segunda-feira, 12 de abril de 2010

Antologia Poética, de Manuel Bandeira

Antologia Poética é uma reconhecida obra de Manuel Bandeira. Organizada pelo próprio autor em 1961, reúne, a seu critério, poemas representativos dos livros: A Cinza das Horas, Carnaval, O Ritmo Dissoluto, Libertinagem, Estrela da Manhã, Lira dos Cinquent'anos, Belo Belo, Opus 10, Estrela da Tarde, Poemas Traduzidos e Mafuá do Malungo.

Poeta de cultura erudita, tradutor de inúmeras obras para o português e crítico de arte, Bandeira foi acolhendo em sua linguagem poética uma simplicidade tão meticulosamente estudada que seus poemas falam com igual impacto a públicos diversos.

Seja o leitor iniciante, seja o leitor experimentado, ambos encantam-se com seus poemas; quer o leitor ocasional, quer o leitor contumaz de suas obras, ambos se comovem com seus inesperados arranjos poéticos que, sob a aparência de brincadeira, destilam a crítica, como no poema “Os sapos”:

“Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi à guerra!”
- “Não foi! – “Foi!” – Não foi!”
;

Seu lirismo veste-se de inocência com feitio melancólico e pleno de ambiguidades, como no outro poema “Porquinho-da-índia”:

“Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!

Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”

A linguagem direta e simples empregada pelo poeta não deve iludir o leitor quanto à natureza enigmática de seus poemas. A voz do sapo, no primeiro, é uma crítica ácida cujo endereço cabe ao leitor desvelar, tanto quanto não é, no segundo, despretensiosa a observação do verso final – ilustrativa de uma sensação de frustração que se estende no tempo.

Descobrir o que há por sob a linguagem aparentemente franca de Manuel Bandeira é um exercício prazeroso, uma vez que essa “franqueza” dá “dicas” de muitas ambiguidades que, exploradas, revelam surpreendentes sentidos subjacentes.

É lógico que esse exercício fica mais rico se o leitor mais experiente recorrer à fortuna crítica da obra do poeta, porém, não há dúvida que os dois poemas em destaque, por exemplo, poderiam ser oferecidos a uma criança que, estimulada por perguntas bem feitas, teria muito a dizer sobre esses “sapos” e sobre esse bichinho de estimação que não dá bola a quem tanto o ama...

FONTE: Bandeira, Manuel. Antologia Poética. 12 ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 2001.

Antologia Poética, de Carlos Drummond de Andrade

Esta Antologia Poética de Carlos Drummond de Andrade, organizada pelo próprio autor em 1962, reúne poemas representativos de sua produção à época da publicação.

Os critérios empregados por ele dividem a Antologia em 9 partes: 1) O indivíduo: “Um eu todo retorcido”; 2) A terra natal: “Uma província: esta”; 3) A família: “A família que me dei”; 4) Amigos: “Cantar de Amigos”; 5) O choque social: “Na praça de convites”; 6) O conhecimento amoroso: “Amar-Amaro”; 7) A própria poesia: “Poesia contemplada”; 8) Exercícios lúdicos: “Uma, duas argolinhas” e 9) Uma visão, ou tentativa de, da existência: “Tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo”.

A essas subdivisões agregou-se ainda um Suplemento que, a partir da 5ª. edição, reúne poemas extraídos do livro Boitempo. O volume conta ainda, ao final, com uma “Cronologia” da obra de Drummond, com uma “Biografia” e com um “Índice de títulos de primeiros versos”, o que facilita a consulta dos poemas.

Os temas que preocuparam Drummond até a data de organização dessa reunião de poemas estão nela representados, e o que é mais importante, sob a ótica do próprio autor, a partir de poemas por ele mesmo selecionados.

Ler a poesia de Carlos Drummond de Andrade é mergulhar nos dramas vividos pelo homem ligado a seu mundo e a seu século por profundos laços intelectuais e afetivos.

