Escrita em 1959, O Pagador de Promessas, tão logo encenada, recebeu ampla acolhida do público e da crítica teatral, que identificou nela uma obra-prima de Dias Gomes e do teatro brasileiro.
No texto dessa peça, personagens, enredo, cenas e diálogos articulam-se de forma enxuta, como se fossem engrenagens de um preciso relógio que, impulsionado pela linguagem popular, tratada com plasticidade e sem concessões ao populismo, empurra Zé do Burro para seu destino trágico.
O próprio dramaturgo, na “Nota do Autor”, constante desta edição, afirma:
“O homem, no sistema capitalista, é um ser em luta contra uma engrenagem social que promove a sua desintegração, ao mesmo tempo que aparenta e declara agir em defesa de sua liberdade individual. Para adaptar-se a essa engrenagem, o indivíduo concede levianamente, ou abdica por completo de si mesmo. O Pagador de Promessas é a estória de um homem que não quis conceder – e foi destruído.”
Ambientada na Bahia, o enredo da peça flagra, já na primeira cena, Zé do Burro e Rosa, sua mulher, diante da igreja em Salvador, na qual pretende pagar a promessa feita a Santa Bárbara em intenção de seu burro Nicolau, que se livrou da morte quando da queda de uma árvore.
O conflito colocará em campos opostos a forma ingênua, popular e sincrética da religiosidade de Zé do Burro e uma forma de religião institucionalizada, comprometida com as elites até as entranhas e eivada de preconceitos:
“Zé: Seu vigário me desculpe, mas eu tentei de tudo. Preto Zeferino é rezador afamado na minha zona: sarna de cachorro, bicheira de animal, peste de gado, tudo isso ele cura com duas rezas e três rabiscos no chão. Todo mundo diz. E eu mesmo, uma vez, estava com uma dor de cabeça danada, que não havia meio de passar. Chamei Preto Zeferino, ele disse que eu estava com o Sol dentro da cabeça. Botou uma toalha na minha testa, derramou uma garrafa d’água, rezou uma oração, o Sol saiu e eu fiquei bom.
Padre: Você fez mal, meu filho. Essas rezas são orações do demo.
Padre: Não é para curar, é para tentar. E você caiu em tentação.”
A adaptação da peça para o cinema, realizada por Anselmo Duarte e estrelada por Leonardo Villar e Glória Menezes, teve estrondoso sucesso junto ao público no Brasil e ampla repercussão internacional após a conquista da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1962.
Um desafio encantador para a escola seria, após ler o texto e assistir ao filme, encenar essa peça, integralmente ou na forma de adaptações, nas quais os alunos, a partir de sua própria experiência e criatividade, poderiam participar ativamente.
Com certeza, um professor, uma turma e uma escola que se envolvessem num trabalho como esse nunca mais seriam os mesmos.
FONTE: Gomes, Dias. O Pagador de Promessas. 50 ed. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 2009.