Resumo de aula
Prezados Alunos do curso de Metologia II da História-USP:
Em primeiro lugar, devo agradecer ao Professor Marcos Silva
e a vocês a oportunidade de voltar a ministrar uma aula para o Ensino Superior.
Desde que pus o pé na estrada da vida de escritor profissional exclusivamente,
há seis anos, não enfrentava uma turma de alunos. Fiquei emocionado e me
senti um tanto enferrujado – tomara não
os tenha decepcionado, nem ao amigo que me convidou. Em segundo lugar, vamos ao que interessa:
Os métodos de uma ciência ou de uma atividade intelectual específica
podem ser extrapolados para outras,
todavia, com os devidos cuidados e ajustes. Os métodos da história (mas também
os da Sociologia, Antropologia, da Geografia e das ciências ditas da natureza)
foram amplamente empregados pela literatura, particularmente a partir do século
XIX, seja na produção de obras literárias estrito senso, tais como romances, contos, poesia e teatro, seja na produção teórica tais como história literária, crítica ensaística, literatura comparada etc.
O chamado naturalismo explorou descobertas do evolucionismo
darwinista, do positivismo comteano, do pessimismo sterneano à larga para representar
literariamente a vida das sociedades ou para criticar e estudar textos. Aluísio Azevedo, no Brasil desse mesmo
século, enquanto artista das palavras, não foi o único, nem o último, tampouco Silvio Romero enquanto historiador e crítico.
A busca de representar por meio da literatura a realidade
climática, social, intelectual, emocional de uma época foi experimentada por
vários autores brasileiros, entre os quais, a nossa joia da coroa, Machado de
Assis.
Porém, tanto o desenvolvimento incipiente das ciências
sociais, quanto o império das ciências biológicas sobre as demais resultou, num
momento em que essa ciências resvalavam para explicações rácicas e mesmo
racistas do homem, numa hipervalorização de aspectos relativos ao meio e à genética para explicar as relações sociais.
Assim, a aplicação mecânica de métodos
originários principalmente no campo da biologia e da botânica evolucionistas
levaram a literatura a depositar muitas vezes na conta da natureza as
injustiças sociais resultantes da exploração do homem pelo próprio homem, no
âmbito do império do capital.
Euclides da Cunha, citado em nossa aula, buscou explicação
na genética e na natureza para a resistência do homem nordestino, que para ele
seria antes de tudo “um forte”, mas por razões de adaptação do indivíduo, ao
longo do tempo, ao meio inóspito, responsável por selecionar os mais aptos e mais
fortes - assim, ele encontrou séria dificuldade para explicar como Canudos, um ajuntamento de esfarrapados e fanáticos, derrotou por várias vezes um exército bem armado e treinado.
Para Graciliano Ramos de Vidas
Secas, objeto de nossa aula, o sertanejo é também um forte, mas não apenas
por gozar de boa compleição física: ele é forte porque tem um sonho: alcançar
as terras do sul, que também são suas para ver seus filhos bem tratados e na escola. O sul também é seu, uma vez que é brasileiro, e todo o
Brasil lhe diz respeito e lhe pertence.
Muito se tem enfatizado nesse clássico de nossa literatura o aspecto bruto de Fabiano, sua linguagem feita de ruídos guturais, sua
resistência aparentemente animalesca. Porém, dói nele ter de matarem o papagaio
para comerem, tanto quanto o tortura pôr fim à amiga baleia, tratada como membro da
família até que o drama se impusesse de forma violenta e incontornável.

Vidas secas,
diferentemente de Os sertões situa os
problemas cruciais da literatura não nas relações entre homem e meio, mas nas
relações injustas, desniveladas e de exploração do homem pelo próprio homem.
O drama que afeta a família de retirantes - representativa das milhares e mesmo milhões envolvidas no mesmo drama - é mais social do que climático , uma vez que a exploração rural aproveita o flagelo da seca para lançar seus
tentáculos sobre as terras abandonadas pelo agricultores arruinados.
Estes vão-se embora, enquanto os donos do latifúndio, tão logo as terras sejam
abandonadas, avançam suas cercas por sobre elas, de maneira que, superada a
seca, seu império territorial se veja acrescido substantivamente, para uma nova fase de
exploração concentrada da terra ainda mais aguda.

É por essa razão que Graciliano Ramos amargará futuramente o
cárcere em Ilha Grande, e é também por essa razão que se filiará ao Partido
Comunista: seu projeto literário, solidário da luta pelo fim da
exploração do homem pelo próprio homem, não se contenta em pôr nas intempéries
climáticas a culpa de injustiças decorrentes da ganância capitalista: os pobres sofrem na exata proporção em que os ricos concentram riqueza.
Agradeço a oportunidade de lhes ter ministrado aula na
simbólica sala Edgard Carone, da Faculdade de História da USP. E sendo o patrono dessa sala um guerreiro da
liberdade e da justiça social, convido-os a lerem e a postarem comentários no
Manifesto em defesa das bibliotecas públicas e escolares de São Paulo e por um
política do livro e de incentivo à leitura em nosso município, clicando aqui:
Fórum de Cultura e Educação
Amplexos a todos do
Jeosa
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