segunda-feira, 12 de abril de 2010

Contos Romanos, Alberto Moravia

Trad. Alessandra Caramori

Alberto Moravia é um dos maiores escritores de língua italiana. Tendo emprestado suas habilidades para o cinema neo-realista italiano da melhor safra, esses seus Contos Romanos, na primorosa tradução de Alessandra Caramori, pela editora Berlendis, versa sobre o cotidiano popular na Itália do imediato pós-Segunda Guerra. Com um humor maroto, zombando da melancolia e de qualquer sentimento autocomiserativo, o autor extrai riso das difíceis situações vividas pela população de Roma em sua luta para superar a miséria produzida pela guerra.

Os personagens desses admiráveis contos estão sempre envolvidos em trapalhadas, enganos, pequenos furtos, situações incômodas ou ridículas. Algumas muitas cenas retratadas esbarram no pastelão, porém, são descritas e narradas com tal verossimilhança que o leitor se condói dos envolvidos nelas.

Palhaços, falsários, brigões, beberrões, camelôs, falsos amigos, cafajestes arrependidos, famílias estropiadas, jovens sedutoras e infiéis, trabalhadores na completa penúria e desempregados se movem em meio à falta geral de dinheiro, tocados simultaneamente por sentimentos de egoísmo e solidariedade, de companheirismo e de concorrência por um prato de comida.
No entanto...

De tudo isso Moravia faz brotar humor, riso e, por incrível que pareça, alegria. Os personagens desses contos têm uma força moral comovente e, frente às dificuldades, portam-se de maneira digna e sem o menor laivo de autocomiseração.

Perdendo a concorrência na venda de seus produtos para uma moça bonita, ou rolando pelo chão de
um restaurante em uma altercação completamente gratuita, esses personagens não se diluem, não perdem a integridade e dão mostras de que não estão dispostos a se entregar à prostração em face do destino.

Eles passam privações, se expõem ao ridículo, brigam por nada e com a mesma facilidade desculpam-se, mas não se entregam, persistem e, embora se lamentem em voz alta, não perdem a oportunidade de revidar.

Observar como Moravia extrai riso de situações tão comoventes e como faz crescer aos olhos do leitor personagens representativos de tipos sociais sempre humilhados é um exercício que poderia ser realizado com proveito por estudantes e professores. Ao final da leitura desse livro nos perguntamos: por que esses personagens nos comovem? O que neles os torna grandes, humanos, dignos, comoventes em meio a tanta privação? O quê?

FONTE: Moravia, Alberto. Contos Romanos. Trad. Alessandra Caramori. São Paulo. Ed. Berlendis & Vertecchia. São Paulo, 2002.

Antes do Baile Verde, Lygia Fagundes Telles


Antes do Baile Verde é uma significativa, admirada e por que não dizer “mutante” reunião de contos de uma das mais importantes escritoras brasileiras. Em edição de muito bem cuidada, a editora oferece ao leitor um volume primoroso, acrescido de textos em posfácio bastante úteis para compreensão da obra, que já teve outros formatos e extensões, e da autora, sempre a burilar seus textos em busca de uma expressão mais depurada da linguagem – a exemplo deste livro, que já teve dezesseis, passou a vinte e agora reúne dezoito contos.

A que se devem essas mudanças? Haveria muitas razões, mas entre elas se conta certamente a exigência da autora em relação à sua própria produção, constituída entre a delicadeza e o inusitado.

Neste volume, drama e fantasia, reflexão crítica e terror psicológico são tratados com requinte e habilidade de, por que não dizer, trapezista. Os personagens, em meio a tensões às vezes angustiantes, às vezes fantásticas, equilibram seus destinos instáveis  em meio a situações-limite... até que a corda bamba se parta, os fatos escapem à órbita normal e os narradores os encaminhem para o imponderável, ante os olhos incrédulos do leitor.

O estilo fluido e envolvente da autora contribui para que o leitor desça junto com os personagens pelas corredeiras do enredo que, passando pelo suave e pelo sublime, podem dar no inusitado, no surpreendente e, não se duvide, no inacreditável.

Perguntar, após cada conto, por que as coisas se deram tal como se deram é inevitável. E se isso não altera o destino das personagens, com certeza altera os destinos do leitor, nunca o mesmo a cada leitura.

FONTE: Telles, Lygia Fagundes. Antes do Baile Verde. Posfácio Antonio Dimas. São Paulo, Cia. Das Letras, 2009.

A Estranha Máquina Extraviada, de José J. Veiga


O escritor José J. Veiga.
A Estranha Máquina Extraviada é um volume de contos dos mais importantes da obra de José J. Veiga. Os temas tratados de forma aguda e inquietante orientam o leitor na descoberta do que vai por sob a aparente normalidade do cotidiano.

Sem dúvidas, um dos aspectos mais impressionantes dos contos deste livro – como de resto, de toda a obra de José J. Veiga – é a linguagem que, por sob a transparência, a objetividade e a clareza simuladas, reserva ao leitor os maiores espantos, engendrados meticulosamente como se fossem coisas naturais.

No entanto, o leitor não poderá jamais arguir em sua defesa não ter sido prevenido pelo narrador acerca dos eventos incomuns em progresso na narrativa. Esses eventos anormais são sempre antecipados da forma mais evidente possível. Se escapam ao leitor é porque ele, contraditoriamente, se deixa iludir pela franqueza das palavras, concordando em penetrar inocente em mundos perturbados, tal como um inocente banhista se lança com prazer em águas plácidas, mas prenhe de riscos imprevistos. No início deste livro lê-se:

“O mascate escolheu um mau dia para bater em Sumaúma... Também se ele adivinhasse não estaria naquela vida. Ele já tinha estado ali algumas vezes, e da última jurara nunca mais voltar.”

O texto é límpido como um mar sem rugas, porém, os eventos funestos, improváveis, incontornáveis já foram anunciados. A placidez da linguagem ofusca as intenções, e o leitor, ante a natureza perturbadora dos fatos, se vê forçado a retornar um parágrafo para se certificar do que leu.

Mas a dúvida permanecerá, como uma sutil vibração na planura cristalina da água. Mais adiante, confirmadas as impressões, o leitor ainda se perguntará: li direito ou perdi algo? Retrocederá então alguns parágrafos incrédulo de que o narrador o tenha verdadeiramente atirado aos abismos ignotos sem nunca ter mitigado uma só linha, uma só palavra, uma só advertência explícita.

Por isso, o melhor a fazer, é sempre desconfiar das melhores intenções dos narradores destes contos inquietantes e deliciosos, como mar límpido e sem sombra de ondas... mas prenhe de tubarões. Porém, quer se divertir para além da leitura do conto para alguns metáfora do capitalismo? Leias os comentários desta postagem, Sendo muitos de ódio, são de morrer de rir.

FONTE: Veiga, José J. (José Jacinto). A Estranha Máquina Extraviada. 13 ed. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand Brasil, 2008.


Jeosafá é escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, lançou em 2013 O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria),  em maio de 2015, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela mesma editora, e no mesmo ano A lenda do belo Pecopin da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo, pela Mercuryo Jovem. Leciona para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados de São Paulo.