Uma amiga todo final de ano se atira do alto do trapézio sem rede de dezembro a um exame minucioso de seu planejamento anual. Como é sistemática, traz tudo anotado em cadernos e em seu computador pessoal. Diz ela que após esse balanço, comemora as metas alcançadas, faz um sério exame de consciência sobre os insucessos e traça as metas para o ano seguinte.
Admiro sua disciplina, mas... passo, ainda mais quando sou incapaz de chegar sequer próximo de algo semelhante ao que ela faz. Não que seja avesso à prática, não, também faço meus planos e traço minhas metas, porém deixo tudo na cabeça, só muito eventualmente pondo no papel, no computador, no aplicativo de notas do celular ou ainda, no mais das vezes, em post-its grudados na porta da geladeira, algo que a minha memória possa trair — e, mesmo nesse caso, de tanto olhar as anotações, acabo, uma hora ou outra, decorando-as.
É lógico que o método dela é mais científico e preciso do que o meu, mas quem disse que eu gostaria de, ao apagar das luzes do ano, voltar minha atenção para o leite derramado? Ah, não! É sofrer mais uma vez pelo que teve má solução lá atrás e cujas lições, seguramente, eu já extraí, pois nunca deixo de olhar atentamente, no momento mesmo do tropicão, para a pedra na qual me estropiei, após o que sigo em frente mancando até a dor passar, porque a lição, essa já restou aprendida in loco e in tempore. Assim, ao final do ano, voltar a esse passo em falso seria ocioso e um tanto mórbido.
Minha amiga que me desculpe, a estimo, mas não a copio.
Tracei há alguns anos metas simples de serem lembradas por anos a fio: ficar velho, barbudo, musculoso e endinheirado.
Tenho me esforçado por atingi-las, e quem me conhece sabe o quanto sou espartano — CDF, se preferirem — quando decido algo. Querem ver? Das quatro metas que estabeleci, duas já alcancei: estou barbudo e velho. E como dizia Aracy de Almeida: ninguém tasca.
Jeosafá Fernandez Gonçalves é Doutor em Letras pela USP Pós-Doutor em e História pela mesma Universidade. Escritor e professor, lecionou para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados. Foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo. Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais Carolina Maria de Jesus: uma biografia romanceada, O jovem Mandela, O jovem Malcolm X (Editora Nova Alexandria); O espelho de Machado de Assis em HQ, A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo (Mercuryo Jovem).