segunda-feira, 12 de abril de 2010

O Tartufo, de Molière

Trad. Jean Melville

Esta edição da obra O tartufo ou O impostor, de Molière traz, além da tradução de Jean Melville:
  • Um proveitoso Prefácio, “A história do livro”, no qual, em palavras claras e precisas, a evolução da indústria do livro é tratada de forma objetiva e interessante;
  • Uma elucidativa Introdução à obra de Molière, “Molière, gênio da literatura francesa e universal”, com importantes informações biográficas e literárias sobre o autor e sua obra;
  • Um breve, mas providencial ensaio “A gênese da comédia Tartufo”, no qual o estudioso Robert Jouanny situa a obra no panorama cultural da época;
  • Uma resenha, a título de prefácio à peça, que traça o caminho dificultoso percorrido por ela contra a censura, até atingir o sucesso que a situou entre as mais importantes do teatro mundial;
  • Três petições escritas pelo próprio Molière em defesa da peça e solicitando ao Rei o fim da censura a sua obra;
  • Notas de rodapé bastante proveitosas para o aluno que inicia seu contato com o texto teatral;
  • Um breve perfil biográfico do autor;
  • Ao final, uma cronologia alentada que situa historicamente o autor em seu século e a obra no âmbito da biografia do autor.
Por si só, a peça traduzida já é digna de circular na escola, todavia, os acréscimos que a acompanham nesta edição permitem que os leitores, alunos e professores, assimilem o contexto histórico e artístico que serviram de placenta dessa obra prima da comédia francesa e mundial, cujo autor, literalmente, morreu fazendo o público dobrar-se de rir:

“... em fevereiro de 1673, já tuberculoso e incurável, Molière tem um ataque de hemoptise em cena aberta, ao representar o papel principal de O doente imaginário.

O público imagina tratar-se de mais uma interpretação brilhante do ator e não mede o riso. Assim, enquanto Molière se curva de sofrimento e perde sangue pela boca, a platéia aplaude estrondosamente.

O pano cai e o comediante é levado, moribundo, para sua casa, onde Armande, a esposa que o abandonara anos antes, fecha-lhe os olhos para sempre.”

A trama desta comédia envolve Orgon, sua família e o próprio Tartufo, beato convidado pelo dono da casa a nela instalar-se. As manhas e artimanhas do beato, que de puro não tem nada, enredam Orgon a tal ponto que este, completamente refém dos enganos e da lábia outro, passa a própria residência para nome do espertalhão.

As coisas se ajeitam ao final, como era do espírito de Molière fazer, porém, a crítica aos costumes medianos, ao pensamento obtuso e à fé cega está feita de modo contundente e hilário.

É por essa razão que Molière precisou percorrer uma verdadeira via crucis para desinterditar a censura interposta pelos conservadores da época, expostos e espicaçados pelo teor viperino dos diálogos que, quanto mais faziam rir, mais incriminavam a hipocrisia e o falso moralismo vigente.
Os diálogos e cenas são tão vivos que podemos, ao ler, montá-los mentalmente e desfrutar do inevitável prazer que o riso proporciona. Porém, na escola, pode-se, ao invés da montagem virtual na imaginação, realizar a encenação da peça integralmente.

Difícil? Tudo que é bom na vida deriva ou de sacrifício, ou de muito trabalho, ou muita luta. Noutras palavras, nada que é bom deriva do comodismo – ou ainda noutras, quem busca a facilidade não acha a felicidade, aqui, representada pelo riso.

Num trabalho mais planejado, a montagem da peça toda poderia ser executada pelos próprios alunos, sob orientação do professor. Porém, em sala, podem ser realizadas leituras dramáticas e montagem de pequenos trechos.

Essas leitura dramáticas e encenações permitem que sejam observados situações burlescas e detalhes ridículos, cujos efeitos talvez escapem à imaginação presa à leitura solitária.
Este é um caso em que só a tentativa já é garantia de muitíssimas gargalhadas. Quer apostar?

FONTE: Molière. O Tartufo ou O Impostor. Trad. Jean Melville. São Paulo. Ed. Martin Claret, 2005.


LANÇAMENTO
Era uma vez no meu Bairro
ZONA NORTE – Nova Edição
ZONA LESTE – Inédito
Dia 18 de outubro de 2011
19:30h
Livraria do Espaço Unibanco de Cinema da Rua Augusta
SÃO PAULO - SP

O Inspetor Geral, de Nikolai Gógol


Trad. Gabor Aranyi

Esta comédia de Gógol, famosa e muito exibida pelo mundo todo, versa sobre visita sigilosa de um agente do governo que põe em polvorosa toda uma comunidade habituada a pequenos, médios e grandes embustes.

O medo de que esse inspetor descubra a muitas corrupções, das miúdas às graúdas, é exposto à crítica mordaz do riso, numa tradução que, por um lado, situa a linguagem no gosto popular, como a crítica enfatiza em relação ao original, sem fazer, contudo, o texto encaminhar-se para a comédia bufa, gênero teatral importante, mas do qual a peça em questão não se aproxima.

A comunidade, insegura tanto com relação à data da chegada do funcionário, quanto com relação à sua, do inspetor, identidade, explicita nos diálogos os pecados em risco de serem revelados e punidos, e se prepara para maquiar a realidade, de forma que tudo se apresente na mais completa ordem administrativa e legal ao enviado do Czar.

