens sociais, no entanto, mantiveram sua órbita de circulação simbólica limitada à esfera da própria região – como a vivência dos pampas e seu personagem típico: o gaúcho –, ao passo que outras, por vários motivos, nacionalizaram-se e mesmo internacionalizaram-se.

Caso exemplar disso é a experiência da seca do Nordeste e da personagem social dela decorrente: o retirante, a abandonar a terra nos precários paus-de-arara:

"O mais importante [fluxo migratório] e mais antigo é o que se dá a partir do Nordeste via Minas Gerais, em direção ao Sul do país e, em menores proporções, ao Norte e ao Centro-Oeste." (Idem, Ibidem, p. 413.)

A seca do Nordeste é um drama regional que, pelas proporções alcançadas, se tornou comum a todos os brasileiros. Os ciclos desse flagelo espalharam pelo país, particularmente pelo Sudeste, um contingente inumerável de famílias levadas ao limite do desespero, no qual à desagregação do núcleo familiar, ao abandono da infância somam-se ainda mazelas como a degradação da condição feminina, que ganha nos grandes centros urbanos expressão no triste fenômeno econômico, político e social da prostituição.

As cenas se repetem ao longo do século XX, antes registradas nos jornais impressos, hoje também exibidas na televisão. Até o século passado, o Nordeste era a região mais populosa do país; no entanto, o êxodo rural alterou sobremaneira essa situação:

Tabela comparativa Nordeste-Sudeste
Dados em relação à totalidade do país
NE (%)
SE (%)

População
29,4
43,3
Universitários
15,9
60,4
População sem instrução
45,6
31,1
Médicos
18,0
58,5
Pessoas com renda menor que 1 salário mínimo
41,3
34,9
Pessoas com renda menor que ½ salário mínimo
48,8
30,0
Domicílios com luz elétrica
17,0
57,8
Domicílios com abastecimento de água
18,5
52,0
Domicílios com instalações sanitárias
11,3
68,2
IBGE – Censo Demográfico 1980; Anuário Estatístico 1983.



Como se pode depreender da tabela (dados do censo de 1980), embora possua quase 30% da população nacional, o Nordeste tem apenas 18% dos médicos, 15,9% dos universitários, 11% dos domicílios com instalações sanitárias etc. Esses números ajudam a entender o fenômeno do êxodo para outras regiões

A questão nordestina é tão importante que uma grande quantidade de livros de Literatura, História, Sociologia etc. foi escrita sobre ela. A vida dos sertanejos nordestinos foi parar também no cinema (por meio de diretores como Glauber Rocha, por exemplo), no teatro (por meio de autores como Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha) e na televisão (por meio de autores como Dias Gomes).

Uma parte do Brasil se espalha dentro da gente


Na Literatura, uma quantidade enorme de romances, contos, poesias e novelas foi escrita a partir da experiência do homem nordestino, e muitos autores notabilizaram-se ao abordar a temática regional infaustamente mais característica do Nordeste: o flagelo da seca.
No século XX, os autores do chamado, segundo alguns imprecisamente, regionalismo nordestino nacionalizaram as experiências do homem nordestino: José Américo de Almeida (A bagaceira), José Lins do Rego (Menino de engenho), Rachel de Queiroz (O quinze), Graciliano Ramos (Vidas secas), Jorge Amado (Seara vermelha), João Cabral de Melo Neto (Morte e vida severina) etc. etc. etc. Porém, desde o Romantismo, o regionalismo – com  a exploração de temas, personagens e linguagem locais – já era explorado pelos escritores brasileiros:

"A convicção de que o verdadeiro Brasil é o do sertão decorre do modo ‘caranguejo’ como se processou a colonização portuguesa, que procurou se concentrar no litoral, dada a dificuldade de penetração no interior do país. Essa convicção, de fundo nacionalista, reforça-se com a Independência, levando escritores a enveredar pelo sertanismo. José de Alencar (O sertanejo, 1876) e Franklin Távora (O cabeleira, 1876) são os escritores que melhor representam essa tendência, ao oferecer uma visão grandiloqüente e apocalíptica da seca de 1877." (Dácio Antônio de Castro, Roteiro de leitura: Vidas secas, de Graciliano Ramos. São Paulo: Ática, 1997, p. 21.)

