quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Mário do quê?


Para a maioria dos paulistanos que já ouviu falar em Mário de Andrade, ele é apenas um nome de biblioteca no centro da cidade. Entre esses, poucos se dignaram sequer a entrar na biblioteca à qual ele emprestou o nome. 

No entanto, todos os que habitam, trabalham e sofrem no emaranhado de ruas de São Paulo lhe são devedores. Antes dele, esta cidade estava praticamente fora do mapa literário do país.

Aliás, quando da Semana de 22, cuja importância cresce quanto mais nos distanciamos  dela, São Paulo tinha 200 mil habitantes menos do que o Rio de Janeiro (mais ou menos 700 contra 500), e o centro cultural do Brasil era a então capital da República.

É Mário e os que o acompanharam, como Alcântara Machado e Oswald, que construíram a São Paulo literária, que chamaram a atenção para a poesia da neblina, da garoa ("garoa, sai dos meus olhos"), da noite urbana ("é noite, e tudo é noite"), do zum zum zum dos calhambeques  e das máquinas; e do clarão das lâmpadas elétricas da Pailiceia Desvairada.

Enquanto a capital federal comemorava o centenário da Independência, de pouca relevância para os dias de hoje, o espírito moderno nascia no Theatro Municipal da atual praça Ramos de Azevedo entre provocações e vaias.

A discussão estéril sobre quem tivera primeiro a ideia da Semana de 22 foi superada pelo que veio depois.  E o que veio depois transformou a cultura brasileira e tem no centro a monumental obra de Mário de Andrade.

Uma forma de os paulistanos de nascença e os de adoção reduzirem sua dívida para com este verdadeiro inventor da São Paulo moderna é visitar-lhe a obra, senão sempre, ao menos com alguma frequência.

Porém constato que milhões viveram, vivem e viverão nesta cidade sem sequer lhe ter ouvido o nome. E isto explica muito da indigência cultural e do fascismo político em que estamos  mergulhados.