Pela ótica de seus pecados e de suas culpas, a comunidade de administradores locais acaba identificando erroneamente Ivan Aleksandrovitch Klestakov com o dito “auditor” do governo central. Porém, Aleksandrovitch é na realidade um funcionário público em viagem que, depenado de suas economias no jogo de cartas, está em dificuldades para quitar sua estadia no hotel em que se instalou.

A sucessão de enganos, trapalhadas, estratégias diversionistas para iludir o Inspetor – e de confissões a título de remissão de “pecadinhos à-toa” – conferem ao texto uma natureza cômica e acidamente crítica:

Ammos Fiodorovitch: Não vai ser nada fácil mudar isso. O coitado diz que, quando era bebê, a mãe deixou ele cair, e desde então tem esse cheiro.

Prefeito: Eu sei, eu sei, disse só por dizer. Mas o que o Andrei Ivanovitch em sua carta chama de pecadinhos à toa – permitam-me que não fale sobre isso. Além do mais, é estranho lembrar logo de pecado, pois não existe gente sem fraquezas. O próprio Senhor nos criou assim – até mesmo os voltairianos vociferam contra isso em vão.

Ammos Fiodorovitch: O que o senhor chama de pecadinhos à-toa, Anton Antonovitch? Existe uma boa diferença entre pecado e pecado. Eu confesso, abertamente, que não recuso um presente. Mas que presente? Filhotes de Galgo. Nem merece menção.

Prefeito: Filhote de galgo ou outra coisa qualquer: não deixa de ser um presente.

Ammos Fiodorovitch: Tudo bem, tudo bem, Anton Antonovitch! Se alguém recebe um casaco de peles que vale pelo menos uns quinhentos rublos e a esposa um xale que vale pelo menos...

Prefeito: E daí? O senhor acha que ser subornado com um filhote de galgo é um assunto menos sujo, quando nem mesmo acredita em Deus?! Nem mesmo vai a igreja! Eu, pelo menos, tenho firmeza na minha fé: todo domingo estou lá sentado no banco! Mas e o senhor? Eu conheço bem o senhor! Quando começa a falar da criação do mundo eu fico com os cabelos em pé!”

Esta edição conta ainda, ao final do volume, com os seguintes textos: “Excerto de carta que o autor enviou a um escritor, logo após a estréia d’O Inspetor Geral”; “Advertência prévia aos que querem representar O Inspetor Geral corretamente”; “A luta de Gógol pela comédia Russa” e “Notas”.

Esses textos são contribuições orientadoras que o leitor não deve desprezar, pois projetam luzes sobre a peça, sobre o autor, e sobre as particularidades relacionadas à montagem do espetáculo que, encenado na escola integralmente ou com adaptações à realidade brasileira ou escolar, oferecerá saborosas lições de riso.

FONTE: Gógol, Nikolai. O Inspetor Geral. Trad. Gabor Aranyi. São Paulo. Ed. Veredeas, 2008.

Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen

Trad. Gabor Aranyi

Nora incorre em um deslize ético: falsifica a assinatura do pai, em vias de falecer, para obter o empréstimo que salvará a vida do marido, Torvald Helmer. Esse deslize, desculpável em face do amor e das circunstâncias, uma vez exposto, revelará a teia de relações hipócritas em que ela está envolvida.

Porém, diferente do que a literatura do fim do século XIX frequentemente apresenta como solução ao tédio da mulher insatisfeita no casamento, o adultério, nesta peça, o desencanto da protagonista faz com que as escamas lhe caiam dos olhos e se converta em lucidez frente às convenções machistas, que condenam a mulher à função de escrava do lar ou, na melhor das hipóteses, ornamento mimoso de sala de estar – caso de Nora.

A atitude de Nora em face das relações que aniquilaram seus sonhos, sua individualidade e sua identidade pessoal valeu à peça censura por parte dos conservadores de época, que viram nela um sério risco a instituições tais como: o casamento indissolúvel, a família patriarcal e a moral burguesa, tão afeitos às aparências:

“Helmer: Mas você é minha mulher; como é agora e como o que quer que venha a ser.

Nora: Ouça, Torvald. Quando uma mulher deixa a casa de seu marido, como eu estou fazendo agora, a leis – segundo ouço dizer – absolvem o marido de qualquer obrigação para com ela. De qualquer modo, eu o deixo livre de agora em diante. Inteira liberdade de parte a parte. Olha, aqui está o seu anel: devolva o meu.

Nesta edição, a tradução de Gabor Aranyi situa o texto em um nível de linguagem que a um só tempo confere grande fluidez e verossimilhança aos diálogos. Nela os diálogos, situados na privacidade do lar pequeno-burguês ou em situações informais de interlocução, oferecem-se ao leitor sem artificialismos retóricos voltados a dificultar gratuitamente a linguagem ou a conferir-lhe uma erudição que os críticos não apontam no texto original, e fazer sem concessões a populismos linguísticos que, no afã de “facilitar” a leitura, terminam por corromper a própria obra.

A leitura coletiva dramática desse texto e, mais ainda, a montagem dessa peça na escola têm como facilitadores o reduzido número de personagem, a exiguidade dos ambientes em que o drama se desenrola, a temática muitíssimo atual e os diálogos primorosos, por meio dos quais a consciência de Nora vai sendo despertada para a possibilidade de alteração radical de seu destino, ainda que a custa da decepção e da dor.

FONTE: Ibsen, Herik. Casa de Bonecas. Trad. Gabor Aranyi. São Paulo, Ed. Vereda, 2007.