A ficcionalização da realidade brasileira em seus múltiplos aspectos, desse modo, conta com tradição enraizada em nossa literatura, a rigor, mesmo anterior ao romantismo, decorrente de esforços de escritores e intelectuais cujos interesses se voltaram para o interior do país.


Uma parte que se espalha pelo mundo 

Cada autor que versou sobre o homem nordestino e especificamente sobre o retirante da seca deu a esse tema sua própria interpretação autoral, em que elementos de poética e de ideologia política se entrecruzam significativamente. Algumas dessas obras alcançaram amplo sucesso internacional, entre elas O quinze, de Rachel de Queirós, Seara Vermelha, de Jorge Amado e Vidas secas, de Graciliano Ramos.

A seca de Graciliano Ramos


Do ponto de vista temático, Vidas secas põe em discussão a propriedade da terra e o papel do poder na manutenção de uma estrutura fundiária iníqua:

"Sinha Vitória mandou os meninos para o barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no chão sementes de várias espécies, realizou somas e diminuições. No dia seguinte, Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de sinha Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros." (Ramos, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro, São Paulo. 1982. p. 93).

No romance de Graciliano Ramos, aspectos políticos e econômicos se destacam em meio ao flagelo da seca, o que se traduz em denúncia não do clima nefasto, mas da estrutura social nefasta, em que os proprietários levam vantagem até mesmo na ocorrência do flagelo:

"Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que ele era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arrajar carta de alforria!" (Ramos, Graciliano.Op. cit p. 93).

Vidas secas resulta da articulação de histórias enxutas em exíguas cento e vinte e poucas páginas, que nasceram separadas:

"Escrevi um conto sobre a morte duma cachorra, um troço difícil, como você vê: procurei adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que todos nós desejamos. A diferença é que eu quero que eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite pretende que eles nos venham em sonhos, mas no fundo todos somos como minha cachorra Baleia e esperamos preás." 'Carta à esposa Heloísa de Medeiros Ramos, de 7 de  maio de 1937'. (In Garbuglio, José Carlos. p. 241).

Graciliano Ramos,  tal como revela em sua carta à esposa, opta por congelar as ações, de modo a proceder criteriosamente à análise de seus significados e sentidos:

"É a quarta história feita aqui na pensão. Nenhuma delas tem movimento, há indivíduos parados." (Idem Garbuglio. p. 63).

Ainda do ponto de vista da estrutura narrativa, a participação do autor em Vidas secas se atém à constituição de um narrador que persegue os fatos e as personagens com objetividade, e que vasculha as particularidades com agudeza psicológica.

No tocante às personagens, em Vidas secas elas trilham o caminho do desterro. Porém, família retirante preserva não somente a identidade com a terra – seja na cor da pele, seja nos pés que recusam os sapatos, seja na roupa branca de festa que se tinge do vermelho da poeira –, como também mantém-se íntegra enquanto metáfora de núcleo social, de identidade grupal,  e por que não de classe , e de de integridade psicológica individual e coletiva.
A disjunção do binômio homem-terra opera-se fora das personagens principais: no soldado amarelo ou no patrão que evita exposição ao sol, o que fatalmente promoveria mimetismo terra-pele.

No procedimento empregado por Graciliano Ramos, a terra, espaço local, com tudo que há sobre ela, surge já no enunciado como espaço literário construído, despido de contextualização extraliterária. Seguramente uma das razões disso é que esse gênero de romance, no Brasil, conta com uma tradição que vem desde o século XIX e mesmo antes.

Outra, é que a sociologia brasileira, em que Gilberto Freyre não é nome secundário, oferecia já ampla matéria de reflexão aos ficcionistas, que, até por isso, se viram em condições de abordar certos temas sem maiores ditatismos.

Assim em Graciliano de Vidas secas, as descrições espaciais são sucintas e  e afastam de contextualizações extraliterárias que são abundantes, por exemplo de Os sertões, de Euclides da Cunha:

"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala." (Ramos, Graciliano. Idem. 1982, p. 9.)

