Nem em meu mais alucinado pesadelo delirei que um dia o cine Metrópole ia fechar. Era uma tarde-noite de domingo de início dos anos 80 e, em meio ao chuvisco que não molhava mas picava o rosto, com as mãos nos bolsos girando moedinhas, eu andava pela praça Dom José Gaspar, sedento para ver um filme naquela sala escura onde se sonha de olhos abertos — o comércio todo fechado, salvo um mísero café bem próximo da galeria. Era o final da tarde, mas a iluminação pública já funcionava porque fazia escuro. Minha sombra dobrou-se, metade no chão, metade na parede de um edifício. Entrei no café, pedi um bem forte, que tomei apressado, fiz o poema num guardanapo, que enfiei no bolso já sem as moedinhas, e fui ver um filme. O filme, nem me lembro qual, o cine Metrópole se foi, já a lembrança daquela tarde e o poema ficaram... aqui e no coração.
segunda-feira, 11 de agosto de 2014
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Leitura no Metrô
APANHO ÔNIBUS LOTADO DO MORRO DOCE À LAPA. NA LAPA, APANHO O TREM DA CPTM SUPERLOTADO ATÉ A BARRA FUNDA. NA BARRA FUNDA, PEGO O METRÔ LOTADO ATÉ A ESTAÇÃO D. PEDRO. LÁ, APANHO O ÔNIBUS JD. CELESTE, MENOS LOTADO, MAS TAMBÉM DE PÉ ATÉ O IPIRANGA. DUAS HORAS PARA IR, DUAS PARA VOLTAR PARA CASA, EM CAMINHO INVERSO. COMO SUPORTO ISSO? LENDO: 4 HORAS DE LEITURA POR DIA EM PÉ.
Dois túneis se completam, o que leva sob a cidade a alguma parte dela, o que penetra-se pelo vórtice das letras pretas nas página brancas - e que não se sabe aonde vai dar. Quem nunca perdeu uma estação por ficar preso no segundo túnel, que atire a última faísca.
Dois túneis se completam, o que leva sob a cidade a alguma parte dela, o que penetra-se pelo vórtice das letras pretas nas página brancas - e que não se sabe aonde vai dar. Quem nunca perdeu uma estação por ficar preso no segundo túnel, que atire a última faísca.
Cibio Bote
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
A chuva cai, e o morro da Babilônia também
Conheci o morro da Babilônia nos anos 80. Era um pico agudo enfiado no meio da serra da Cantareira, já quase no município de Mairiporã. Erra assim que os moradores chamavam essa ocupação irregular de floresta em que os barracos de alvenaria ou madeira se apoiavam uns nos outros em franca desordem como uma verdadeira Babilônia. Ali traficava-se água por meio de caminhões-pipa, pois as tubulações da cia. de água lá não chegava. A guerra entre traficantes de água espalhava cadáveres pela serra. Fui parar lá a pedido de um morador que, por me conhecer, achou que eu podia ajudar. Narrou-me o desabamento da semana anterior (a foto em questão não tem anda a ver com isso). Disse-lhe, desconsolado: "Faço um poema". Ele respondeu: "Não é suficiente". "Então caia fora da serra da Cantareira, pois isso é dos macacos, nem rico nem pobre pode vir aqui encher o saco deles". Então, ele me deu uma porrada. Mandei-o àquele lugar. E assim acabou nossa amizade. Mas ficou o poema e a história.
Cíbio Bote.
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