Assim como a televisão criou uma ilusão inicial de que daria
conta de tudo que o cinema dá – quem frequenta o bom cinema sabe que não há
parâmetros de comparação entre uma e outro –, com o evento da internet
disseminou-se o terror de que o livro físico sucumbiria ao livro e a outras
formas digitais.
Ler no celular ou no computador tem suas vantagens, porém o
leitor bem formado sabe que também há poucos parâmetros de comparação entre o
livro físico e seu irmão caçula, o digital: são dois produtos culturais com
finalidades convergentes, mas cada qual com suas particularidades, um
complementando, jamais anulando, o outro, cada qual em seu leito próprio.
Não há ritual mais delicioso nas férias de final e início de
ano do que ler um bom livro de carne e osso, no quintal de casa ou no sofá do
apartamento; numa esteira de praia ou numa rede de casinha de sítio; durante o
dia ou entrando pela madrugada.
Minha recomendação para este ano que vai terminando e para o
próximo que se inicia vai para o delicioso livro, de corpo e alma – o livro
digital é só alma – , Contos Tradicionais do Brasil, de Câmara Cascudo (São
Paulo, Editora Global, 2004) – a obra completa de Câmara Cascudo encontra-se na
Editora Global, de São Paulo. As edições são bem preparadas, com ótimo projeto
gráfico, ótima encadernação e belas capas.
Esta edição dos Contos Tradicionais do Brasil traz uma
curta nota sobre a reedição da obra e mantém o prefácio original do próprio
Câmara Cascudo, em que ele versa sobre as particularidades do popular, da
tradição e do folclore – e o que é para ele cada uma dessas dimensões da cultura,
entendida como campo de articulação da sociedade, da história, e da psicologia
de um povo.
Nesse prefácio, Câmara Cascudo, extraindo consequências da
argumentação que alinhava, justifica e apresenta a divisão da coletânea: Contos
de Encantamento; Contos de Exemplo; Contos de Animais; Falécias; Contos
Religiosos; Contos Etiológicos; Demônio Logrado; Contos de Adivinhação;
Natureza Denunciante; Contos Acumulativos; Ciclo da Morte; Tradição.
Pela segmentação pode-se avaliar a variedade que aguarda o
leitor páginas a fio, porém é no interior dessas subdivisões que o mundo
encantado da cultura popular floresce aos olhos e ao espírito, pois cada conto
é um fragmento colorido de um verdadeiro caleidoscópio mágico.
As notas de Câmara Cascudo ao final de cada conto, mais que
ilustrar, acrescentam sabor e densidade à leitura. Assim, à fruição
proporcionada pela ficção, se acrescenta o elemento erudito na dose certíssima,
que prolonga o prazer da leitura, fixando no espírito do leitor a narrativa,
não mais somente por suas qualidades de linguagem e estéticas próprias – que
por si só já justificariam a presença da peça na coletânea –, mas agora por sua
relevância afetiva, psicológica, sociológica, histórica (e às vezes
idiossincráticas, como é do estilo de Câmara Cascudo).
Fica, pois, o convite: Leitor, divida nestas férias sua
espreguiçadeira com os Contos Tradicionais do Brasil, de Câmara Cascudo. Duvido
que ao final da leitura você, ao fechar o livro, não exclame para si, estupefato:
“Meus Deus do céu, como é que eu não li esse livro antes?”

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