Do ponto de vista da linguagem, o autor alagoano, como os demais da chamada Geração de 30, não se furta de abordar o lado mórbido das experiências humanas em palavras diretas:

"É isso que leva o crítico Tristão de Athayde a assim se referir à década posterior: ‘Passou a hora das coisas bonitas’. Com efeito, um grupo de escritores norte-nordestinos mobilizou-se para tomar os problemas da região como pano de fundo de sua experiência literária." (Castro, Dácio Antônio de. Op. cit. p. 20.)

Graciliano o faz, todavia, por meio de uma linguagem contida, enxuta, em que as figuras, mesmo quando zoomórficas, afastam-se da alegoria e aproximam-se da ironia:

"Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disso." (Ramos, Graciliano. Op. Cit. p. 11).
 
Vidas Secas é jornada árida na realidade local e social lastreada por uma tradição literária e sociológica importante a que Graciliano Ramos teve acesso e à qual se vinculou consciente e deliberadamente. Vidas secas aproxima-se de um certo mutismo, aliás, magistralmente representado no cinema por Átila Iório na premiadíssima versão de Nelson Pereira dos Santos. Porém essa tradição não se restringe a autores e intelectuais brasileiros ou de língua portuguesa. O crash da Bolsa de Nova Iorque teve repercussões nefastas por todo o mundo, com maior impacto nas áreas de influência direta dos EUA. John Steimbeck, Ernest Hemmingwai, John dos Passos entre outros, flagraram a procissão de deserdados a vagar pelos espaços continentais dos Estados Unidos em busca de uma lata em que receber a sopa doada pelo Estado semifalido durante a década de 1930.



Juan Rulfo, no México, não deixou por menos em seu O planalto em chamas (cuja nova tradução brasileira recebeu o título O chão em chamas).

O neo-realismo português é pródigo em autores e obras situados no âmbito mesma corrente estético-ideológica, crítica, contundente, com laços inegáveis com o marxismo.

Do neo-realismo italiano só compensaria falar se fosse para abrir todo um capítulo ou um livro inteiro dedicado, antes de tudo, a longas, derramadas e merecidas homenagens, seja no que tange à literatura, seja no que tange ao cinema –  que, aliás atraiu, tal como a Hollywood da época,  os melhores escritores, a exemplo de Alberto Moravia.

Em seu romance, Graciliano Ramos, tal como seus colegas de geração pelo mundo, fala de vidas secas, sim, porém não desprovidas de riquezas humanas, de esperanças e de capacidade de resistência frente às dificuldades da vida e às injustiças sociais, cujas origens repousam na exploração de classes, na exploração do homem pelo próprio homem.

* Com poucas adaptações, este é um trecho de minha tese de Doutorado em Letras, na USP.




Jeosafá, professor, foi da equipe do 1o, ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo. É escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, lançou em 2013 O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);  em maio de 2015, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora; no mesmo ano publicou A lenda do belo Pecopin da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo, pela editora Mercuryo Jovem. Leciona atualmente para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Entrevista TARJA PRETA com o escritor Bruno Azevêdo


Neste blog review, ameças são cumpridas, por isso, tirem da sala crianças de calças curtas. Nesta semana, vaza para o ar a ENTREVISTA TARJA PRETA realizada em off pela internet com Bruno Azevêdo, escritor maranhense com cara de humorista piauiense.  Por uma razão de decoro, quando lerem nas respostas do entrevistado bocudo palavras de baixo calão tipo caralho, cu, merda, porra e congêneres deem o devido desconto e imaginem a palavra Piiii.

O que se pode esperar de um pobre menino de rua que venceu na vida e virou escritor? Incompetência da FEBEM (Falculdade Escola de Bublicidade e Magavilhas), que não o disciplinou na época certa. Agora, está solto por aí, publicando livros. Meu Deus do céu, onde é que vamos parar?

Caro cliente radiouvinte, para sua segurança, esta ENTREVISTA TARJA PRETA está sendo gravada.

