quinta-feira, 19 de março de 2020

Marcos Rey: O mistério do 5 estrelas

Um escritor ama crianças, jovens, São Paulo e sua gente


Marcos Rey, pseudônimo de Edmundo Donato, (17 de fevereiro de1925 — 01 de abril de 1999) foi um escritor e roteirista brasileiro. Foi também redator de programas de televisão, adaptou os clássicos A Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo em forma de telenovela e o Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Marcos usava sua cidade natal, São Paulo, como cenário de várias de suas obras. O autor se dedicou principalmente às obras voltadas ao público juvenil. Escreveu crônicas, contos e se destacou escrevendo romances. Escreveu também várias obras literárias adultas.

Durante os anos 70, foi roteirista de diversos filmes do gênero pornochanchada produzidos na Boca do Lixo, em São Paulo, como “As Cangaceiras Eróticas” e “O Inseto do Amor”. No gênero ficção infantil estreou com Não era uma vez, drama de um garoto à procura de sua cadela perdida nas ruas. Foi também tradutor de livros em inglês, em parceria com seu irmão Márcio Donato. Na década de 1990 tornou-se colunista da revista Veja, São Paulo. No ano de 1999, após voltar de uma viagem à Europa, Marcos Rey foi internado para uma cirurgia, e não resistindo às complicações, faleceu no dia 1 de abril, aos 74 anos, sem recuperar a consciência.

Foi cremado, e um mês depois, sua esposa Palma Bevilacqua Donato sobrevoou com um helicóptero o centro da cidade, espalhando as cinzas do autor sobre São Paulo e realizando assim a reunião eterna de Marcos Rey com a metrópole que foi a grande personagem de toda sua obra. (FONTE: LEITOR CABULOSO)

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Entrevista muito legal com Marcos Rey.

Vítima de hanseníase (lepra) ainda jovem, numa época em que a cura era um milagre os pacientes, perseguidos pelo preconceito, eram internados em "leprosários" para morrer aos poucos, Marcos Rey fugiu para sobreviver e se tratar por conta própria. Conhecendo a também jovem Linda Palma, apaixonou-se por ela - e ela por ele.

Linda cuidou de Marcos Rey até sua cura completa. No vídeo acima, os defeitos em suas mãos são sequelas da doença. Ainda não existiam os computadores, ele escrevia bem, muito e o tempo todo, porém seus dedos não se moviam, por causa da doença.  Então, para datilografar seus textos à máquina, ele desenvolveu uma técnica própria, em que dois dedos paralisados, um em cada mão, fazia mas as vezes de dez. A história dele e Linda Palma é um lindo conto (real) de amor. E seus livros são lindas histórias de amor pelas crianças e jovens, e por São Paulo e sua gente.

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Linda Palma fala de Marcos Rey, seu cúmplice no amor e na literatura.

O mistério do 5 estrelas


O que você faria se visse um cadáver embaixo de uma cama? Léo, mensageiro do Emperor Park Hotel, um cinco estrelas que hospeda muita gente poderosa, viu um no quarto 222. Leo desceu para o saguão desejando que ninguém o chamasse. Precisava contar ao Guima o que vira no 222.
Ao abrir a boca e ao começar a investigar, passou a viver dias cheios de suspense e surpresas. Teve de vencer a paralisia do pesadelo para erguer os lençóis sobre o carrinho. Logo encontrou alguma resistência e viu uma mancha de sangue. Como um boneco de cera, as pernas dobradas, Leo viu o cadáver, o mesmo homem de cara de índio… E viu-se envolvido numa trama bastante perigosa, arquitetada por pessoas inescrupulosas. Vou sair daqui e chamar o gerente, decidiu Leo, aterrorizado, e começou a andar de costas… e no mesmo instante com uma velocidade sideral qualquer coisa o atingiu na cabeça. Perdeu os sentidos. De tirar o fôlego da primeira à última página.

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 Trabalho de estudantes a partir d' O mistério do 5 estrelas.

Livros juvenis de Marcos Rey


  1. O mistério do 5 estrelas (1981)
  2. Não era uma vez (infantil, 1956)
  3. O Mistério do Cinco Estrelas (romance juvenil, 1981)
  4. O Rapto do Garoto de Ouro (romance juvenil, 1982)
  5. Um cadáver ouve rádio (romance juvenil, 1983)
  6. Sozinha no Mundo (estreia juvenil, 1984)
  7. Dinheiro do céu (romance juvenil, 1985)
  8. Proclamação da República (paradidático, 1985)
  9. Enigma na televisão (romance juvenil, 1986)
  10. Bem-vindos ao Rio (romance juvenil, 1986)
  11. Garra de campeão (romance juvenil, 1988)
  12. Corrida infernal (romance juvenil, 1989)
  13. Quem Manda Já Morreu (romance juvenil, 1990)
  14. Na rota do perigo (romance juvenil, 1992)
  15. Um rosto no computador (romance juvenil, 1993)
  16. Doze Horas de Terror (romance juvenil, 1994)
  17. Brasil, o país do sexo (paradidático, 1994)
  18. O diabo no porta-malas (romance juvenil, 1995)
  19. Gincana da morte (romance juvenil, 1997)
  20. O caso do filho do encadernador (autobiografia, 1997)
  21. O menino que adivinhava (romance juvenil, 2000)
  22. Diário de Raquel (romance juvenil, 2004)
  23. O coração roubado (crônicas, 1996)

