
Poeta de cultura erudita, tradutor de inúmeras obras para o português e crítico de arte, Bandeira foi acolhendo em sua linguagem poética uma simplicidade tão meticulosamente estudada que seus poemas falam com igual impacto a públicos diversos.
“Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi à guerra!”
- “Não foi! – “Foi!” – Não foi!”;
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi à guerra!”
- “Não foi! – “Foi!” – Não foi!”;
Seu lirismo veste-se de inocência com feitio melancólico e pleno de ambiguidades, como no outro poema “Porquinho-da-índia”:
“Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”
A linguagem direta e simples empregada pelo poeta não deve iludir o leitor quanto à natureza enigmática de seus poemas. A voz do sapo, no primeiro, é uma crítica ácida cujo endereço cabe ao leitor desvelar, tanto quanto não é, no segundo, despretensiosa a observação do verso final – ilustrativa de uma sensação de frustração que se estende no tempo.
Descobrir o que há por sob a linguagem aparentemente franca de Manuel Bandeira é um exercício prazeroso, uma vez que essa “franqueza” dá “dicas” de muitas ambiguidades que, exploradas, revelam surpreendentes sentidos subjacentes.
É lógico que esse exercício fica mais rico se o leitor mais experiente recorrer à fortuna crítica da obra do poeta, porém, não há dúvida que os dois poemas em destaque, por exemplo, poderiam ser oferecidos a uma criança que, estimulada por perguntas bem feitas, teria muito a dizer sobre esses “sapos” e sobre esse bichinho de estimação que não dá bola a quem tanto o ama...
FONTE: Bandeira, Manuel. Antologia Poética. 12 ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 2001.