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Presidente golpista Michel Temer e o ministro Mendonça Filho: farsa e tragédia, respectivamente. |
Não contente
em despejar uma bomba atômica sobre o ENEM e arrasá-lo, dias depois Temer explode outra bomba
atômica sobre todo o Ensino Médio brasileiro. São nossas Hiroshima e Nagasaki
que, se consumadas, nos custarão décadas de esforços e recursos imensos para
serem reconstruídas, não sem muita dor e ainda maiores perdas irrecuperáveis. Vamos permitir?
Antes mesmo
que se recuperasse do pavor causado pelo anúncio da destruição do ENEM,
estudantes, pais e professores recebem sobre suas cabeças outra explosão arrasadora
que causa indignação no país inteiro.
Anunciada
como o “Novo Ensino Médio”, a “reforma” da educação de Temer é na verdade uma
bomba de demolição de tudo que foi construído no país deste a aprovação da LDB
(lei 9394 de 1996). Mesmo o que foi realizado de proveitoso no governo FHC
torna-se escombro, caso tudo que Temer e o ministro Mendonça Filho anunciaram ocorra.
A comoção
geral à Medida Provisória n.o 746 de Temer nas redes sociais foi tão
avassaladora e contundente que antes mesmo de os jornais a anunciarem em suas manchetes, ele já se desculpava: que “não era bem assim”, que o anunciado era apenas um rascunho, uma versão
preliminar ou coisa parecida. Então um presidente organiza uma cerimônia para a imprensa, assina uma medida provisória na frente de todos e, eis quer era brincadeirinha: era só um rascunho.
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O ator pornô Alexandre Frota, agora "conselheiro", com ministro da Educação Mendonça Filho. |
A bomba de Temer sobre a educação brasileira também traz uma aberração: a substituição do
professor por pessoas de “notório saber”. Isso significa não apenas que as
escolas públicas estarão livres para contratar profissionais sem licenciatura: o próprio diploma de nível Superior fica abolido, pois o “notório saber” implica
que o profissional, exato por não possuir diploma, tem que ter seu saber reconhecido por uma
determinada instituição. Quem, em nome dessa instituição o declarará portador
do “notório saber”? Na unidade escolar, a figura do diretor.
Está aberta,
assim, a porta por onde entrará o profissional desqualificado, com salário de
escravo e direitos aviltados, e por onde sairá o professor que investiu anos de
sua vida até conquistar o diploma de nível Superior. Como esse profissional
desqualificado não é titulado, junto com ele sai o sindicato da
categoria, que não tem jurisdição sobre um trabalhador a que não está habilitado representar. Na melhor das hipóteses, isso é a institucionalização do famoso "bico" na educação, quando não, na pior hipótese ainda, a contratação de religiosos fundamentalistas para doutrinarem com sua fé, cevada em obscurantismo, os estudantes das escolas públicas – pagos ainda com o dinheiro de nossos impostos.
Que
resultará disso? Resultará, além da total destruição da educação pública (que
receberá uma avalanche de profissionais desqualificados para formar mão de obra
barata, apta apenas limpar latrinas de shopping center), resultará, dizia, no achatamento
radical dos salários dos professores da iniciativa privada, pois um oceano de
professores bem formados terão de disputar as reduzidas vagas que o sistema
privado oferece, e ao valor da hora-aula o mais rebaixado que o mercado tiver a
oferecer.
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Protesto de estudantes na av Paulista (29/09/16) contra as de Temer. |
"Ah! Mas o
aluno poderá escolher o que quer estudar!", dizem os adeptos do caos.
Grande farsa: tem o aluno adolescente condições
de dizer o que ele próprio precisa saber para atingir seus sonhos? Qual a
função da escola, senão dar a base para que ele, no momento certo, fazer suas
escolhas profissionais, cidadãs e de vida? Na verdade, aqui, Temer empurra para um jovem de 14 anos, que apenas
inicia o Ensino Médio, uma responsabilidade que é dos adultos, na figura do
Estado. É ou não uma covardia maior que a de Pilatos?
Para
esconder essa vilania, Temer anuncia a ideia de aumentar a carga horária das
escolas, tornando-as de tempo integral. Trata-se de outra farsa ainda maior,
pois sequer os sistemas têm infraestrutura para comportar em escala uma proposta como
essa: estamos falando de mais de 6 milhões de alunos, segundo o próprio Inep (autarquia do MEC responsável pelo ENEM)..
Em São Paulo, o secretário da Educação do Estado já se adiantou com uma “bela”
sugestão: usar o meu, o seu, o nosso dinheiro público para alugar prédios de escolas
privadas em períodos ociosos nelas (vide matéria do jornal O Estado de SãoPaulo, de 25/09/16). Só se esqueceu ele de que no ano passado e neste ano o
governador Geraldo Alckmin, do PSDB, fechou um número vergonhoso de salas de aula no estado todo para abarrotar as que permaneceram em funcionamento. Então a sugestão dele é esta: fechamos salas de aula em escolas públicas, para alugar salas de aula em escolas privadas dois quarteirões à frente.
À
tragédia da destruição do ENEM, recentemente anunciada, se soma o desastre da
destruição do próprio Ensino Médio. Fecha-se assim o ciclo de nosso horror: um exame que não servirá para nada para avaliar um Ensino Médio que,
para filhos de trabalhadores e da classe média baixa, não prestará para nada.
Por isso, nas eleições que se aproximam, vote em candidatos
contrários a isso em seu município. Em São Paulo, indico para vereadora a mulher, negra e batalhadora da educação e dos direitos das mulheres Sharylaine
65 030. Click no nome dela e conheça-a.
Leia também o artigo:
O ENEM TRAÍDO
Temer dá uma facada nas costas de toda uma geração de jovens

Jeosafá foi
da equipe do 1o, ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em
anos posteriores. Compôs também bancas de correção das redações da FUVEST nas
décadas de 1990 e 2000. Foi consultor da Fundação Carlos Vanzolini da USP, na
área de Currículo e nos programas Apoio ao Saber e Leituras do Professor da
Secretaria de Educação de São Paulo na gestão José Serra. É escritor
e professor Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo. Autor de mais de
50 títulos por diversas editoras, lançou em 2013 O jovem Mandela (Editora
Nova Alexandria); em maio de 2015, nos 90 anos de Malcolm X, O jovem Malcolm X, pela
mesma editora; no mesmo ano publicou A lenda do belo Pecopin
da bela Bauldour, tradução do francês e adaptação para HQ do
clássico de Victor Hugo, pela editora Mercuryo Jovem. Leciona atualmente para a Educação Básica e
para o Ensino Superior privados de São Paulo.