Mostrando postagens com marcador Colorado do Brás. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Colorado do Brás. Mostrar todas as postagens

sábado, 20 de janeiro de 2018

CAMINHOS QUE LEVAM À FÉ

Num momento em que a intolerância, o ódio e o racismo vicejam nas redes sociais – a bem da verdade cada vez mais combatidos e em franca defensiva – um samba enredo de São Paulo responde aos iracundos não na mesma moeda, mas com a moeda de ouro da beleza. Assim, a escola de samba Colorado do Brás, vermelha até no nome, vem para o Carnaval de 2018 com um belíssimo samba enredo que encaixa em todos os sentidos.

O ritmo e a cadência de CAMINHOS DA FÉ vai num crescendo contagiante que torna impossível a quem o ouve ficar parado um só instante. A força dos tambores africanos atravessam a pele, a musculatura, os nervos, os ossos e atintem diretamente o coração, que passa então a pulsar na frequência portentosa da bateria. Quem participa dos ensaios da Colorado do Brás sai dizendo que sentiu o sangue fluir quente pelo corpo:

Mãe África derrame seu Axé
Semeando a cultura
Em teu sangue a bravura
Aos ventos de Orum Ori Aláfia
Eparrey Oyá

Não só o ritmo encaixa: a harmonia encaixa perfeita na letra, que articula línguas, culturas e religiões de Brasil e África. É um verdadeiro poema hibrido em que Brasil e África se abraçam numa comunhão de idiomas, mas também de almas. A saudação a Oxóssi, ligado às forças da floresta, fauna e flora, abre uma segunda estrofe do samba que é uma saudação ao orixá caçador, mas é também um chamado contagiante à cultura e à religiosidade de matriz afro:

Okê Arô Ora Yêyêo
Odoya Kawo Kabecilê
Salubá Nãnã Atotô Obaluaê
Ogunhê Arroboboy Oxumarê

O refrão mescla apelo ao ecumenismo, súplica humilde de filho e exaltação das raízes, tem uma força de atração e de sentido que por si só age como antídoto poderoso contra a intolerância.

Bahia de todos os santos
Acolhe teus filhos herdeiros da força
De seus ancestrais

O samba enredo é coroado com versos que convidam à retomada de seu próprio início, numa metáfora de abre alas de rara beleza: o ciclo da vida, das águas, da festa precisa ser sempre retomado, eternamente:

Hoje vai ter Xirê. Hoje vai ter Xirê.
Roda baiana. Salve todos orixás.
Axé! Colorado vai passar.

Dessa forma a Colorado do Brás dá seu recado a esse tempo confuso em que vivemos: com um samba cuja beleza em todos os sentidos deixa racistas, perseguidores da cultura afro, intolerantes e “donos da verdade” simplesmente mudos, catatônicos, sem chão debaixo dos pés para sambar.


Compositores: Marcio Pessi, Edson Dafféh, Gilson Caffé, Magrão da Caprichosos e Hermes Sobral.

JEOSAFÁ, professor, foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo. É escritor e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);   O jovem Malcolm X A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo, pela editora Mercuryo Jovem. Leciona atualmente para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados.