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terça-feira, 8 de outubro de 2024

ENEM 2024 — REDAÇÃO: TENHA CORAGEM! Fuja de esquemas, clichês, termos e expressões decorados

Ansioso por pontuar satisfatoriamente na redação do ENEM, o candidato é muitas vezes levado a buscar fórmulas miraculosas que o socorram no momento fatal de escrever as temidas trinta linhas da dissertação argumentativa que o exame exige. Porém, alguém precisa dizer ao candidato, e eu digo: pare de perder tempo com fórmulas miraculosas e desenvolva o hábito cotidiano de escrever textos reflexivos sobre temas que realmente interessem à comunidade, à sociedade, ao país, ao mundo.

Reproduzir esquemas de redação veiculados em redes sociais não demonstra que o candidato sabe escrever (e ao final das contas, é isso que a banca examinadora quer avaliar), mas apenas revela que ele, ao longo do Ensino Médio, não desenvolveu senso crítico, e apenas alcançou com sérias limitações o senso comum dos tempos atuais, que é penosamente superficial, abundante de clichês esvaziados de sentido e que claudica entre o "politicamente correto" e o preconceito camuflado.

É de dar nos nervos ler uma redação recheada de obviedades inócuas, que nada revelam sobre as conquistas do candidato, seja no que tange a seu repertório cultural, seja no que diz respeito às habilidades linguísticas em idioma materno que lhes são exigidas para o nível de escolarização em que se encontra.

Os esquemas de cursos "preparatórios" para o ENEM e vestibulares, presenciais ou disponíveis na internet, primam pela esterilização do ponto de vista do candidato e pela "incutição" de fórmulas prontas, que as bancas examinadoras estão fartas de conhecer. O candidato é treinado: em esquemas estereotipados; em vocabulários pretensamente ajustados a temas que  — num exercício temerário de adivinhação  os instrutores macetam à exaustão em sua mente; em omitir sua opinião pessoal; e em empregar termos que eventualmente causem impacto.

Daí porque em meio a um vocabulário não mais que mediano, surge na redação, no meio de um período visivelmente decorado, um "outrossim", um "não obstante", um "uma vez que", que caem como pedregulhos nos olhos do leitor-examinador.

O tempo que perde repetindo fórmulas e registrando no papel temos e expressões mal assimilados, o candidato aproveitaria melhor, caso desenvolvesse o hábito de ler e analisar com atenção textos opinativos de qualidade abundantes na internet, sobre os mais variados temas.

Recentemente, uma aluna de terceiro ano do Ensino Médio me mostrou um esquema miraculoso que o seu instrutor de curso preparatório para o ENEM lhe havia fornecido — não digo "ensinado", pois na verdade nem de longe se tratava disso. Segundo ela, o esquema era infalível, servia para qualquer tema e era só ir "enchendo com as palavras"   uma certa quantidade das quais, entre elas conectivos, frases de efeito (duvidoso) e clichês, ela já memorizara!

Pouco encorajados a desenvolver o pensamento lógico e livre, o juízo crítico e a escrita própria, autoral, muitos candidatos ao ENEM e vestibulares, inseguros, em busca de tábuas de salvação e saídas milagrosas, acabam caindo nas teias de aranha de esquemas voltados para iludir a banca examinadora e, pior!, a si mesmos. O que fazem, ao reproduzirem essas fórmulas preconcebidas e estéreis, nem de longe é demonstrar que sabem abordar um tema em linguagem que dominam: o que fazem é apenas manter em movimento uma maquinaria conservadora, que se retroalimenta de gente levada a   e premiada por  não pensar de forma livre e corajosa.

Jeosafá Fernandez Gonçalves é Doutor em Letras pela USP Pós-Doutor em e História pela mesma Universidade. Escritor e professor, lecionou para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados. Foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo.  Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais Carolina Maria de Jesus: uma biografia romanceada, O jovem Mandela, O jovem Malcolm X (Editora Nova Alexandria); O espelho de Machado de Assis em HQ, A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo (Mercuryo Jovem).