Para maior comodidade, leitor, observe a legenda:

OH! GranDiOso FÁ = :0
Bruno Azevedo = :)


Um dois três, rodando...

*             *             *

:0 Li dois livros seus, Breganejo Blues e O Mostro Souza . Gostei de ambos, mas só entendi o primeiro quiá quiá quiá. Seguinte, que escrever para trás não dá: fiz uma resenha para o primeiro (tá aqui no blog, o leitor que se vire para achar), mas vamos falar um pouco sobre o segundo.

:) Eu só digo sim! manda! aliás, o Monstro está indicado como melhor publicação independente no HQmix deste ano. Chique.

:0  N’O Mostro Souza - uma pulp fiction, não? - gostei da quebradeira que é... De onde tirou uma idéia tão estapafúrdia como a desse Monstro com nome de ex-jogador rejeitado do São Paulo? Sim, porque se estava sobre o efeito de algum cigarro fedorento ou substância impublicável, teje perdoado, mas se estava de cara limpa, ai dio mio, interna!

:) Filme de monstro, trash, com peitos e ketchupe, essa era a idéia (com acento mesmo, sempre). No começo as pessoas teriam vinagretes pendurados ao pescoço e haveria os vampiros sugadores de vinagretes. Eu fazia parte de um grupo de quadrinistas que editava fanzines e em frente ao nosso local de reuniões tinha a barraca de rotidóg do Souza, onde a gente matava a broca depois das reuniões. Os vinagretes e tudo mais acabou virando um cachorroquente. Eu comecei a escrever o roteiro do filme e ele se metamorfoseou até virar o romance. Tudo movido ao mais barato vinho São Brás, que é a mais nobre encarnação do vinho.

:0 É o que eu temia. Não era possível você estar são, de posse de toda a sua integridade cerebral, para encarar o vinho São Brás sem mais aquela. Isso é que dá a mistura de cachorro quente e zurapa (aqui é com um "r" só mesmo). Quando o bicho carpinteiro do humor picou você? Em que lugar?

:) O bicho do humor não é um mosquito, é meio como um dinossauro que te engole todo. Merda. Eu sempre li muito gibi brasileiro de humor (Angeli, Laerte, a Mad etc. etc.), e pra mim tem mais à (ou a ver? crase é foda) ver com uma coisa pré-leitura. Se eu olhar alguém cair na rua, antes de acudir, eu rio.

:0 Corre o boato que humorista e  juiz de futebol não têm mãe. Por que vocês são assim?

:) Pu! Engraçado que é a primeira vez que me chamam de humorista. Engraçado que eu ache engraçado. E mãe eu até tenho, mas prefiro mesmo as dos outros.

:0 Além do Breganejo e do Mostro Souza, quais outros crimes andou cometendo depois que saiu da FEBEM (Falculdade Escola de Bublicidade e Magavilhas)?

:) Ando cometendo 3 livros no momento, 3 gibis longos: Poço, Terminal e o Baratão 66. Este último deve sair ainda esse ano com desenhos do Luciano Irrthum. É a história de um estabelecimento que de dia opera como casa de depilação e, à noite, como centro de entretenimento masculino.

:0 Upa! Tô dentro, da programação noturna, fique claro. Excetuada esta entrevista, você já enfrentou situações constrangedoras por causa do que escreve e desenha?

:) Não. Tenho tão poucos leitores que até agora ninguém se incomodou. Espero muito que alguém se bula um dia e me bata. Imagina escritor levando porrada por algo que escreveu! Que poder! Vai que eu até acho um editor depois da polêmica.

:0 É, editor gosta de bater em autor, principalmente na conta bancária. Cê tá no caminho certo para ser chutado. Chovendo meio no molhado – pois você se já referiu a isso quando da pergunta sobre o Monstro Souza – vamos aprofundar essa questão devagar, para o leitor não sentir o impacto todo de uma vez, no fundo do seu eu. Quanto de realidade há no que escreve, tirando as completas pirações suas, que já fazem parte dela. Como é o processo de converter um fato da vida, uma personagem do dia a dia em ficção? Não precisa falar da vizinha, que pode dar bode. Ah! Toma uns livros meus, pra deixar de ser besta.

