segunda-feira, 17 de maio de 2010

Texaco, de Patrick Chamoiseau



Texaco é o nome da favela originada a partir de uma ocupação popular no terreno em que funcionou um dos reservatórios de combustível da multinacional de petróleo, na cidade de Fort de France, Martinica.

Fort de France, por sua vez, não era exatamente uma cidade, mas um forte, como diz o nome, que, construído pelo governo colonialista francês para defender a ilha, cresceu em razão de a outra cidade, a principal, Saint Pierre, ter sido atingida pela explosão de um vulcão que a riscou do mapa por completo, fazendo desaparecer em questão de horas mais 30.000 habitantes.

Nessa favela, Patrick Chamoiseau entrevista a líder da ocupação, a idosa negra, alta e de olhar intimidador, para coletar depoimentos de sua tese de pós-graduação, voltada para a preservação da memória oral e para aspectos da linguagem crioula que, na ilha, rivaliza com o francês oficial.

As histórias que essa mulher incrivelmente sedutora tem para contar a Chamoiseau, no entanto, promoverão uma reviravolta nas intenções do estudante universitário, o qual converterá os depoimentos tomados em um dos romances mais importantes da literatura em língua francesa da década de 1990.

Marie-Sophie Laborieux conta sua história e a da luta dos negros na ilha da Martinica desde seu avô, encarcerado e morto sob bárbara tortura, por ter sabotado fazendas escravocratas, no século XIX, até o momento em que a prefeitura de Fort de France, em fins do século XX, decide urbanizar a favela Texaco, na qual se refugiou parte da população negra excluída do progresso pós-libertação dos escravos.

A luta de seu avô prossegue na de seu pai, Esternome, que assiste do alto do morro em que mora à extinção fumegante da cidade de Saint Pierre que, calcinada pelo calor e pelo enxofre do vulcão, enterra Ninon, a mulher por quem nutriu um amor vertiginoso e cheio de dor.

Porém, Marie-Sophie Laborieux não é filha desse amor, a ela relatado pelo pai, mas de Idoménée Carmélite Lapidaille, uma cega com quem Esternome vive um amor cheio de carinho e amizade, após emergir emocionalmente da tragédia que vitimou sua Ninon.

A história da Martinica envolve cada palavra desse romance cheio de calor humano e coragem, no qual negros revoltosos, mentôs – os feiticeiros que guardam em seu corpo os mistérios das plantas, dos bichos e da África ancestral –, mulatos aspirantes à ascensão social e brancos escravocratas disputam cada palmo de terra e cada gota de felicidade.

Na dura herança que recebeu do avô, do pai e da mãe, Marie-Sophie Laborieux inclui a luta pela felicidade amorosa. Narra a Chamoiseau, sem meias palavras, os vários homens com quem, desde a juventude e até o momento do depoimento, compartilhou seu belo corpo negro, alto, esguio e cheio de calor.

Porém, tendo se tornado lenda, em razão de sua liderança empedernida na ocupação e defesa da Texaco, apenas um desses amantes -  por ironia do destino ou por predestinação de sua história cheia de mistérios enxergadas pelos mentôs - se tornará seu parceiro definitivo, numa época em que seu corpo recebe já os sinais da menopausa: um caçador de monstros marinhos, cujo maior feito terá sido livrar a costa da Texaco de tubarões que impediam a pesca e colher, como prêmio insuspeitado, o coração e o corpo amoroso dessa Marie-Sophie, com todo o mel de doçura que a luta não amargou.

É com esse caçador de monstros marinhos, lendário como ela própria, que Marie-Sofie encerrará seus dias, tendo compreendido com ele que, desta vez, a prefeitura, com seu urbanista mulato não vem preparar uma ação violenta para a desocupação da favela, mas ajudar o bairro crioulo a integrar-se à cidade, mantidas a memória de luta e a arquitetura crioula.

Chamoiseu nos diz isso de forma comovente, e não dirá muito mais, pois um belo dia, retornando à Texaco, encontra mortos Marie-Sophie Laborieux e seu amado caçador de monstros marinhos.

FONTE: Chamoiseau, Patrick. Texaco. São Paulo, Cia. Das Letras, 1993.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ricardo III, de Willian Shakespeare



Luiz Antonio Aguiar, adaptação


Ricardo de Gloster (Gloucester), de Willian Shakespeare, personifica tudo de perverso a que a ambição ilimitada pelo poder é capaz de conduzir, principalmente quando ela fermenta, borbulha e eclode em um espírito atormentado, ressentido e despido de qualquer senso de moral:

“Ricardo: Você conhece alguém a quem a corrupção do ouro seria uma tentação para executar secretamente um assassinato?

