quarta-feira, 2 de junho de 2021

Ditadura relativa e negacionismos - Marcos Silva

Ditatura relativa e negacionismos, do prof. Marcos Silva, da Universidade de São Paulo, realiza um minucioso raio X das leituras do jornalista Elio Gaspari e do prof. Marcos Napolitano sobre a ditadura militar brasileira.

Quanto ao primeiro, o prof. Marcos Silva, com sua linguagem elegante, analisa de que perspectiva Elio Gaspari tece sua narrativa de jornalismo retrospectivo, tomada por mais de um desavisado como obra historiográfica.

Ao desmistificar as fontes documentais usadas pelo jornalista para redigir sua obra monumental (ao feitio das obras faraônicas do período Médici), Marcos Silva deslinda a parcialidade de Elio Gaspari, mal disfarçada pela linguagem escorreita que caracteriza a escrita encomiástica da ditadura. O ponto de vista de que o jornalista fala é o do escriba de Castelo Branco, Geisel e Golbery do Couto e Silva - o primeiro, tratado como militar culto e bem intencionado; o segundo, como estadista racional e adversário dos porões da mesma ditadura que ele comandava; e o terceiro, como mago a idealizar, preparar, conceber e  propiciar o fim de uma ditadura da qual participou desde o primeiro momento e à qual serviu como ministro dos diversos ditadores que se sucederam desde o infausto 1o. de abril de 1964.

Em sua crítica à obra, Marcos Silva observa como, para Elio Gaspari, a história comparece como um alinhavo de eventos desencadeados por pessoas ilustres e comandados por figuras proeminentes, quando não notáveis, caso dos três militares acima citados. O conflito entre classes sociais passa longe da coleção de 5 volumes (A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada, A ditadura encurralada, A ditadura derrotada, A ditadura acabada), e os movimentos de resistência à ditadura, quando abordados, servem de pano de fundo, à moda de cenário desfocado propositalmente para que holofotes sejam projetados sobre os atores principais.

Os títulos das obras se figuram, assim, após a leitura do livro do prof. Marcos Silva, no mínimo ambíguos, quando não cínicos, em relação ao texto: ditadura, sim; mas haveria ditadores bem intencionados, cultos e avessos a radicalismos de ambos os lados do conflito que ensejou a "revolução redentora'.

Quanto ao livro 1964: História do regime militar brasileiro, do prof. Marcos Napolitano, Marcos Silva analisa a obra do ponto de vista de um colega de ofício, e por isso aponta criticamente o que entendeu serem às vezes insuficiências, às vezes descuido, às vezes erro metodológico — mas há espaço também para a saudável divergência teórica, relacionada às linhas no campo da história que caracterizam a identidade intelectual e política de ambos os professores.

Marcos Napolitano oferece sua perspectiva teórica ao leitor já no título de sua obra em destaque — e começa já aí a crítica de Marcos Silva, uma vez que "regime" e "ditadura" têm denotações e conotações muitíssimo diversas. Para Marcos Silva, o título é, quando menos, um eufemismo (isso digo eu, que escrevo esta resenha).

Também aqui Marcos Silva observa na narrativa de Marcos Napolitano um certo papel secundário reservado às classes e grupos sociais resistentes à ditadura, em meio a certas imprecisões no detalhamento de conceitos trabalhados no livro, mas que se prestam a questionamento teórico sempre (o que é a classe média? o que é periferia? haveria classe média em periferias geográficas? o centro geográfico de uma metrópole comporta periferias?).

Nas duas obras o prof. Marcos Silva apresenta com farta argumentação elementos que se prestam à relativização da ditadura e à negação de suas consequências na vida do país - consequência que, demonstra Marcos Silva, apontam para a permanência de fortes elementos da ditadura até os dias atuais, a exemplo do golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff e do atual governo, abertamente apologista da tortura, do assassinado de opositores e da própria ditadura, a qual reinstaurará caso a correlação de forças na sociedade o permita — isto dito por último, também, o afirmo eu, que escrevo esta resenha, com o que, no entanto, me permito supor, o prof. Marcos Silva talvez concordará. 

Maria Antônia Edições
Número de páginas: 160
Dimensões:12,5 x 21 cm
Peso: 212 gr.

Jeosafá Fernandez Gonçalves é Doutor em Letras pela USP E Pesquisador Colaborador do Departamento de História da mesma Universidade. Escritor e professor mesma Universidade, lecionou para a Educação Básica e para o Ensino Superior privados. Foi da equipe do 1o. ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da Secretaria de Educação de São Paulo.  Autor de mais de 50 títulos por diversas editoras, entre os quais O jovem Mandela (Editora Nova Alexandria); O jovem Malcolm X, A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do clássico de Victor Hugo (Mercuryo Jovem).