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Dor. Carvão. Claudindei Roberto, 1985. |
Trato aqui um bocadinho, mas bem bocadinho mesmo, do mundo subjetivo,
que pode ser representado das mais diversas maneiras, por todas as artes e
linguagens. Raiva, paixão, medo, euforia, saudade, lembranças, sonhos,
pesadelos entre outros são tornados conscientes por meio das linguagens, mas
pertencem ao obscuro mundo do inconsciente individual humano, no qual a razão e
as leis científicas têm pouco espaço.
Tornar consciente essa dimensão oculta de nós mesmos permite que aprendamos com ela, que conquistemos um mínimo de controle sobre emoções, sentimentos e pensamentos e, o principal, que criemos formas para viver melhor.
Os textos verbais subjetivos (descrições, narrações, dissertações) são mecanismos para trazermos nossos fantasmas, medos, fantasias (boas ou más) para a luz. À luz da plena consciência, eles não nos assustam mais, nem hipnotizam e, símbolos que são, podem ser lidos, analisados, interpretados e compreendidos – passo decisivo para que assumamos domínio na construção e transformação de nossa integridade emocional e intelectual, e de nossa identidade individual e social.
Enquanto nos textos objetivos, entre os quais os informativos, as regras da estruturação seguem modelos consagrados (a notícia tem um formato pré-estabelecido, assim como os textos dissertativos, por exemplo), nos textos subjetivos, embora haja gêneros canônicos (conto, crônica, poema, romance, teatro entre outros), o que conta é a total liberdade de criação.
Isso ocorre porque não há a menor possibilidade de que a subjetividade aflore na ausência de liberdade de expressão. Em um texto subjetivo, em primeiro lugar está a adequação da forma à expressão da emoção, dos sentimentos, das sensações do autor.
A coerência a que um texto subjetivo deve acorrer é a coerência interna a ele. A verdade desse gênero de texto é a verdade inventada em seu próprio interior. Nele, pedras podem voar, animais podem filosofar; seres humanos podem se converter em monstros e voltar à forma humana; de uma cena a outra, pode-se morrer e ressuscitar, se transmutar, levitar.
Os textos subjetivos flertam com os sonhos, com os pesadelos, com o mágico, com o impossível, sob a ótica da razão chã. Acontece que o indivíduo humano enlouqueceria se não sonhasse (dormindo ou acordado) voar, viver aventuras de risco total, desvendar ou defender segredos vitais ou mortais.
E enlouqueceria também se não conseguisse se livrar de seus pesadelos ou expressar suas fantasias e desejos por meio do teatro ou da pintura, do romance ou da música, da dança ou do cinema, da poesia ou da história em quadrinhos.
Quanto sofremos perdas dolorosas, somos atirados num poço sem fundo de luto e tristeza. Se não pescarmos nas águas desse poço cego os símbolos por meio dos quais se possa converter essa dor, esse sofrimento, em uma nova narrativa, estaremos perdidos no labirinto de nossa própria subjetividade atormentada.
Em situações como essas só a arte nos salva. Ainda que a arte pouco festejada: a de se aprender com a própria dor (não por acaso a psicanálise recorre à literatura desde seu surgimento).
Por mais que resistamos, se desejamos seguir em frente, é preciso pescar
no poço cego das perdas – e a linguagem em geral e as artísticas em particular
são essa vara, essa linha, esse anzol e essa isca.