Pajem: Meu senhor, conheço um nobre descontente com a vida porque seus pobres recursos não correspondem à altivez de seu espírito. O ouro, para ele, vale tanto quanto vinte oradores e, sem dúvida, o tentaria a fazer qualquer coisa.

Ricardo: E qual o nome dele?

Pajem: Tyrrel, meu senhor.

Ricardo: Conheço alguma coisa dele. Vá, pajem. Traga esse homem aqui. [Sai o pajem]. O sábio Buckingham, homem de tão profundas considerações de consciência, não será mais aquele de quem tomo conselhos. Então, veio até este ponto comigo, e agora para para respirar? Bem, que seja! Casteby, aproxime-se. Espalhe o boato de que Ana, minha esposa, está gravemente enferma. Vou ordenar que ela fique isolada. Além disso, descubra para mim algum nobre ambicioso e de pouca projeção, com quem irei casar imediatamente a filha de Clarence... O garoto é um idiota. Não tenho por que temê-lo. Atenção! O que houve? Está sonhando acordado? Repito, espalhe por aí que Ana, minha rainha, está doente, quase morrendo. Aja depressa. Preciso acabar logo com todas as esperanças de me prejudicarem, antes que cresçam. [Sai Catesby]. Devo me casar com a filha do meu irmão Eduardo porque, de outro modo, meu reinado repousará sobre uma lâmina de vidro. Vou matar seus irmãos e depois me casar com ela. É um caminho tortuoso para o triunfo! Mas estou tão afundado no sangue que um pecado leva a outro e não tenho lágrimas de piedade para derramar.”

Ricardo de Gloster, já empossado Ricardo III, explicita aqui seus planos já depois de ter assassinado o rei Eduardo IV, seu irmão, esposo da mesma Ana a quem desposou e de quem pretende se livrar, e Clarence, seu outro irmão, que o tinha por aliado.

Para Ricardo de Gloster não há impedimento de ordem política, religiosa, ética ou moral que o impeça de atingir aquilo a que almeja. É invejoso, cruel, cínico, hipócrita, caviloso, manipulador e astucioso em mover as vaidades, ambições e falta de escrúpulos alheios em favor de suas próprias pretensões:

“Ricardo: Eu, de aparência tão desagradável, destituído da formosura necessária para agradar às jovens de andar gracioso. Eu, disforme, traído pela natureza, posto no mundo antes da hora, inacabado e tão horrendo que os cães ladram à minha passagem, não aprecio a beleza nem os prazeres desses dias. E, se o sol, para mim, não faz mais do que exibir a mim mesmo minha sombra deformada, o que me resta é odiar esse tempo de fraqueza e de paz. Assim, sou o vilão, aquele que trama e conspira. E uso tudo o que posso: argumentos falsos, calúnias, sonhos, profecias tresloucadas, o que seja, para induzir perigosamente ao engano. Para gerar o ódio que leva ao assassinato.”

A presente edição, além do texto adaptado com grande felicidade, oferece para o leitor: uma “Apresentação”, uma “Introdução”, um “Posfácio” e tópicos, ao final, “Para Discussão e Aprofundamento” muito convenientes, pois situam o contexto histórico e artístico desse drama shakespeariano e orientam uma leitura mais detida da peça.

Realizar leituras dramáticas desse texto teatral consiste em um desafio tentador para professores e alunos. Porém, se seguirmos o conselho de Oscar Wilde, devemos resistir a tudo, menos às tentações.

Encená-la na escola, então, é um ato de desprendimento intelectual e espiritual sem tamanho, pois enfrentar, ainda que seja no palco, o sanguinário e inescrupuloso Ricardo de Gloster é tarefa que exige, além de técnica, coragem.

FONTE: Aguiar, Luiz Antonio. Ricardo III / Willian Shakspeare. Adap. Luiz Antonio Aguiar. Rio de Janeiro. Ed. DIFEL, 2009.

Prometeu, de Ésquilo e Alceste, de Eurípedes

Luiz Antonio Aguiar, adpatação

Nesta edição, duas peças do teatro clássico grego são oferecidas num só volume, com adaptação de Luiz Antonio Aguiar.

A linguagem adotada nas adaptações dos textos das duas peças possibilita uma leitura fluída, ainda que o leitor seja um adolescente penetrando pela primeira vez no mundo da mitologia grega.