Do indivíduo que, acometido de estranha sensação, deseja no poema “A mão suja” amputar a própria mão:

“Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
Suja há muitos anos”
;

ao cidadão do mundo que, tocado pela necessidade de intervir na realidade, estende a mão em gesto fraterno:

“Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”
;

Drummond viaja da geografia sentimental de uma Itabira como que suspensa no tempo, em “Cidadezinha qualquer”:

“Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.”;


à geografia de um mundo e de um tempo dilacerados pela guerra, em “Nosso tempo”:

“Este é um tempo de partido
Tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,
Viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.”


Os poemas desta antologia pulsam o tempo inteiro, num movimento que vai dos cantos mais recônditos do indivíduo aos cenários sociais mais inóspitos e propícios ao esmagamento da individualidade; da mais remota e acolhedora Itabira ao mais tumultuado “Mundo mundo vasto mundo”, no qual o poeta se acha e se atordoa, sem se chamar Raimundo e sem solução para os dilemas, poéticos ou não.

Uma excelente atividade de leitura e estudo seria reunir os livros dos quais os textos foram retirados e observar cada poema à luz do contexto original. Que sentidos não ganharia o poema “Elegia 1938”, por exemplo, observado no conjunto do livro de Sentimento do Mundo, do qual foi extraído?]

E no contexto da Antologia, que sentidos assume esse poema, considerados aquele que o antecede e aquele que o sucede imediatamente?

FONTE: Andrade, Carlo Drummond de. Antologia Poética. 64 ed. Rio de Janeiro, Ed. Record, 2009.

Cora Coralina, Melhores Poemas



Darcy França Denófrio, organizador

Organizada por Darcy França Denófrio, esta antologia poética de Cora Coralina reúne poemas representativos da obra dessa importante escritora brasileira. O estudo introdutório "Cora dos Goiases" situa com bastante propriedade a relevância da autora no âmbito de nossa literatura no século XX.

A antologia contempla os livros: Nos Reinos de Goiás; Canto de Aninha; Criança no meu Tempo; Paraíso Perdido; Entre Pedras e Flores; Canto Solidário; e Celebrações. A edição conta ainda, ao final, com uma pequena biografia da autora e ainda com sua bibliografia.

Simples e sofisticada, natural e elaborada, modesta e rica, estes e outros adjetivos contraditórios podem ser aplicados à poesia de Cora Coralina que, apresentada em 1980 ao público pelas mãos de Carlos Drummond de Andrade, não cessou de ver seu público aumentado a cada edição de seus livros.

Nesta antologia, o leitor recebe os poemas de Cora Coralina como uma deliciosa porção de água fresca e cristalina colhida do riacho e espalhada na face. Todos nós – sempre preocupados com os compromissos diários e com as complicações da vida, numa sociedade cada vez mais tumultuada e complexa – somos surpreendidos pelas janelas sempre muito abertas de seus poemas, que deixam entrar o vento e a chuva ou sair o olhar, para se alongar no horizonte da planície, para se deter na elevação de um morro, onde espreitam as plantas, os frutos, os bichos, os transeuntes.

Seus poemas dizem-nos o tempo todo: a vida não é só complicações e afazeres aos quais damos conta com sofreguidão ou tédio: a vida é água, a vida é céu, a vida é terra, a vida é gente se fazendo e refazendo:

“Eu sou o caule
Dessas trepadeiras sem classe,
Nascidas na frincha das pedras.
Bravias.
Renitentes.
Indomáveis.
Cortadas.
Maltratadas.
Pisadas.
E renascendo.”

A limpidez do texto dessa poeta cuidadosa no manejo da linguagem transmite ao leitor uma gostosa sensação de plenitude e de que se não a “Verdade” – essa quimera iniciada em maiúscula – ao menos as muitas “verdades” podem ser traduzidas pelas palavras, sem subterfúgios, com franqueza – verdades simples, cotidianas, alcançáveis pelos sentidos naturais, pelo pensamento despido de intelectualismos e por uma sensibilidade sintonizada com a visão e com o mundo popular.

FONTE: Coralina, Cora. Melhores Poemas/Cora Coralina. Sel. Darcy França Denófrio. 3 ed. São Paulo, Ed. Global, 2004.