:) Tem uma coisa que acredito: tudo que me coloniza é meu e é nessa filosofia de buteco que eu baseio todos os roubos. No Monstro Souza, todos os recortes de jornal são reais, todas aquelas referências à mídia são reais e quase todos os personagens são gente que existe de verdade e que, de lambuja, transita aqui por São Luís. Minha idéia a certo momento era devolver a pancada que eu tomei quando li Os Tambores de São Luís, do Josué Montello. Pra  mim foi (e é) um livro seminal, na medida em que foi a primeira ficção que consumi que tratava do lugar por onde eu transitava. E ver o local reconstruído me causou um impacto tremendo. Daí que eu num tenho a verve de lambe cu do Montello e a minha cidade é diferente da dele. Fui buscar nos jornais e butecos essa São Luís que eu queria bolinar.

Nesse processo (o livro demorou 10 anos no forno) rolou não só de a ficção se moldar pela realidade (encontrar um recorte sobre um cara na Suécia que morre soterrado por ervilhas, por exemplo, desvia a trama de qualquer livro), como de a realidade midiática ser moldada pelos interesses da minha ficção; algumas daquelas matérias foram forjadas ou reforçadas sem que os autores soubessem no que elas dariam. Gertrudes, por exemplo, é uma figura arquetípica aqui de SLz, tem uma em cada esquina. O lance de olhar pruma realidade tão absurda é que muita gente acaba vendo que o monstro do livro é a menor das coisas. Ôpa! Valeu pelos livros. Lerei. uhu!

:0 Sobre os livros que lhe dei, convém primeiro dar uma "vista d'olhos" para depois se certificar de que deve agradecer. Alías, não agradeci aos seus, mas foda-se. Quando vier a São Paulo, preciso te apresentar um cineasta amigo meu (Diomédio Piskator) que é você atrás da câmera, do ponto de vista da linguagem bocassujista, odoricoparaguaçumente falando, mas também do ponto de vista da cara: são parecidos até umas hora, ao menos em preto e branco. Voltando à entrevista. Não te dá uma certa exaustão física após finalizar um de seus crimes? Aliás, eles têm interface na internet? Se não têm, por que, vacilão? Seria legal conversar pelo teclado com o Monstro Souza ou com os Ad(h)ailtons e seus tons e seus dons genitais, diria o Caê!

:) Dá mais canseira não ter onde lançar e ter que enfiar a mão no bolso pra fazer tudo artesanalmente, quase só. Cansa tanto que até a descrição do processo é sem vírgulas. Eu não escrevo com frequência então as idéias (com acento de novo) e os livros demoram uma renca de tempo pra ficarem no pontos. Sobre a internet: o Breganejo Blues foi lançado simultaneamente impresso e em PDF pela Mojo Books(http://www.mojobooks.com.br). Hoje o livro tá também no Overmundo (http://www.overmundo.com.br/banco/breganejo-blues ). A versão PDF é bem diferente na diagramação, partes do texto e conteúdo. Ela contém, por exemplo, as letras das canções de Adailton &; Adhaylotn. Aliás, te mando o arquivo em anexo, espalhe, plis. Já O Monstro Souza não deu pra fazer em PDF porque era grande demais e a forma dos vários conteúdos do livro superam e muito a minha capacidade de diagramador e a paciência do Gabriel Girnos, co-autor do livro.

Daí que criamos um blog no www.romancefestifud.blogspot.com, que é um blog de pinups do monstro desenhadas por convidados fodões, o site é aberto a colaborações. Não deixem de desenhar seu monstrengo! Mando em anexo pro seu email. Além do ebook do Breganejo, há algumas imagens de capa e conteúdo pra tu ilustrar teus posts, ok? Se calhar eu mando os livros presse teu amigo cineasta. Quem sabe ele enche o rabo de grana do governo e filma esses troços, né?