JEOSAFÁ é Pesquisador Colaborador do Departamento de História da Universidade de São Paulo, escritor e professor Doutor em Letras pela mesma Universidade. Leciona atualmente para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados. Foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo.  Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);   O jovem Malcolm X A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo (Mercuryo Jovem). 


quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Mário do quê?


Para a maioria dos paulistanos que já ouviu falar em Mário de Andrade, ele é apenas um nome de biblioteca no centro da cidade. Entre esses, poucos se dignaram sequer a entrar na biblioteca à qual ele emprestou o nome. 

No entanto, todos os que habitam, trabalham e sofrem no emaranhado de ruas de São Paulo lhe são devedores. Antes dele, esta cidade estava praticamente fora do mapa literário do país.

Aliás, quando da Semana de 22, cuja importância cresce quanto mais nos distanciamos  dela, São Paulo tinha 200 mil habitantes menos do que o Rio de Janeiro (mais ou menos 700 contra 500), e o centro cultural do Brasil era a então capital da República.

É Mário e os que o acompanharam, como Alcântara Machado e Oswald, que construíram a São Paulo literária, que chamaram a atenção para a poesia da neblina, da garoa ("garoa, sai dos meus olhos"), da noite urbana ("é noite, e tudo é noite"), do zum zum zum dos calhambeques  e das máquinas; e do clarão das lâmpadas elétricas da Pailiceia Desvairada.

Enquanto a capital federal comemorava o centenário da Independência, de pouca relevância para os dias de hoje, o espírito moderno nascia no Theatro Municipal da atual praça Ramos de Azevedo entre provocações e vaias.

A discussão estéril sobre quem tivera primeiro a ideia da Semana de 22 foi superada pelo que veio depois.  E o que veio depois transformou a cultura brasileira e tem no centro a monumental obra de Mário de Andrade.

Uma forma de os paulistanos de nascença e os de adoção reduzirem sua dívida para com este verdadeiro inventor da São Paulo moderna é visitar-lhe a obra, senão sempre, ao menos com alguma frequência.

Porém constato que milhões viveram, vivem e viverão nesta cidade sem sequer lhe ter ouvido o nome. E isto explica muito da indigência cultural e do fascismo político em que estamos  mergulhados.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Os 120 anos de Hemingway


Ernest Hemingway (Oak Park, Illinois, 21/07/1899) é até hoje um dos mais lidos romancistas norte-americanos em todo o mundo, suas obras estão diretamente relacionadas a três grandes eventos que moldaram o século XX: as Primeira e Segunda Guerra Mundiais e a Guerra Civil Espanhola - e ao final da vida se veria ainda em meio à Revolução Cubana, que estourou literalmente às cercas de seu quintal.

O projeto literário de Hemingway é explícito desde seus primeiros contos, em que a radiografia de sua geração de escritores, a chamada Geração Perdida, egressa da Primeira Guerra Mundial, é feita sem glamour, de forma direta, objetiva e crua. Porém, já nesses contos, dos quais saltará para o desafio do grande romance americano, a matéria autobiográfica compõe a massa de fatos e sentimentos dos quais o autor extrairá seu estilo.

Ocorre que para Hemingway o cotidiano por si não oferecia atrativos, daí a sua busca pelas emoções nascidas dos eventos de escala histórica e dos que revelavam o extraordinário, encoberto por sob a camada enganadora de tinta da vida ordinária de motoristas de ambulâncias, garçons, enfermeiras, camareiras... Noutras palavras: por sob cada trabalhador mora um herói em potencial - que sua literatura procura desvendar.

No conto A Capital do Mundo, ambientado numa Madri à beira da guerra civil, um modesto garçom sonha tornar-se toureiro. Na ausência de uma arena e de touro reais, seu colega de turno, já madrugada instaurada numa cozinha de pensão meio à penumbra, improvisará facas nos pés de uma cadeira e o atacará o mais realisticamente possível, para que ele apresente suas habilidades de drible, um guardanapo de mesas fazendo-lhe as vezes de lenço vermelho.

Paco morrerá nessa noite não vítima da chifrada de um miúra, mas ao ser atravessado por uma faca amarrada aos pés de uma cadeira, enquanto suas irmãs camareiras assistem a um filme de Greta Garbo, o qual o narrador considerará um passo em falso na carreira da atriz.