Além dos textos das peças, o livro oferece ainda uma “Apresentação”, na qual são esclarecidos os propósitos da edição; uma “Introdução”, antecedendo o texto de cada uma das peças; “Posfáscios” sucintos e de grande valia para o entendimento dos mitos gregos envolvidos nos dramas representados; e, ao final do volume, um texto “Para discussão e aprofundamento”, que orienta uma leitura mais detalhada.

No texto da primeira peça, de Ésquilo, está em jogo o mito de Prometeu que, desafiando Zeus, por amor à humanidade, rouba o fogo reservado apenas aos deuses e o entrega aos homens, os quais, a partir de então, passam a criar e a realizar descobertas, do que antes estivam privados.

A postura insolente e rebelde de Prometeu enfurecerá Zeus, que não terá piedade em reservar a ele os piores suplícios. Prometeu, dotado dos dons da profecia, antes de cometer o crime contra o Olimpo já sabia o que lhe esperava. Ainda assim, não hesitou em favor dos mortais, a quem tanto amava:

Prometeu: (...) Mas aconteceu que olhei aquela raça de brutos sobre a Terra e pretendi que tivessem inteligência, espírito, poder de criar... Então, dei a ela o fogo, que era a propriedade exclusiva dos deuses, e com este a espécie humana terá a chance de realizar grandes obras. Por isso, Zeus enfureceu-se comigo e aqui estou, em desgraça!
Ninfas: Pobre de você, Prometeu! Pobre de você! Mas este foi o seu crime? Só isso?

Prometeu: Acham pouco? Graças a mim, os homens se apegaram à vida. Alguns, pelo conhecimento, até mesmo perderam o medo da morte. E inventaram a dignidade, a liberdade e tantos outros valores. Compreendem o que isso significa em relação ao poder absoluto pretendido por Zeus?
Ninfas: Quer dizer que eles não vagam mais pela Terra com a mente obscurecida? Que não são mais apenas dominados pelos seus instintos, como os animais, mas que contemplam o firmamento, agora, acima deles, e a imaginam como poderão alcançá-lo, se em atos, palavras ou sonhos?
Prometeu: Isso mesmo! O fogo se acendeu em seus espíritos. Eles escreverão livros, conhecerão os astros, descobrirão segredos da criação!”

Na segunda peça do livro, estão em jogo a vida e a morte – cujo mundo é governado por Hades. Nesta peça de Eurípedes, Admeto é um soberano velho e justo, mas que precisa ser levado por Caronte, o barqueiro que transporta os mortos para sua derradeira morada sob a terra.

Por intervenção de Apolo, as Parcas concedem que outro seja levado em seu lugar, porém somente Alceste, jovem esposa de Admeto, aceita a permuta. O texto se inicia com Apolo expondo o dilema e resistindo a entregar a jovem Alceste:

Morte: Ora, Apolo, deus iluminado! Salve! Mas o que você está fazendo na entrada deste palácio? Por acaso, pretende opor-se aos privilégios das divindades infernais? Já não chega ter enganado as Parcas, com esses seus truques, e impedido que eu arrebatasse Admeto? E agora, o que você pretende? Evitar que eu leve para Hades a filha de Pelias, que se sacrifcou no lugar de seu esposo?

Apolo: Tenho direto de fazer o que faço. E muito boas razões, também, para tanto.”

O contado do estudante e do professor com essas duas pérolas da cultura ocidental acrescenta qualidade à formação de ambos, porém confere ao segundo, além disso, a oportunidade de guiar suas turmas por caminhos inusitados, cheios de magias, mitos e forças titânicas que, na verdade, estão dentro de todos nós.

Uma vez lidas coletivamente, de forma dramatizada, e, melhor ainda, encenadas, essas peças entram no intelecto, na alma e no coração dos estudantes de maneira irresistível, passando a constituir um patrimônio, uma bagagem cultural de valor incalculável, porque definitiva.

FONTE: Aguiar, Luiz Antonio. Prometeu / Ésquilo; Alceste / Eurípedes. Adap. Luiz Antonio Aguiar. Rio de Janeiro. Ed. DIFEL, 2009.



LANÇAMENTO
Era uma vez no meu Bairro
ZONA NORTE – Nova Edição
ZONA LESTE – Inédito
Dia 18 de outubro de 2011
19:30h
Livraria do Espaço Unibanco de Cinema da Rua Augusta
SÃO PAULO - SP