:0 Ih, Tá fu. O Diomédio é da tradição da Boca do Lixo, o que significa que quer ver o governo, seja qual for, pelas costas. De todo modo já tinha falado com ele sobre tu, já que você pôs o “tu” no meio. Ele penetrou fundo no... seu blog. Vou fazer uma entrevista com ele e, como ele não gosta de aparecer, perigas que na entrevista dele eu lasque uma foto sua. Porém ele te achou feio para acaretc. Mas a “questã” não é essa. Que tipo de gentinha, além de mim, lê os seus livros. Sim, porque, sendo eu zé-povinho da gema, não me importo e até gosto de ler esses autores mal-amados que atacam as elites dominantes, sempre bonitas e limpinhas.

:) Pu! Na maioria das vezes, penso que gente alguma! Dia desses vi uma pequena lendo O Monstro Souza num ônibus. Me escondi. Eu adoraria conseguir responder isso aí.

:0 Ôpa! A menina que você viu lendo seu livro em um ônibus aí de São Luís deve ser a mesma que eu vi em outro ônibus aqui de São Paulo. Nesse caso, não é uma leitora, mas uma ASSOMBRAÇÃO! Se benze, nego! Você acha que a literatura serve para alguma coisa?

:) Essa menina que você viu ai estava lendo um dos meus livros? Uau! Se sim, bota visagem nisso! A literatura não serve pra nada além da masturbação incessante praticada por nós que a escrevemos, lemos e discutimos pelos botecos como se isso importasse pra alguém. Uma das coisas que me grila em qualquer discussão sobre a arte é a repetição incessante da palavra "importante". Nós temos a mania escrota de usá-la como se fosse a última defesa. No fim das contas, importante de cu é rôla [Leitores e principalmente leitoras, imaginem aqui a palavra Piiiii, tudo bem? Não esqueçam].

:0. Ah, uma ex-aluna minha vulgo Marina perguntou se tu é homem ou o quê... Por que se for, ela disse que você parece bom de apanhar, por causa do que , enquanto autor, fez com o coitado do Ada Hylton, que só leva a pior e nas piores posições. A Marina, antes que eu me esqueça, tem dois metros de altura, pratica alterofilismo e tá doida pra socar um artista, que faz tempo que ela não entra de sola num desses cabras que ficam se assanhando pra cima das minas dela.

:) Para a minha sorte e azar da Marina, estou longe pra caralho [Leitoras, não esqueçam de imaginar palavra Piiii]. Pra meu azar, sou homem mesmo, que melhor estaria se mulher fosse e pudesse gozar dessas prerrogativas de, independentemente do alterofilismo, poder socar as pessoas (artistas ou não) e depois chorar de arrependimento com a sunga na mão. A propósito, o Adhaylton só tomou onde mereceu, não é minha culpa se coincidiu de ser onde gostava.

:0 Porque as escolas evitam que obras mais polêmicas como a sua cheguem aos alunos, mesmo os do Ensino Médio, que já são uns baita duns marmanjos?

:) Porque as escolas ou as pessoas que escolhem o que se lê nas escolas são funcionários públicos e funcionário público nem gente é. Por mim mandava matar todos.

:0 Se eles escolhessem seus livros você tinha uma outra opinião sobre eles, mas foda-se [Piii]. Além de em Deus e em funcionários públicos, em que mais você não acredita nem a pau?

:) Eu acredito em quase nada. Bem, acredito em tudo que aparece no Jornada nas Estrelas: Deep Space Nine. E acredito no Roberto Carlos, até o disco de 1979.

:0 Sabia que você não era um cara normal. Depois dessa pisada, quer mandar um abraço pelas costas aos seus leitores? Manda ver em cinco segundos no máximo, senão eu edito.

:) Abraço. Não acredito nos leitores também.


:0 Caro leitor, viu como ele é ingrato? Assim caminham os escritores do Piauí, ops. Maranhão. Só porque estão mais próximos de Nova Iorque do que o resto do Brasil. Agora, falando sério, dá uma clicadinha aqui embaixo, dá, vai... Só uminha...:


REFERÊNCIA: Bruno Azevêdo. Monstro Souza, São Luiz, Ed. Pitomba, 2010.