Em Adeus às Armas, romance de 1929, os heróis não são generais ou políticos, mas um motorista de ambulância e uma voluntária do serviço hospitalar. Elaborado a partir de sua própria experiência na Primeira Guerra, quando engajou-se na Cruz Vermelha após ser reprovado no alistamento militar, o livro retrata o amor desesperado de dois jovens em meio à carnificina na fronteira entre Itália e Áustria. Ali o amor precisa ser realizado com urgência, pois a morte é o pano de fundo de todas as aspirações. O heroísmo não está nas trincheiras, mas na capacidade de amar em meio aos bombardeios que semeiam pedaços de corpos por todos os lados e às doenças que fazem o trabalho que as balas e morteiros não fizeram:

"No início do inverno, vieram as chuvas ininterruptas, e com as chuvas chegou o cólera. Felizmente a epidemia foi combatida a tempo, e apenas sete mil soldados morreram vítimas dela." 

Adeus às Armas, apenas três anos após sua publicação, foi às telas do cinema, estreando em 1932, tornando-se instantaneamente um clássico em preto e branco, com Gary Cooper no papel de alter-ego de Hemingway. O filme foi indicado ao Oscar em quatro categorias: Melhor Filme, Direção de Arte,  Fotografia e Gravação de Som, vencendo nas duas últimas. O impacto do romance foi tal que em 1957 ganha nas telas do cinema sua versão colorida, agora com Rock Hudson no papel do motorista de ambulância e não menos de que Vittorio de Sica como ator coadjuvante, com indicação ao Oscar na categoria.

Os grandes acontecimentos do mundo foram a obsessão de Hemingway, por isso ele buscou sempre de alguma forma se fazer de corpo presente neles, seja como motorista de ambulância na Primeira Guerra, seja como repórter engajado nos esforços das Brigadas Internacionais na Guerra Civil Espanhola, seja como correspondente ao final da Segunda Guerra. Para ele há obrigatoriedade de se viver as experiências para se falar com honestidade delas.

Em Por Quem Os Sinos Dobram (1940), Robert Jordan, um jovem professor de espanhol norte-americano na Espanha da Guerra Civil, se envolve no conflito ao lado dos republicados. A ele cabe explodir uma ponte. Nos dias que antecedem à missão, ele constata a carnificina, acentuada pelo apoio dos fascistas italianos e dos nazistas alemães aos nacionalistas de Franco, reflete sobre os elos que ligam os republicanos à sua causa e se apaixona pela cigana Maria. O romance ganhará adaptação cinematográfica em 1943, com Gary Cooper no papel de Jordan e Ingrid Bergman, indicada para o Oscar, no papel de Maria.

A obra de Hemingway abasteceu com abundância Hollywood. Seu conto As Neves do Kilimanjaro (1936), estreou no cinema em 1952, com Gregory PeckSusan Hayward e Ava Gardner, que encheram as salas de cinema pelo mundo. O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Direção de Arte e Fotografia. O conto retrata um safári com maus resultados para o protagonista, Harry Street, um escritor experiente que se fere num arbusto e tem a perna gangrenada. Preso a seu catre, ele revive, durante delírios da febre, suas aventuras pelo mundo, seus amores e seus sonhos juvenis - à sombra da morte, prenunciada na forma de abutres e hienas que rondam o acampamento.

Quando O Velho e o Mar foi publicado, muitos críticos consideravam que Hemingway, isolado na ilha de Cuba, tida como a sepultura de sua criatividade, não tinha mais nada a oferecer. A seu editor, o autor enviara, em 1952, os originais desse conto com um bilhete: “Eu sei que isso é o melhor que posso escrever na minha vida toda”. Sucede que esse livro, considerado hoje sua obra prima, ambientado na ensolarada Cuba, rendeu-lhe o prêmio Nobel - na verdade, foi o pretexto que faltava para a Academia Sueca premiá-lo pelo conjunto da obra.

E seguindo a mesma vocação de seus melhores textos, O Velho e o Mar rendeu outro clássico do cinema, em 1958. No papel do velho pescador que enfrenta com suas últimas forças a fúria da natureza na forma de um verdadeiro monstro marinho, não menos que Spencer Tracy, indicado para o Oscar como melhor ator e vencedor do Globo de Ouro na mesma categoria (o filme venceria o Oscar de 1959 na categoria Melhor Trilha Sonora).

Para abastecer sua literatura, Hemingway se atirou à vida e se envolveu em conflitos de toda sorte, pessoais e coletivos, porém a Revolução Cubana lhe chegou sem que ele a buscasse. Embora simpático aos jovens guerrilheiros que derrubariam a ditadura de Batista, já bastante abatido, diabético, sofrendo de depressão aguda e lapsos de memória, o autor abandona a ilha para terminar seus dias no norte dos EUA, em meio às Montanhas Rochosas (Ketchum, Idaho, 2 de Julho de1961).


JEOSAFÁ é Pesquisador Colaborador do Departamento de História da Universidade de São Paulo, escritor e professor Doutor em Letras pela mesma Universidade. Leciona atualmente para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados. Foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo.  Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria);   O jovem Malcolm X A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo, pela editora Mercuryo Jovem.