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sexta-feira, 20 de março de 2020

Ciumento de carteirinha: Scliar, Machado e Zélia Duncan — Que triângulo amoroso, hein?

E você, teria ciúmes de Capitu? Até tu, Zélia Duncan?

Capitu traiu ou não? Numa disputa entre dois colégios, estudantes devem debater a questão e encenar o julgamento da personagem Dom Casmurro, do romance de mesmo nome de Machado de Assis. Entre eles está Queco, que vive um drama parecido com o de Bentinho.

O ciúme é com certeza um dos sentimentos mais complicados de se lidar e entender. Todos estamos sujeitos a sofrer por ele, seja em uma relação de amizade, seja em um caso amoroso. A questão fica ainda mais dramática quando se trata de uma aventura adolescente sem limites, em que a dor de cotovelo surge pela primeira vez.

Moacyr Scliar, autor premiado da literatura para pessoas mais maduras e membro da Academia Brasileira de Letras, faz aqui uma homenagem, na forma de literatura juvenil, a Machado de Assis e seu clássico Dom Casmurro, numa narrativa sobre o ciúme e algumas atitudes a que esse sentimento é capaz de levar todo ser humano fora da posse de seus impulsos destrutivos.

A obra conta a história de um grupo de amigos de Itaguaí, no estado do Rio de Janeiro, que participa de um concurso — cujo prêmio em dinheiro possibilitaria a reconstrução de sua escola, soterrada durante um temporal. O objetivo da disputa é provar se a indefectível Capitu traiu ou não Bentinho.

Entre os jovens participantes está Francesco, ou Queco, adolescente inteligente e sonhador, seu amor de infância Júlia, e seus amigos Vitório e Fernanda. Durante os estudos para o simulacro de julgamento, Queco, identificado com o drama de Bentinho, começa a visualizar olhares e atos suspeitos entre sua amada e Vitório. Tomado por ciúme, o jovem forja um documento com a assinatura de Machado de Assis, para incriminar Capitu e vencer o concurso. Até que o grande dia chega, e Queco tem de representar a farsa diante de uma plateia lotada. Será que ele consegue?

Moacyr Scliar dá umas dicas sobre O ciumento de carteirinha.

No romance de Machado de Assis, o personagem-narrador Bentinho, ao envelhecer se torna no introvertido, ranzinza e rabugento Dom Casmurro (no dicionário esse adjetivo tem o significado "amargurado" e sinônimos). Porém a personagem que domina o romance, não é ele, mas seu amor de adolescência, Capitu, por quem ele nutrirá um ciúme perverso, isso por duas razões.

1ª.)  Porque, nas palavras do personagem-narrador (que podem ser verdadeiras ou fruto do despeito), no velório do amigo, Escobar, morto por afogamento, Capitu teria ficado mais abalada do que a própria esposa do defunto.

2ª.) Em razão da semelhança que ele passa a ver, ou imagina ver, ano após ano, entre seu filho e seu melhor amigo, morto por afogamento.

Sobre essa segunda razão diz a revista Piauí:
Bento Santiago, protagonista e narrador do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, trabalhava em casa quando foi interrompido por um escravo que fazia alarido ao portão. O criado, propriedade de seu velho conhecido Escobar, estava aflito e pedia ajuda. “Para ir lá… sinhô nadando, sinhô morrendo”, anunciou. Bento correu à praia do Flamengo o mais rápido que pôde, mas não havia mais nada a fazer além de confirmar a morte do amigo. Arranjou-se velório e enterro para o mesmo dia e, “na hora da encomendação e da partida”, o desespero de Sancha, esposa do falecido, “consternou a todos”, levando homens e mulheres ao choro. É nesse momento tumultuado que ocorre o fato decisivo da narrativa: Bento notou “que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã”. Nascia nele a dúvida sobre a traição. (Fonte: Revista Piauí) 

Essa história clássica de ciúmes foi parar nas salas de teatro, pelas mãos de grandes dramaturgos, na forma de drama ou comédia, nas páginas de histórias em quadrinhos, pelas mãos de excelentes desenhistas e roteiristas, na TV, na forma de minissérie, e no cinema:

Adaptação Capitu (1968), de Paulo César Saraceni.

A música popular brasileira (MPB) não ficou de fora do enigma Capitu. Na voz de Zélia Duncan e com letra de Luiz Tatit, Capitu é uma jovem moderna derramando ciúmes pelas redes sociais e sites da Internet, como se pode assistir no vídeo que abre este post.

Em Ciumento de Carteirinha, Moacyr Scliar atualiza e adapta esse clássico de nossa literatura para uma faixa etária em que o primeiro amor é uma realidade, com todas as suas inseguranças. E ele faz isso porque, depois de Dom Casmurro, não se pode mais tratar do tema do ciúme no Brasil sem se falar de Machado de Assis. Depois de Capitu, o ciúme nunca mais foi o mesmo.



JEOSAFÁ é Doutor em Letras (USP), foi Pesquisador Colaborador do Departamento de História da Universidade de São Paulo, onde concluiu seu Pós-doutorado em 2023. É escritor e professor  Leciona atualmente para a rede pública da cidade do Rio de Janeiro. Foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo.  Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);   O jovem Malcolm X A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo (Mercuryo Jovem).